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04/07/2022 às 15h57min - Atualizada em 04/07/2022 às 15h39min

A importância das festas de São João para a economia das cidades baianas

Sendo um ícone da cultura nordestina, os festejos juninos devem movimentar cerca de R$ 1,5 bilhão nas cidades locais da Bahia em 2022

Maria Eduarda Carvalho - Editado por Giovana Rodrigues
Com o cancelamento das festas, devido à pandemia da Covid-19, os comerciantes baianos possuem grandes expectativas para o retorno em 2022. Fonte: Bahiatursa/Reprodução

Diante de bandeirolas coloridas, quadrilhas, fogueira e comidas típicas à base de milho e amendoim, o São João é considerado a maior festa popular do Nordeste, incluindo em quase todos os 417 municípios baianos.

Depois de dois anos sem sua ocorrência, em virtude da pandemia da Covid-19, a flexibilização das medidas de segurança permitiu a comemoração dos festejos juninos em 2022, com expectativa inicial de movimentar cerca de R$ 1,5 bilhão nas cidades locais da Bahia, segundo levantamento realizado pelo Ministério do Turismo, representando um grande símbolo econômico para esses municípios.

A atual forma de comemorar o São João é consequência da junção de diversas culturas, num processo de ressignificação. A origem das festas é pagã, em que celebravam o solstício de verão e homenageavam os deuses da natureza. Também, as pessoas pediam por colheitas fartas, em especial de cereais, como o milho, um dos ingredientes típicos do São João. Além disso, as fogueiras estavam presentes nessas homenagens.

Com a instituição do catolicismo, símbolos religiosos foram incorporados nessa festa popular, como a homenagem, em junho, aos três santos católicos: dia 13 de junho como o dia de Santo Antônio, 23 e 24 de junho, dia de São João, e 29 de junho, dia de São Pedro.
 

Ao ser incorporado pela indústria cultural, o São João se altera e ganha elementos próprios, além de ter influências das singularidades de cada região do país. Fonte: Diário de Petrópolis/Reprodução
 

Assim, com a chegada dos portugueses ao Brasil durante o período colonial, a partir do século XVI, a religiosidade foi um dos elementos incorporados na formação da cultura brasileira. Além disso, as festas juninas tiveram influência de culturas indígenas e afro brasileiras, além de características próprias das regiões do país

Com esse processo de consolidação do São João no Brasil, Flaviny Ribeiro, Mestra em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), comenta sobre as ressignificações que o São João ganha ao longo dos anos, enquanto elemento cultural: "Uma festa que vai crescendo, ao nosso redor, de várias formas. Na forma do vestir, na forma do dançar, [...] no avanço das festas privadas".

E todos esses elementos próprios da festa, como afirma Flaviny, faz com que as comemorações ganhem um caráter econômico e um potencial de serem exploradas pelos municípios do interior, como a presença de shows organizados por instituições públicas e privadas e a padronização das danças de quadrilha, por exemplo, impactando na movimentação econômica de cidades da Bahia:

"Tem uma injeção muito significativa para essas cidades, nessa época do ano, e que vai refletir durante muitos meses. [...] essa representativa econômica do festejo junino é cada vez mais presente na economia dessas cidades [do interior]"

Dessa forma, além do São João ser uma festa que reforça identidades culturais dos lugares, também possui relevância socioeconômica, ao movimentar áreas do turismo, de artistas locais, de trabalhadores informais, da culinária, da dança e de outros elementos que compõem as festas juninas.

 

A relevância cultural das festas juninas

O São João configura-se como uma festa popular que transmite e reforça as identidades culturais do Brasil, como apontado pelo artigo “Efeitos da Covid-19 nos festejos juninos da Bahia: os reflexos para os agentes culturais”.

Com a grande adesão do público, as festas populares ganharam o caráter comercial, a partir de alterações urbanas que influenciaram na sua composição, impactando setores da indústria, como o turismo, a culinária, as artes e a mídia, por exemplo, além dos padrões de consumo das festas.


As comidas típicas são influenciadas pelas origens pagãs de celebração às colheitas fartas e, ao longo dos anos, foram incorporando aspectos de outras culturas. Fonte: Jornal Grande Bahia/Reprodução
 

Assim, mesmo com a ressignificação das formas de comemorar o São João, além das variações da festa a partir das regiões brasileiras, há elementos tradicionais que fazem parte das comemorações. A exemplo, o uso da fogueira e outros efeitos visuais, como os fogos de artifício, que serviam para proteção contra maus espíritos, na origem pagã, e que atualmente servem para despertar São João. Além disso, os balões eram usados para anunciar o início das comemorações, mas sua prática foi proibida devido aos riscos de incêndio.

Ademais, denomina-se arraiá o local em que ocorrem os festejos juninos, com a presença de barracas que possuem a venda exclusiva para o São João, como de fogos de artifício, comidas típicas e brincadeiras juninas. Sobre a culinária, há destaque para o milho como ingrediente base de muitas receitas, já que o mês de junho é a época para a colheita dele.

Nos últimos anos, os festejos vêm sendo marcados pela ascensão das festas privadas, também chamadas de “festas de camisa”, que são atrações principais para o público entre 18 e 24 anos, como percebido no “Relatório de São João”, desenvolvido pelo Governo da Bahia. Além disso, o relatório também pontua sobre a inserção da festa junina no campo da indústria cultural, fomentando a movimentação financeira de setores da economia a partir do evento.

Acerca das músicas típicas do São João, elas são compostas por instrumentos como o violão, o triângulo, o acordeão, a sanfona e o pandeiro, a exemplo, que guiam os ritmos do forró, mas que também, nos últimos anos, abrem espaço para outros ritmos, como o sertanejo, o piseiro e o axé, como pontuado por Ribeiro.

Já no que diz respeito às danças típicas, há destaque para as quadrilhas. Sua origem é francesa e ocorriam nos salões, durante o século XIX, em quatro pares, "quadrille". Com a vinda dos portugueses ao Brasil, esse estilo de dança se juntou a outras danças já existentes, popularizando-se pelo país, a partir de características rurais.

Além disso, essa dança é marcada pelos passos sincronizados e pode se enquadrar como quadrilha de competição, é o que afirma Leandro de Oliveira, coreógrafo da Cia Junina da Ilha, quadrilha de Itaparica, interior da Bahia. Ele explica que esses grupos de dança "participam dos grandes festivais, dos grandes concursos, buscando títulos municipais, estaduais e até nacionais".


A Cia Junina da Ilha é Bicampeã no Campeonato Estadual de Quadrilhas Junina, patrocinado pelo Bahiatursa, do Governo do Estado. Fonte: São João na Bahia/Reprodução
 

Com 23 anos de atuação, a Cia Junina da Ilha vem ganhando adesão da comunidade, em especial nos últimos cinco anos, para integrar às competições de quadrilha, além de receber o apoio da Secretaria de Educação, a partir de investimentos financeiros enquanto projeto de arte e educação.

Atualmente, a Cia Junina da Ilha é Bicampeã Baiana e os reflexos de uma quadrilha que é referência na região abarca outros setores da ilha, como a economia da produção e circulação dos espetáculos e o incentivo à criação de outras juninas que possam participar dos concursos organizados por Itaparica, como cita Leandro.

Ele também reforça a movimentação da cadeia produtiva que a Cia Junina demanda, como a contratação de profissionais para atuarem na construção de cenários, figurinos e até como brincantes, que dançam nas competições.

Ainda que seja sentido uma diferença nos incentivos para realização das competições das juninas em cidades do interior e da capital, Leandro comenta sobre o significado das premiações da Cia Junina e sua importância para os integrantes, mas também para a ilha:

"Ultrapassar esses desafios e conquistar um Bicampeonato é muito simbólico, muito importante, porque a gente traz para Itaparica um polo de produção cultural junina muito forte".


Os impactos econômicos e o retorno das festas em 2022

De forma a evidenciar a importância financeira que as festas juninas possuem para a economia e a geração de rendas das cidades baianas, o Governador da Bahia, Rui Costa, anunciou a abertura do edital que visa investir financeiramente na realização dos festejos juninos de 2022. O objetivo é que esse incentivo aumente a geração de renda mediante o turismo local. 

Diante desse período de alta das vendas no São João, há uma grande movimentação em setores como hoteleiro, alimentar, de transporte, de organização e produção de show públicos e privados, na montagem de barracas temáticas, além formas de expressão artística, como a música, a dança, o artesanato, a confecção das roupas. A partir disso, com as demandas de consumo dos públicos e com as possibilidades de geração de trabalho durante o período, o São João também se enquadra como uma festa que promove a inclusão social.


O período das festas juninas integra uma cadeia de eventos para organização, execução e consumo dos atrativos da festa, demandando o trabalho de diversos comerciantes. Fonte: São João na Bahia/Reprodução
 

Isso é percebido na atuação de Gilson Bezerra, um dos barraqueiros que trabalha no Circuito Gonzagão das Festas de São João em Senhor do Bonfim, conhecida como a capital baiana do forró. Ele comenta sobre a preparação que faz para receber os turistas e os cidadãos da cidade em sua barraca, com quatro meses de antecedência, gerando empregos temporários para cerca de 14 funcionários, sendo sua barraca um dos pontos de referência do Circuito:

“Nós estamos completando 25 anos de barraca, onde me sinto muito orgulhoso. É pela questão do bem estar, que eu gosto de dar para as pessoas, de alguém chegar e dizer assim: 'A sua barraca é bonita'. [...] Então, a gente se empenha durante o ano [...] para que o nosso folião, quando chegue, tenha algo de interessante para eles".

 

Além disso, os barraqueiros possuem grandes expectativas para as vendas de 2022, com o retorno das festas após o cancelamento em virtude da Covid-19. Com os impactos da pandemia, o Ministério do Turismo estipulou um prejuízo de cerca de R$ 1 bilhão, em 2021, pelo país. Houve, também, prejuízos na dinâmica do setor cultural, envolvendo a produção de artistas ligados às festas juninas.

Como presente no artigo “Efeitos da Covid-19 nos festejos juninos da Bahia: os reflexos para os agentes culturais”, o São João foi a primeira festa popular a ser cancelada no Brasil em virtude da pandemia. Entretanto, poucas políticas públicas, nesse período, tiveram como foco o apoio ao público que atua nos setores de grande relevância para organização do São João.

Ao relacionar a relevância desse apoio do Estado para manutenção de expressões culturais e de respaldo financeiro para comerciantes, Leandro cita: “é importante que essas políticas públicas para quadrilhas juninas sejam fortalecidas no Estado". Depois, ele comenta sobre os reflexos que esse incentivo gera para os municípios: “Itaparica é um grande exemplo de como um investimento em arte e educação pode gerar reconhecimento cultural, valor econômico, educação”.

Diante disso, o São João é tido como uma festa popular que passa por ressignificações ao longo dos anos. É um período de grande atração turística para as cidades baianas, fomentando expressivas movimentações financeiras durante as festas. Além disso, os festejos juninos funcionam como empreendimentos artísticos que reforçam o pertencimento dos moradores dos municípios, e que também faz parte das dinâmicas culturais do país, a partir do apoio de políticas públicas e do engajamento dos cidadãos para organização e consumo das produções dos festejos.

 

Referências
 

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BARROS, Diego; FREIRE, Silvana. Sem São João, estados do Nordeste sentem impactos do cancelamento. CNN Brasil, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sem-sao-joao-estados-do-nordeste-sentem-impactos-do-cancelamento/ Acesso em 07/06/2022

 

COLNAGO, Juliana Andrade; DE JESUS TOFANO, Alana; DE SOUZA, Sergio Pereira. IMPACTOS REGIONAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS DAS FESTAS JUNINAS NO BRASIL. Anais Sintagro, v. 11, n. 1, 2019.

 

DECORAÇÃO transforma Pelourinho em um grande 'arraiá' para o São João da Bahia 2022. Bahiatursa, 2022. Disponível em: http://www.bahiatursa.ba.gov.br/noticias/decoracao-transforma-pelourinho-em-um-grande-arraia-para-o-sao-joao-da-bahia-2022/  Acesso em 22/06/2022

 

FERNANDES, Márcia. Festas Juninas. Toda matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/festas-juninas/ Acesso em 27/06/2022

 

LIMA, Carmen Lúcia Castro et al. Efeitos da Covid-19 nos festejos juninos da Bahia: os reflexos para os agentes culturais. Políticas Culturais em Revista, v. 14, n. 1, p. 214-238, 2021.

 

MARINHO, Camila; RODRIGUES, Danutta; BELO, Maiana. Eu Te Explico #13: Importância do São João para cultura da Bahia e impactos sociais por causa da pandemia. G1 BA, 2021. Disponível em:  https://g1.globo.com/ba/bahia/podcast/eu-te-explico/noticia/2021/06/21/eu-te-explico-13-importancia-do-sao-joao-para-cultura-da-bahia-e-impactos-sociais-por-causa-da-pandemia.ghtm lAcesso em 07/06/2022

 

MENEZES JUNIOR, Nerivaldo Carneiro de. A tradição no São João de Jequié-Ba: um diferencial para o desenvolvimento do turismo cultural?. 2013.

 

MILLONE, Geraldo. As festas juninas. O Guia legal. Disponível em: https://www.oguialegal.com/festajunina.htm Acesso em 21/06/2022

 

NEPOMUCENO, Cristiane. Festas juninas do Nordeste: memória, tradição e da resistência cultural. Brasil de Fato, 2019. Disponível em: https://www.brasildefatopb.com.br/2019/06/28/festejos-juninos-do-nordeste-lugar-de-memoria-tradicao-e-da-resistencia-cultural Acesso em 27/06/2022

 

OLIVEIRA, Fernando José Reis; OLIVEIRA, Marcelo Pires. O São João Midiatizado: A Mídia aa Economia da Festa Junina no Sul da Bahia. LIBRO DE ACTAS, p. 2335, 2013.

 

RIBEIRO, Flaviny Najara Santos. São João passou por aqui? O programa São João da Bahia e ressignificação das festas juninas, um olhar sobre os festejos em Itapitanga. Revista Internacional de Folkcomunicação, v. 11, n. 23, p. 128-142, 2013.


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