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05/06/2022 às 07h20min - Atualizada em 05/06/2022 às 06h57min

Como o assédio limita a presença feminina nos jogos online

Na teoria, elas dominam os jogos online, mas na prática elas lutam por um espaço onde os integrantes tentam subestimar e reduzir sua presença

Larissa Oliveira - Editado por Marcela Câmara
Embora os princípios de “coisa de menino” e “coisa de menina” ainda estejam enraizados nas mentes de várias pessoas, eles estão sendo desconstruídos cada vez mais. A maioria das garotas, por exemplo, não foram incentivadas a jogar quando eram crianças. Até hoje, muitos acreditam que o cenário gamer é dominado pelos homens. Em parte, isso é verdade. Entretanto, uma pesquisa do Games Brasil 2021 apontou que 51,5% dos jogadores no país são mulheres. Ou seja, mais da metade do público gamer é feminino.
 
A presença delas nessa conjuntura se iniciou oito anos após o lançamento do videogame conhecido como o primeiro da história, Magnavox Odyssey. A primeira mulher a participar da programação de um jogo e a única na equipe de desenvolvimento se chama Carol Shaw. Apesar dos constantes comentários preconceituosos, ela criou um dos jogos mais famosos da história em 1982. Lançado para o Atari 2600, River Raid vendeu mais de um milhão de cópias na época. Posteriormente, inúmeras outras mulheres ingressaram na indústria de jogos, mas ainda assim não estão no contexto ideal.

Mulheres nos games – 13 nomes de ontem, hoje e sempre

Mulheres nos games – 13 nomes de ontem, hoje e sempre

Fotografia de Carol Shaw - Foto: Newgameplus
 
Mesmo tendo conquistado mais espaço, a disparidade de salários, a pequena representatividade e pouca quantidade de oportunidades profissionais em relação aos homens também existe no universo gamer. Portanto, apesar de serem a maioria nos games, não são as protagonistas. Isso ocorre, sobretudo, devido a uma questão cultural. Medo, receio, apreensão e desconfiança: esses são os principais motivos que levam muitas mulheres a se afastarem dos jogos.
 
 A fim de evitar comentários ofensivos e abusivos, elas se distanciam de games considerados “tóxicos” ou utilizam algumas estratégias para se sentirem seguras. Em 2021, uma pesquisa organizada pela Lenovo foi conduzida pelo grupo de marketing Reach3 Insights e retratou as opiniões de 900 jogadoras. De acordo com o estudo, 59% das jogadoras costumam esconder seu gênero durante as partidas para evitar assédio. Além de omitir que são mulheres, as entrevistadas também informaram que preferem não jogar online, desligam o chat ou jogam apenas com amigos. Algumas, inclusive, evitam colocar nomes femininos e participar de conversas por voz.
 
Além disso, foi constatado que 77% das participantes dessa pesquisa experimentaram comportamento impróprio durante um jogo. A maioria dos homens criticam o desempenho delas, boa parte as acusam de estar em um ambiente onde não pertencem ou por não terem as capacidades necessárias para jogar, e outros exageram no tratamento “cavalheiro”, tratando-as como incapazes. Outro dado importante levantado é que 44% das mulheres afirmaram que precisam lidar com “pedidos de relacionamentos não solicitados” durante as partidas.
 
Há muitas explicações plausíveis para entender porque esses ataques acontecem. Durante muito tempo, o foco da produção e divulgação de grandes jogos foi voltado em sua maioria para homens cisgênero, heterossexuais, jovens, brancos e financeiramente privilegiados. Logo, esse consumidor reconheceu por anos que esse mundo pertencia a ele. Ademais, diversas representações de personagens femininas não são nada positivas. A hiperssexualização sempre foi muito evidente, com vestimentas que não condizem com o que de fato ajudaria na performance da figura feminina no ambiente e contexto em que ela foi inserida.

A heroína Janna do League of Legends é um exemplo da hipersexualização

A heroína Janna do League of Legends é um exemplo da hipersexualização

Foto: Divulgação/Riot Games
 
Desde a década de 80, inúmeras personagens femininas estão presentes nos jogos eletrônicos apenas para reforçar estereótipos femininos. A Princesa Peach do Super Mario é um exemplo clássico que retrata a visão de fragilidade, passando um ideal ultrapassado de que precisa de uma figura masculina para salvá-la ou protegê-la. Muitas das lutadoras do Mortal Kombat, com roupas minúsculas e partes íntimas bem avantajadas, representam a sexualização.
 
Ultimamente, alguns jogos deram protagonismo às personagens femininas, transformando-as em heroínas. Temos a Claire Redfield e Jill Valentine, de Resident Evil 2 e 3, respectivamente, Ellie, de The Last Of Us 1 e 2, e Aloy, de Horizon Zero Dawn. Todavia, apesar dos poucos avanços na representatividade feminina nos games, a maioria dos programadores e desenvolvedores são homens. A maior parte dos jogadores profissionais e produtores de conteúdo também são do público masculino. Portanto, embora as gamers sejam maioria, os influenciadores do ramo não são.

Aloy de Horizon Zero Dawn

Aloy de Horizon Zero Dawn

Foto: Reprodução/PlayStation Blog

Múltiplas consequências são geradas devido aos ataques. De maneira geral, as garotas precisam se adaptar para continuar jogando enquanto pouco é exigido para os agressores. Isso afeta e muito a sensação de pertencimento dentro dos grupos de jogos. Como pro players e streamers mulheres estão sujeitas à maior exposição, e consequentemente sofrem mais episódios de violência, elas limitam a sua diversão para que não sofram assédio. Assim, evitam determinadas plataformas, jogos e comunidades que não ofereçam um espaço seguro ou um suporte necessário, desencorajando a profissionalização como um todo.
 
Nesses meios majoritariamente masculinos, as mulheres resistem e exigem mudanças. Muitas das iniciativas de mudança são feitas por elas próprias ao criarem grupos de jogadoras, campeonatos de e-sports e times femininos. Esse movimento tem influenciado o mercado, que tem percebido que se não mudar, perderá muitas consumidoras. Existem grupos na internet que são inteiramente focados na criação de um ambiente seguro para as que estão inseridas no universo dos videogames. Nesses grupos, as integrantes se unem para jogar juntas e conversar abertamente sobre suas experiências nos jogos, sejam elas positivas ou negativas.
 
Para gerar mudanças significativas, é necessário que as empresas responsáveis por movimentar a indústria combatam qualquer forma de violência e abuso. Também é preciso ter mais equipes femininas presentes nas competições de alto nível. Mas, principalmente, as mulheres precisam ser vistas como consumidoras potenciais. Dessa forma, receberão mais atenção e representação. Por enquanto, a luta contra a desigualdade continua em todas as frentes. As gamers continuarão lutando para defender seu espaço, por mais que muitos insistam em não reconhecê-lo.
 
 
 
REFERÊNCIAS
 
AMÉRICO, Tiago. Mulheres são maioria entre gamers do mercado de e-sports. CNN, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/mulheres-sao-maioria-entre-gamers-do-mercado-de-e-sports/. Acesso em 30 de maio de 2022. 
 
CANELLA, Clara. Mulheres são maioria nos games, mas por que não somos protagonistas? IGN Brasil, 2022. Disponível em: https://br.ign.com/games/97015/feature/mulheres-sao-maioria-nos-games-mas-por-que-nao-somos-protagonistas. Acesso em 30 de maio de 2022. 
 
DUARTE, Nathalia. Assédio e preconceito afastam mulheres gamers de jogos online. Techtudo, 2022. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2022/03/assedio-e-preconceito-afastam-mulheres-gamers-de-jogos-online.ghtml. Acesso em 30 de maio de 2022. 
 
Mulheres gamers: a luta pela igualdade dentro e fora dos jogos. Netiz, 2020. Disponível em: https://netiz.com.br/blog/mulheres-gamers-a-luta-pela-igualdade-dentro-e-fora-dos-jogos/. Acesso em 30 de maio de 2022. 
 
HENRIQUE, Arthur. 59% das mulheres gamers escondem gênero para evitar assédio, diz pesquisa. Olha Digital, 2021. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2021/05/23/games-e-consoles/mulheres-gamers-escondem-genero-assedio-pesquisa/. Acesso em 30 de maio de 2022.
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