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26/09/2023 às 17h27min - Atualizada em 27/09/2023 às 18h07min

“O outro 11 de setembro”

Exposição do CCBB RJ fala sobre golpe de Estado no Chile em 1973

Catharinna Marques - Revisado por Nildi Morais
O Centro Cultural Banco do Brasil exibe a exposição “Evandro Teixeira. Chile 1973”. O golpe de Estado no país andino completa 50 anos em 2023. (Foto: Catharinna Marques).
A exposição “Evandro Teixeira. Chile 1973”, de curadoria de Sergio Burgi, realizada pelo Instituto Moreira Salles Paulista, está em exibição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro até o dia 13 de novembro. A mostra, de acesso gratuito ao público, reúne os registros do renomado fotojornalista brasileiro Evandro Teixeira, que documentou os tempos de violência política, suspensão do Estado democrático de direito, da liberdade de expressão e de forte censura a opositores dos regimes autoritários no Brasil e no Chile.

A relação entre ditadura e fotojornalismo contada pelas lentes de Evandro Teixeira traz o poder das imagens como fonte de informação e de denúncia dos abusos de forças militares. A fotografia enquanto legado visual, por meio do testemunho, defende a importância da democracia. Assim, na exposição temporária do CCBB-RJ, visitantes podem aprender sobre as histórias do Brasil e do Chile durante os períodos ditatoriais que os países enfrentaram, marcados por perseguições, torturas, mortes, mas por também movimentos de resistências contrários aos regimes. 

O trabalho fotojornalístico exposto no espaço cultural é visto como um importante registro histórico, que promove a conscientização da sociedade, principalmente, das gerações mais novas.  Sobre a ditadura chilena, para Lays Correa, doutoranda em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): “As imagens do Evandro Teixeira mostram logo nos primeiros dias as atuações dos militares nas ruas, como essa sociedade ficou completamente sitiada, sendo controlada e vigiada de perto. Então, eu acho que quem vai a esse espaço e tem contato com essas imagens consegue se conectar um pouco com essa história da época” diz a pesquisadora. 

O cenário que Lays menciona tem origem na costa de Valparaíso, cerca de 100 Km de Santiago, a capital chilena. Local em que as tropas militares, lideradas por Augusto Pinochet, preparavam o golpe de Estado no país, que viveu em uma ditadura até 1990. A ação orquestrada pelas Forças Armadas do Chile exigia a renúncia de Salvador Allende, presidente socialista eleito de modo democrático em 1970.

Pela manhã do dia 11 de setembro, há 50 anos, Pinochet e seus aliados militares iniciaram o bombardeio com foguetes ao Palácio de La Moneda, sede presidencial que estavam Allende e seus auxiliares. A morte do governante chileno e o ambiente de caos que marcam os primeiros momentos da ditadura no país tiveram apoio de agentes de inteligência dos Estados Unidos.

Diante da onda conservadora e de movimentos saudosistas às intervenções militares, Lays reitera que a exposição do trabalho de Evandro Teixeira é importante por ser um retrato de regimes autoritários tanto no Brasil, quanto no Chile. E enxerga potencial força para contar o que aconteceu no passado ao público para que a história não se repita.

 
Pelo olhar de Evandro Teixeira: as ditaduras chilena e brasileira


 

A exposição “Fotoperiodismo y dictadura: Brasil 1964/ Chile 1973”, promovida pela embaixada do Brasil, no Museu da Memória e dos Direitos Humanos em Santiago, traz cerca de 40 imagens de Evandro Teixeira do acervo de 160 fotografias que estão em exibição no CCBB RJ. O fotojornalista em 1973 representava o Jornal do Brasil como fotógrafo e foi ao país andino como correspondente especial. A mostra foi aberta ao público no dia 10 deste mês e fez parte das ações oficiais do governo chileno de homenagem às vítimas da ditadura no país e da defesa da democracia. A exibição vai até o dia 15 de outubro.

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, compareceram no dia 11 de setembro deste mês, data que marcou os 50 anos do golpe de Estado no Chile, ao Palácio de La Moneda. Em agendas oficiais de memória e justiça pelas milhares de vítimas do regime autoritário no país andino, os representantes do governo federal brasileiro participaram da inauguração de placas em homenagem aos brasileiros exilados no Chile durante a ditadura brasileira e aos que também resistiram à ditadura chilena. A iniciativa é do Itamaraty em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e com a comunidade brasileira de ex-exilados que ainda reside no Chile. As placas serão expostas na Praça Brasil, em Santiago e na Embaixada do Brasil no país após a reforma do prédio.


 

O trabalho de Evandro Teixeira promove um diálogo entre as ditaduras chilena e brasileira e por meio de reflexões, é possível chegar em semelhanças e diferenças entre os regimes autoritários. Uma das proximidades entre os períodos ditatoriais aconteceu pela forma negociada de transição de governos ditatoriais para os sistemas democráticos. Os regimes de transição política foram liderados pelos próprios militares tanto no Brasil, quanto no país que estava sob o comando das tropas de Augusto Pinochet.

“No Chile, a gente tem uma negociação que é feita pela própria constituição, implementada pela ditadura. Então em 1980, o Pinochet em um plebiscito instaura essa constituição que prevê, inclusive, a forma como a saída da ditadura deveria ser feita. E no caso do Brasil, a gente fala que foi uma transição lenta, gradual e segura, negociada de cima para baixo pelos próprios militares” comenta a historiadora Lays Correa.

Uma das principais diferenças entre Chile e Brasil pode ser vista nos processos que marcam a justiça de transição e a implementação de comissões da verdade. O país andino foi o primeiro da América do Sul a investigar os crimes que aconteceram no território nacional durante os tempos de autoritarismo. A primeira comissão foi instaurada em 1990 para investigar os crimes de lesa humanidade. Já a segunda comissão é dos anos 2000, que tem como objetivo apurar casos de tortura que não foram investigados na primeira comissão.

Lays Correa destaca que: “O Chile até hoje tenta acabar com o legado da constituição da ditadura, então a constituição feita em 1980 só foi votada para que fosse feita uma nova, em um sistema democrático, recentemente em 2020, após as manifestações por um plebiscito”. Cabe dizer que a constituição chilena remonta às políticas neoliberais do período ditatorial, e que a figura do general Pinochet, que faleceu sem julgamento, permanece forte no país.

A pesquisadora em História Social reitera que embora o Brasil tenha demorado para implementar a Comissão Nacional da Verdade, apenas em 2012, a mudança de constituição aconteceu em 1988, com a implementação da Constituição Cidadã, que caracteriza legalmente o Estado democrático de direito.

 
Direito à memória e os passos para o futuro
 
A relação entre o Chile e os Estados Unidos vai além do compartilhamento da data histórica de 11 de setembro como um marco para as suas populações. O país norte-americano participou de modo ativo na intervenção política econômica no país andino durante a ditadura, período que gerou impactos sentidos pelos chilenos até hoje. Nesse sentido, as manifestações históricas no Chile em 2019 caracterizam uma mobilização nacional que começou em oposição ao aumento das tarifas de metrô, mas que logo se estendeu para o combate à alta desigualdade social no país.

Lays acredita que: “as manifestações acontecidas no Chile em 2019 ajudaram a trazer uma maior projeção para o 11 de setembro chileno, mas ainda é um caminho a ser trilhado. A exposição do Evandro Teixeira aponta para esse caminho de que tem se discutido mais, apesar de a gente ainda ter o 11 de setembro de Nova York como o principal marco dessa data”.

A exposição dos registros feitos por Evandro Teixeira nas ditaduras chilena e brasileira dão um ponto de partida para aqueles que não conheciam a fundo os contextos históricos dos regimes autoritários. A assistente social, Maria Dayse, conta como foi a experiência de visitar o CCBB: “Me veio à cabeça quando eu estava lendo, porque se fala tanto do 11 de setembro nos Estados Unidos? Eu estava vendo ali que se a gente for pensar, Brasil, Argentina, Bolívia, todos os países ali em volta estavam vivendo essa questão. E porque não é tão divulgado? Esta é a minha pergunta. Eu vou sair daqui com comichão”.

A hegemonia da perspectiva do 11 de setembro pelo que aconteceu em Nova York em 2001 é também questionada pela visitante Evelyn Santos: “É uma forma de trazer uma visão da América Latina para os latinos. A gente recebe muita influência, e é apresentado muito à história americana como a história dos norte-americanos, mas é a nossa história também” diz a professora de história da educação básica. Evelyn ainda acredita que a entrada gratuita para a exposição é um fator importante para que mais pessoas tenham acesso à informação e à arte.



O trabalho de Evandro Teixeira tem alcance exclusivo ao registrar o corpo do poeta chileno Pablo Neruda na Clínica Santa María, em Santiago, no Chile, logo após o seu falecimento. A aliança entre o escritor e o presidente Salvador Allende contribui com os indícios de que o poeta teria sido vítima de envenenamento por ser contrário ao golpe de Estado liderado por Pinochet e pela Junta Militar.

 A documentação visual do fotojornalista brasileiro retrata os tempos de grande violência política no país andino após 14 dias da implementação do Estado autoritário. Além de imagens do corpo do poeta em uma maca na clínica, Evandro Teixeira também capturou a onda de comoção pública de militantes favoráveis à Salvador Allende, no velório e no enterro de Pablo Neruda pelas ruas da capital chilena. A morte do escritor simbolizou um marco para os que faziam oposição à ditadura e que defendiam a memória de Neruda.  


 
 



 


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