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27/11/2021 às 00h02min - Atualizada em 24/11/2021 às 10h41min

Ataques aos jornalistas: perseguições e censuras limitam o trabalho da categoria

Em um ambiente violento, ataques virtuais e repressões levam profissionais da comunicação a autocensura e a mudanças de endereço

Karla Thyale Mota e Sthefany Macedo - Editado por Ana Gonçalves
Foto: Unsplash

O Brasil caiu quatro posições no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), atualmente o país está na 111º colocação. Isso se deve ao ambiente violento vivenciado pelos jornalistas que sofrem agressões, ameaças e são assassinados. De acordo com informações da RSF, na maioria dos casos os ataques aconteceram durante coberturas de corrupção, políticas públicas ou crime organizado em cidades de pequeno e médio porte, nas quais estão mais vulneráveis.

 

A situação não é muito diferente em outros 180 países avaliados, 73 deles estão com a atividade jornalística comprometida. Na Ásia, no Oriente Médio e na Europa, os jornalistas enfrentam dificuldade em investigar temas mais delicados.

 

 

No site da RSF, é possível acompanhar a contabilização dos casos de ataques no mundo, através do  “Barômetro da Liberdade de Imprensa”. Letícia Kleim, assistente jurídica da Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo - , comenta sobre o acompanhamento desses casos no país, “o que acompanhamos de caso de censura são casos judiciais pedindo a retirada de conteúdo ou, enfim, a censura prévia, de que a pessoa não publique mais nada sobre determinado caso ou determinada pessoa, mas a gente acompanha casos de restrição de acesso a informação, restrição de que algum jornalista acompanhe alguma coletiva, ou que entre em algum lugar para registrar algum evento.”

 

Em Goiânia, por exemplo, o juiz Willian Costa Mello conseguiu a censura de uma reportagem  da rádio Sucesso FM. A reportagem “Defesa Ardil”, revelava as relações da ex-juíza e advogada Maria Luiza Póvoa Cruz, com supostos golpes dados em proprietários de imóveis. Letícia Kleim também conta que esses ataques ferem a liberdade de expressão dos jornalistas.
 

Isso pode levar a uma autocensura, a pessoa, toda vez que publica sobre alguém específico ou que ela está investigando algum caso , toda vez que ela publica algo relacionado a isso ela recebe algum tipo de ataque, o efeito que isso acaba gerando é da própria pessoa não querer trabalhar e em último caso até querer sair do jornalismo.” explica, Letícia Kleim.

 

O fato se comprova com o depoimento de Vinícius Lourenço. O jornalista de Magé-RJ, foi vítima de uma tentativa de homicídio em agosto deste ano, após o ocorrido, ele decidiu fazer uma pausa em suas publicações, “Eu parei. Eu dei uma parada por enquanto.”


Diante dos ataques, é necessário que o profissional conte com uma rede de apoio incluindo familiares, amigos e a empresa na qual trabalha para apoiá-lo a não desistir de seguir a carreira. Para Tiago Fernandes, jornalista esportivo vítima de ataques nas redes sociais desde novembro de 2017, um dos primeiros pensamentos que a vítima imagina é o de perder o vínculo com a empresa  “toda vez que alguém começa a te atacar o primeiro pensamento é ‘vou perder o emprego’, eu ficava preocupado depois em ter amparo jurídico para que eu pudesse processar as pessoas que estavam me atacando e eles [empresa] sempre me deixaram tranquilo em relação a isso”.

Para a categoria de jornalistas que atuam como freelancer, e não contam com vínculo empregatício, o processo em buscar apoio e realizar a denúncia se torna mais desgastante.  De acordo com o Relatório de Boas Práticas de Combate ao Assédio Virtual contra Jornalistas para Redação, sem o amparo da empresa, defender-se dos ataques passa a ser mais desafiador e, muitas vezes, pode causar desânimo no profissional atacado, “quando esses profissionais precisam comparecer por conta própria em compromissos oficiais e audiências relativas ao processo sem que seu tempo e o dinheiro gastos sejam reembolsados, a ameaça pode surtir efeito ainda que como exemplo”.

Em julho de 2020, o repórter freelancer Eduardo Silva foi alvo de agressão verbal ao registrar um acidente de carro em Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Eduardo estava no local para capturar imagens do bairro onde havia acontecido um homicídio dias antes e acabou captando imagens do acidente. O jornalista foi agredido verbalmente pelo condutor do veículo que cobrava de Eduardo sua credencial mesmo estando com o microfone da emissora que prestava serviço e insinuava que ele estaria no local a mando de terceiros, segundo informações da Abraji.

Em entrevista a Coletiva Net, Eduardo conta que não tinha interesse em filmar a cena do acidente, mas sim uma viatura que estava próximo, no entanto, o condutor entendeu errado. Segundo Eduardo, ao perceber a confusão, a viatura se retirou do local sem prestar ajuda ao repórter.

Fonte: Acústica FM

Nas imagens, o condutor do veículo visivelmente irritado, tenta intimidar o repórter com palavras de baixo calão. Eduardo preferiu não prestar Boletim de Ocorrência. Ao portal Coletiva Net, explica que tomou essa decisão por ser o único repórter da região “não quis formalizar por ser o único repórter do SBT na região Sul do Estado. Não quero um batalhão inteiro atrás de mim”.

Maria José Braga, presidenta da Fenaj, indica que os profissionais atacados, principalmente aqueles que não possuem assistência jurídica, como alguns jornalistas freelancers, devem procurar o sindicato dos jornalistas para formalizar a denúncia e conseguir apoio moral. A Fenaj atua junto aos sindicatos acompanhando os casos e auxiliando na formalização da denúncia.

"A pessoa agredida se sente muito fragilizada do ponto de vista emocional e nós, que somos as entidades representativas, queremos dizer para esse jornalista que ele não está sozinho, que tem uma categoria toda o respaldando”, explica Maria José Braga.

 

ATAQUES VIRTUAIS

Fonte: Freepik

 

Os ataques virtuais à imprensa e profissionais da comunicação também tiveram grande repercussão no ano de 2020. Segundo dados do Relatório da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) sobre Violações à Liberdade de Expressão, em 2020 foram realizadas cerca de 2,9 milhões de publicações nas redes sociais com expressões pejorativas e palavras de baixo calão direcionadas à imprensa brasileira.

Fonte: Relatório sobre Violações à Liberdade de Expressão, 2021.

De acordo com o relatório, a imprensa sofreu 7,9 mil tipos de ataques por dia, 331 ataques por hora, um total de quase 6 por minuto. Para evitar um ataque maior como invasão de privacidade ou de hackers, o jornalista pode adotar algumas medidas de prevenção. 

Luiza Brandão, advogada e diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), alerta sobre a importância da criptografia como forma de proteção de dados nas redes sociais “é importante reconhecer o papel fundamental da criptografia forte (de ponta-a-ponta) para a proteção da liberdade dos jornalistas, de sua expressão, dos direitos, como o do segredo da fonte”.

Além da criptografia, a advogada reforça sobre a importância da denúncia nesses tipos de ataques, "mesmo acontecendo online, as leis se aplicam igualmente a situações ilícitas (de reparação à imagem e honra, por exemplo) e criminosas (injúria, difamação, ameaça, fraude).”

Apesar de importante, muitos jornalistas desistem ou não se interessam em denunciar os ataques devido à grande burocracia e a falta de informações sobre os dados dos agressores. Segundo Luiza, “apesar disso, é importante ter o boletim de ocorrência, a denúncia formalizada, até para o caso de ser necessária uma medida protetiva”.

Caso que aconteceu com Guilherme Piu, jornalista esportivo há 12 anos, que desde 2015 tem sido vítima de ataques nas redes sociais. No último ataque sofrido em janeiro de 2021, após publicar matéria referente ao clube esportivo do Atlético Mineiro, o próprio jornalista buscou informações dos agressores para que medidas de punição contra os crimes pudessem ser devidamente aplicadas. “Juntei meus próprios esforços, como jornalista tenho alguns recursos e fui atrás de dados dessas pessoas, eu entendi que precisava me esforçar para que essas pessoas, pelo menos uma parte delas, fossem punidas para servir de exemplo.”

Ocorridos como esses afetam diretamente o trabalho do profissional e podem causar traumas difíceis de serem superados. Após receber diversas mensagens nas suas redes sociais incitando ódio e o ameaçando, o jornalista esportivo necessitou buscar ajuda com especialistas para superar os traumas psicológicos causados pelos ataques “eu tive que fazer tratamento específico psicológico para lidar e para conseguir abrir a rede social sem que ela fosse traumática para mim”.
 

“Nós como jornalistas ficamos muito vulneráveis de todos os aspectos, psicológicos, principalmente” – Guilherme Piu, repórter do Portal Uol. 

Em 2020, o jornalista sofreu diversos tipos de ataques dentro do jornalismo esportivo devido a publicações referentes aos times “quando você [jornalista] faz uma matéria que desagrada o leitor, mesmo a matéria sendo verídica, verdadeira, muito bem apurada, você vai receber ataques na internet, principalmente de fakes”.

O de maior repercussão foi quando, ao participar de uma live com o Marias de Minas, torcida LGBTQi+ do Cruzeiro Esporte Clube, Guilherme e o Marias receberam várias mensagens os insultando e ameaçando-os “não foi qualquer tipo de ameaça, algumas pessoas foram ameaçadas de morte, outras apenas ameaça de lesão corporal, que foi o meu caso”. Mesmo após procurar as autoridades, os agressores não foram punidos “não aconteceu nada com ninguém, simplesmente quem ameaçou continua impune, quem foi ameaçado sofreu as consequências psicológicas”. 
 

Fonte: arquivo pessoal Guilherme Piu.

Nas mensagens, torcedores descredibilizam o trabalho do jornalista e ameaçam sua integridade física “Aparece amanhã nas eleições lá para você tomar um coro”, diz uma das mensagens. O jornalista denunciou os ataques às autoridades após reunir prints e dados dos agressores "às vezes sou eu mesmo que corro atrás para tentar buscar informações sobre o agressor para já entregar na justiça todos os dados que são necessários como nome, endereço, algum tipo de documento”. 
 

Fonte: arquivo pessoal Guilherme Piu.
 

“Eram 200, 300, 400 mensagens de um grupo específico fazendo campanha para chamar pessoas contra mim”, relembra Guilherme. O jornalista já chegou a processar um torcedor que havia enviado mensagens ofensivas “ele precisou fazer uma postagem nas redes sociais se desculpando em relação a tudo que ele tinha falado sobre a minha pessoa e ainda precisou fazer um pagamento em reais, uma multa como punição por tudo aquilo que ele havia falado comigo”, conta o jornalista.
 

 

Fonte: arquivo pessoal Guilherme Piu.

Anterior a esse episódio, em 2015, Guilherme perdeu o emprego devido a influências de diretorias de times de futebol dentro da redação do jornal que trabalhava “perdi o emprego fiquei um bom tempo desempregado fazendo outras atividades, até tinha pensado em desistir do jornalismo, mas com a ajuda de grandes amigos eu voltei a ativa, voltei a fazer o que mais amo e me recuperei”. 

Letícia Kleim, Assistente Jurídica da Abraji, alerta sobre o que pode ser feito no momento do ocorrido, “do ponto de vista jurídico, o importante é que ele [jornalista] tenha registro de tudo isso, que ele documente tudo o que acontece. Tirar print de todas as coisas que encontrar, se possível, até registrar esses prints em cartório, uma ata notarial que aí vai dar mais veracidade para isso e guardar todos os documentos”.

Além de registrar as ações dos agressores, Letícia recomenda outras medidas de proteção “a gente também recomenda que o jornalista se afaste um pouco das redes para se proteger, e ter alguém de confiança para monitorar se esses ataques escalarem para coisas mais graves”, além de não responder aos ataques para evitar mais desgaste psicológico. Tiago Fernandes, jornalista esportivo, também recomenda que o profissional não responda aos ataques “o meu único conselho para os jornalistas é tentar evitar conversar, interagir com gente que só esteja disposta a atacar dentro da internet e, principalmente, fora dela”.

Com o objetivo de auxiliar os jornalistas a se manterem protegidos, a Abraji em parceria com a comissão da liberdade de imprensa da Ordem dos Advogados (OAB), desenvolveu uma cartilha com orientações legais do que pode ser feito caso algum profissional seja vítima de ataques nas redes

1. Investigação defensiva: A OAB recomenda que a vítima reúna dados e mensagem dos agressores. Os prints das mensagens devem ser registrados em cartório e o advogado pode colher depoimentos da vítima e de pessoas próximas.
 

2. Comunicar às autoridades: Registrar Boletim de Ocorrência e apresentar a Notícia-Crime aos órgãos da Polícia ou ao Ministério Público. É importante que a vítima procure delegacias especializadas em crimes na Internet, como a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI).
 

3. Demandas Judiciais: Para as Ações de Natureza Criminal, a vítima pode apresentar queixa junto ao Ministério Público (MP). Crimes de falsidade ideológica podem ser denunciados ao MP independente da manifestação da vítima. Para as ações de Natureza Cível, a vítima poderá obter ordem judicial para cessar os ataques. O agressor poderá pagar uma indenização pelos traumas causados e retirar o conteúdo das redes.
 

4. Comunicar às cortes internacionais de Direitos Humanos: A vítima pode alegar violação à liberdade de imprensa, garantido por lei sob o art. 13.3. “A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) assegura a qualquer pessoa, grupo ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) o direito de peticionar ou comunicar uma denúncia ou queixa de violação da convenção por um dos Estados Parte à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”.
 

5. Acionar o convênio Abraji-OAB: A Abraji, em parceria com a OAB, disponibiliza um convênio para orientar as vítimas de ataques virtuais sobre as primeiras medidas a serem tomadas. O contato é feito via e-mail, onde a vítima poderá enviar um resumo do ocorrido e prints dos ataques..

É muito importante não deixar situações como essa passar em branco “você não pode simplesmente sofrer um ataque e deixar para lá, você precisa mostrar para essas pessoas, por mais difícil que seja, ainda mais no Brasil que se tem toda essa burocracia, tem que correr atrás dos seus direitos em todos os aspectos”, alerta Guilherme.

 

MUDANÇAS E A GARANTIA DA SEGURANÇA

Em setembro de 2021 o jornalista cuiabano, Alexandre Aprá de Almeida, entregou à Polícia Federal de Mato Grosso provas de uma tentativa de falso flagrante contra ele. Dono do portal Isso é Notícia, o jornalista necessitou mudar de estado devido a ameaças feitas contra ele após a divulgação do caso à PF e a repercussão na mídia.

Em depoimento à Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Alexandre relata que um detetive particular foi contratado para forjar provas falsas contra ele e colocar um rastreador no seu carro após publicar matérias denunciando gastos irregulares do governo mato-grossense. Alexandre só conseguiu reunir provas do ataque e denunciá-lo ao MP, após um assistente contratado pelo próprio investigador revelar o plano e entregar-lhe gravações das ações e falas.
 

Fonte: Reprodução. Em gravação de vídeo, detetive coloca rastreador no carro do jornalista

Em vídeo divulgado pelo Domingo Espetacular, o detetive contratado revela que os mandantes do crime seriam o dono da ZF Comunicação, Ziad Fares; o governador do Estado de Mato Grosso, Mauro Mendes e sua esposa Virgínia Mendes. Apesar de possuir provas concretas, o jornalista teme que o caso não vá adiante devido ao poder dos envolvidos.

Eu fico receoso que esse caso não vá ter uma investigação séria, isenta e devida como se deve diante da gravidade dos indícios”, relata Alexandre que está fora do estado desde a entrega das provas e que até o dia 5 de outubro (data do depoimento) ainda não foi chamado pela Polícia Civil e nem pelo Ministério Público.

Alexandre conta que após a divulgação do caso, recebeu diversas ameaças do detetive particular contratado para forjar as falsas provas:

Ele disse que está em Cuiabá atrás de mim, segundo informações que eu consegui apurar junto às minhas fontes do Estado” e temendo por sua vida, sentiu necessidade em trocar de endereço, mas pretende voltar para Cuiabá.

Os ataques sofridos pelos profissionais da comunicação são marcas de uma imprensa cada vez mais ferida. O Art. 2° do Código de Ética dos Jornalismo Brasileiro, estabelece aos jornalistas e meios de comunicação o dever de divulgar informações de forma precisa, pautada em fontes e informações verídicas e confiáveis. Segundo o Código de ética, cláusula V, aplicar censura, induzir a autocensura ou impedir de alguma forma que o jornalista divulgue as informações se qualifica como um delito à sociedade. Atacar um profissional que está apenas cumprindo seu papel com a sociedade é como agredir a verdade.

 

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