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29/03/2023 às 12h26min - Atualizada em 29/03/2023 às 12h12min

Trabalho excessivo e exaustão mental: o aumento de casos de doenças ocupacionais

Um em cada cinco brasileiros sofrem de Síndrome de Burnout

Ana Beatriz Rangel - labdicasjornalismo.com
Freepik

Acordar cedo, preparar o café, se vestir e sair em direção a primeira condução do dia é a rotina diária de grande parte da população brasileira. No entanto, todas essas práticas podem vir acompanhadas de outros sentimentos além do cansaço e do sono, a exaustão extrema, o estresse e o esgotamento físico. 

 

Em uma pesquisa publicada em 2022 pela Universidade Estadual de São Paulo (USP), um em cada cinco brasileiros sofrem de síndrome de burnout. De acordo com o Ministério da Saúde, o distúrbio emocional é provocado pela cobrança  excessiva e um ambiente de trabalho ruim. Também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, a doença é comum principalmente em profissionais que atuam em áreas que exigem responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas e outros. 


Legenda: De acordo com a pesquisa realizada pela USP, 43% dos profissionais relataram sintomas  de depressão e 24% de queixas relacionadas à ansiedade, embora apenas 5% diagnosticados. 
 

O psiquiatra David Dutra, de 64 anos, especialista em clínica médica e terapia intensiva, tem identificado, com muita frequência, casos de síndrome de burnout e doenças ocupacionais. O médico explica que os funcionários estão sendo submetidos a regimes de cobrança excessivas e para cumprirem todas as funções precisam realizar cargas de horários exaustivas, que levam a pessoa ao seu limite físico e mental. 

 

Conforme David, os pacientes chegam ao atendimento com uma multiplicidade de sintomas, sendo os principais a insônia, a ansiedade, a instabilidade de humor, e o sentimento de culpa e inadequação. Para ele, esses sintomas podem estar extremamente ligados ao contexto do local de trabalho. 

 

“O ambiente influencia sobremaneira o psicológico das pessoas, porque pode ser tóxico, pode ser disfuncional e também pode ter a influência de quem ele é composto. Ele pode impactar de várias maneiras as pessoas”, explica o psiquiatra. 

 

O ex-recepcionista Jonathan Claudiano, de 25 anos, sentiu na pele os sintomas que um ambiente de trabalho ruim pode provocar, ao ponto de pedir demissão. Segundo ele, no começo, o trabalho era muito bom e veio justamente em um momento de insegurança durante a pandemia. Mas, aos poucos, o local que era muito agradável passou a se tornar desgastante quando as cobranças começaram a se intensificar além das obrigações exigidas pela função. “No início era bom, eu gostava, mas depois de um tempo começou a se tornar angustiante pensar em acordar e ir para lá e passar aquele tempo todo”, conta. 

 

Apesar de possuir uma boa relação com a equipe, quando o assunto era profissional a situação se invertia e a demanda só aumentava, até precisar de ajuda médica para continuar trabalhando: 

 

“Eu percebi que não aguentava mais quando me dei conta que estava começando a necessitar de ajudas externas para aguentar um dia. Por exemplo, acompanhamento, acho que todo mundo realmente deveria fazer acompanhamento psicológico, mas eu dependia totalmente daquilo para conseguir aguentar um dia de trabalho”, desabafa Jonathan.

 

A decisão de Jonathan de pedir demissão já estava definida, mas não naquele momento. Ele esperava permanecer mais um tempo na empresa. No entanto, diante de uma situação de injustiça e insatisfação, ele tomou a decisão: 

 

“Após a demissão parece que eu tirei um peso das minhas costas, o único peso que as vezes fica são as questões da responsabilidade do próximo mês. Apesar da gente receber outras oportunidades, é normal se sentir ansioso, mas pensando só na questão da demissão, eu to muito mais leve e muito mais feliz”, enfatiza.

 

A psicóloga Israelly Leal Beirão, de 23 anos, explica que o adoecimento provocado pela síndrome de burnout e outras doenças ocupacionais estão relacionados ao agravamento do sentimento de sofrimento por conta do trabalho ou da cultura organizacional desse ambiente. 

 

“O sofrimento muito agravado esgota todas as energias da pessoa, então o local do trabalho toma uma proporção muito grande na vida, em que a vida pessoal é um pouco atropelada pelos problemas profissionais’’, pontua a psicóloga.

 

Segundo Israelly, em casos como esse, o tratamento pode ser feito a partir da psicoterapia, para modificar o estilo de vida do paciente e ressignificar a relação com o trabalho. E dependendo do agravamento, com uma medicação receitada por um psiquiatra. A psicóloga também pontua que é extremamente indicado o afastamento por meio das férias, para que o profissional crie vínculos fora do ambiente de trabalho e se desconecte daquela realidade. 

 

A professora afastada Paula, que prefere não se identificar, também precisou procurar o acompanhamento médico e se distanciar do ambiente de trabalho para conseguir retornar com a qualidade de vida. Paula iniciou na vida profissional cedo e sempre gostou de lecionar, mas a situação começou a se tornar desagradável quando precisou dobrar a jornada de trabalho para conseguir pagar todas as contas no fim do mês. 

 

Com uma filha pequena, casa para cuidar e as exigências de dois turnos de trabalho, ela começou a encontrar muita dificuldade para lidar com as demandas. Até que em um momento de crise de raiva, socou uma porta de vidro. Naquele momento a professora percebeu que precisava procurar ajuda médica.

 

“Isso me trouxe muita tristeza e eu vi que não estava bem e precisava de ajuda, mas pensei assim, o bom é que eu me machuquei e não feri ninguém. Me auto machuquei inconsequentemente, eu não fiz porque queria, eu estava com muita raiva e soquei a porta”, lamenta a professora.

 

Entre muitas idas e vindas ao psiquiatra e o uso de medicamentos constantes, Paula precisou se afastar das salas de aula por não suportar mais retornar. A professora era concursada e por isso, depois de muitas comprovações, conseguiu o afastamento. 

 

No entanto, conseguir os direitos trabalhistas após a presença dos sintomas nem sempre é simples. A advogada trabalhista Lívia Nogueira, de 31 anos, explica que apesar do aumento de ações por síndrome de burnout e doenças ocupacionais, ainda existe um desconhecimento grande dos trabalhadores sobre a relação da doença e os sintomas. 

 

A advogada explica que na lei trabalhista a síndrome está equiparada ao acidente de trabalho e por isso o empregado terá os mesmos direitos assegurados que os trabalhadores que se acidentam no local ou caminho de seu trabalho. 

 

“Após a caracterização da doença, o procedimento dependerá do tempo de afastamento que o médico indicará. Se for um período maior que 15 dias, o funcionário será encaminhado para perícia do INSS. Após passar por perícia, o funcionário receberá o auxílio doença. Quando este benefício cessar, terá direito à estabilidade de 12 meses, ou seja, não poderá ser demitido sem justa causa neste período”, explica Lívia.

 

Lívia esclarece também que o profissional deve procurar um advogado trabalhista quando verificar que sua condição se deu por fatores relacionados à empresa, como excesso de cobranças e metas inatingíveis. 

 

Quando o ambiente de trabalho se entrelaça além do recomendado com a vida profissional, o empregado precisa estar atento para que as exigências e cobranças não ultrapassem o limite de suas funções. Com um ambiente de trabalho adequado e justo, Jonathan 's, Paula' s, Maria 's e muitos outros trabalhadores poderão viver tranquilamente, sem precisarem de ajuda médica para suportarem a rotina do dia a dia. 

 

REFERÊNCIA 

 

BEZERRA, Antônio. Burnout: 1 a cada 5 profissionais sofre de esgotamento no Brasil. Assembleia Legislativa do Estado do Piauí, 2022. Disponível em: . Acesso em : 25 de março de 2023.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Síndrome de Burnout. Acesso em 25 de março de 2023.

 

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