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30/01/2022 às 09h09min - Atualizada em 29/01/2022 às 23h23min

El páramo, aprenda a dominar seus medos

Às vezes a melhor opção é guerrear contra aquilo que tanto nos incomodar ou aceitá-los

Ivan Fercós - Editado por Marcela Câmara
Se a proposta aqui fosse fazer uma receita de bolo, certamente, ingredientes como isolamento social, medos invisíveis, ambientes seguros que se tornam hostis do nada, a obsessão pela contagem dos dias ou vivenciar um processo traumático que acontece a priori de uma despedida em um terreno raso e quase infértil, talvez o resultado obtido não soe tão amigável.

Em meio a sentidos duplos e um caminho que beira entre o psicológico e o fantástico, o cineasta David Casademunt abre as portas da casa de El Páramo. Onde os tons argila e sombrios que mais parecem ter sido retirados do tenebrismo de Caravaggio, pincelando a história de uma família que decide se distanciar da guerra e do drama que assolou a Espanha durante o século XIX. Presos em sua trama paralela e particular de tranquilidade e rotina, a que Lucía (Inma Cuesta), Salvador (Roberto Álamo) e Diego (Asier Flores) começam a sofrer e presenciar acontecimentos que fazem eles colocarem em xeque aquela ‘segura insegurança’ em que vivem.

Divulgação: Netflix.

Divulgação: Netflix.



Embora houvesse luzes, com alguns progressos incipientes, havia também muita escuridão, com conflitos bélicos e a terrível monarquia absolutista de Fernando VII. Foi também o século em que Goya se exilou, fruto do tédio que sentia diante de uma Espanha atroz. No entanto, também é verdade que o contexto histórico é mencionado apenas com uma leve e breve nota no início do longa-metragem, permitindo assim que o espectador também desenhe sua forma de conceber o ambiente e o quadro em que a história se passa sem dando muitos dados.

O filme nasceu muito antes que pudéssemos imaginar que passaríamos por uma pandemia global. No entanto, houve a infeliz coincidência de filmar uma história sobre pessoas isoladas exatamente enquanto tudo isso acontecia. David, pessoalmente, acreditar ter preparado os desenhos de um filme sobre pessoas que vivem confinadas enquanto ele passava por algo parecido, mas ainda continuando fiel a tudo ao seu gosto e ao cinema que mais gosta, ao final a experiência contribuiu para que esses sentimentos pudessem ser sentidos e lidos na obra final.

Divulgação: Netflix.

Divulgação: Netflix.



Um fato curioso dito pelo cineasta em entrevista dada ao site DOD Magazine, é a de que o storyboard do filme, foi feito durante o primeiro grande confinamento de março de 2020. No entanto, o esboço da história já tinha sido escrito desde 2014. Histórico e com inspiração em Braveheart, um dos filmes favoritos de Casademunt, visto quando tinha apenas 11 anos na televisão. Depois de dizer isso, certamente muitas pessoas começarão a ver certos paralelos entre as imagens visuais de El Páramo e Braveheart, da própria cabine, das roupas, dos adereços e outros.

É estranho e bonito ao mesmo tempo, ver como o cinema permite falar de coisas que temos tão, no fundo, através de leituras tão distantes da nossa realidade e com códigos fantásticos ou paranormais. É lindo que o cinema nos permita fazer isso. A figura da besta aqui faz referências a todas cicatrizes que adquirimos ao perder a inocência e a pureza na vida. “Observo a minha fera por mais da metade da minha vida, tentando virar as costas e seguir em frente. Minha fera nasceu quando eu tinha quinze anos e meu pai teve câncer. Vivenciar sua degradação, mental e física, até o momento de sua morte, me fez passar de criança a adulto de uma só vez. E o manejo dessa fera, que aparece e desaparece dependendo do momento pessoal que você está vivenciando, é o tema principal deste filme”, compartilha o diretor.

Divulgação: Netflix.

Divulgação: Netflix.



David Casademunt, sem dúvida é um diretor ousado e muito criativo, já em seu primeiro filme decide quebrar a regra básica de Hitchcock, a de não trabalhar com crianças ou animais em sets. No entanto, o resultado foi entregue em quase que 99% das cenas a frente uma criança que respira arte e dramaturgia a cada respirar. Aiser Flores é prodígio encontrado em solo espanhol e ainda iremos ouvir muito falar sobre ele.

A história surpreende ainda mais ao saber que foi escrita em 2014, entretanto chega ao público a altura em que não podia estar mais atual. Ao final, há uma pergunta do autor para todos os espectadores, um final tão aberto e em que todas as respostas são totalmente válidas. Cada espectador pode elaborar em sua imaginação a resposta mais aceitável para si. Casademunt disse ter uma, mais ou menos clara, mas que vai guardar com ele. Então, só nos restar buscarmos de forma individual qual a melhor interpretação para esse final tão enigmático.

Confira o trailler oficial:
 
REFERÊNCIAS


AGAMORTIS. O Páramo: Final explicado do filme da Netflix. Geeklando. 11 de jan de 2022. Disponível em: . Acesso em: 25 de jan. de 2022.

GONZÁLEZ, Fran. Entrevista a David Casademunt (el páramo): “es extraño y bello cómo el cine te permite hablar de cosas que tenemos tan adentro, a través de códigos fantásticos o paranormales”. DOD Magazine. 6 de jan. de 2022. Disponível em: . Acesso em: 28 de jan. de 2022.

GUGLIELMELLI, Alexandre. O Páramo: Explicamos o filme da Netflix e o final. Observatório do Cinema. 12 de jan. de 2022. Disponível em: . Acesso em: 25 de jan. de 2022.

MILANI, Robledo. O Páramo – Crítica. Papo de Cinema. 22 de jan de 2022. Disponível em: critica/>. Acesso em: 25 de jan. de 2022.
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