Durante a última semana, dezenas de usuários entraram num embate nas redes sociais após uma arte da Feiticeira Escarlate e Doutor Estranho viralizar. O motivo? A roupa minúscula em que Wanda Maximoff foi desenhada.
A situação nos leva a uma discussão antiga sobre mulheres em protagonismo, sociedade e trajes de batalha. Qual é a roupa ideal para uma heroína em batalha?
No mundo das HQs: da Mulher Maravilha até Wanda Maximoff
O protagonismo feminino em HQs foi um grande avanço social para a época de 1940. A virada acompanhou os primeiros passos do movimento feminista, quando as mulheres passam de meras coadjuvantes – tanto na sociedade quanto dentro das histórias – para personagens principais.
O abandono da ideia de passividade feminina, de vítimas indefesas à espera de um herói para salvá-las dos vilões contemplava uma época de avanço, em que elas começavam a ter seus direitos concebidos nos Estados Unidos.
Foi um progresso marcante, levando em consideração o momento histórico em que mulheres eram designadas a serem as rainhas do lar e os homens, os provedores econômicos. Pela primeira vez a mulher era dona de si, combatendo seus vilões com as próprias mãos.
Hoje, debatemos (não desconsideramos!) a situação com mais cuidado. Observemos.
Temos Sheena, a Rainha das Selvas (1938) criada por Will Eisner e Jerry Iger. Mulher Maravilha (1941), de William Moulton Marston e Feiticeira Escarlate (1964), de Stan Lee; por exemplo.
Sheena, Mulher Maravilha e Feiticeira Escarlate, em ordem | MONTAGEM: Carolina Rodrigues. Entre todas as heroínas há duas características em comum: roupas extremamente justas e homens como autores de cada uma das obras.
Por mais que as mulheres estivessem caminhando em direção ao espaço público, o domínio patriarcal continuava imperando (e permanece até hoje). Esse controle era refletido na arte.
Falemos sobre a Mulher Maravilha. A
história por trás de sua criação tem a ver com fetiches em bondage, modelos pin-ups, uma relação à três e a falsa ideia, por parte de Marston, de promoção das ideias feministas.
Mulheres em trajes desconfortáveis para situações de batalha não tem nada a ver com feminismo. Convenhamos, quem usa uma espécie de “maiô” para lutar?
As HQs eram construídas a partir da visão de mundo dos autores, que eram, em sua maioria, homens. Por isso, a mulher passa a ser representada como um produto da cultura de massa – do homem para o homem.
Produto o qual, culturalmente, atrela o valor da heroína ao seu corpo extremamente sexualizado, que tem como objetivo principal gerar satisfação ao gênero dominante.
Os trajes nada confortáveis de batalha – minissaias, decotes profundos, ambos colados ao corpo – em nada representam o valor das mulheres.
Por muito tempo a indústria cultural tratou a mulher como brinquedo à disposição do homem através da sexualização excessiva. Mesmo com superpoderes incríveis, as heroínas não escaparam das engrenagens patriarcais.
Na última quinta-feira (25), não foi diferente quando o ilustrador Yadvender Rana fez uma fanart em que a personagem Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate da Marvel, vestia apenas três tapa-sexos.
Prints de alguns comentários feitos por um fã clube durante a discussão do caso | MONTAGEM: Carolina Rodrigues.
A fanart de Wanda Maximoff e a viralização nas redes sociais
Esse foi o principal argumento utilizado por quem adorou a ilustração. Em uma das épocas da Feiticeira Escarlate nos HQs, a heroína aparece num traje decotado e com uma longa capa nas costas.
Mas, levando em consideração que a própria atriz, Elisabeth Olsen, já falou em
entrevista o quão desconfortável ficou com a roupa da Feiticeira em Guerra Infinita, é uma falta de respeito desenhá-la num traje que ela mesma denominou como incômodo.
A situação fica pior ainda quando vemos os inúmeros comentários de homens sedentos por uma Wanda Maximoff seminua nas telas do cinema no próximo filme do Doutor Estranho.
FONTE : Google.
Assim como Elisabeth disse, a fantasia da Feiticeira Escarlate não representa as mulheres.
Ainda mais no momento social em que vivemos, com uma nova explosão do movimento feminista e a mídia se adaptando (ou pelo menos caminhando para uma tentativa) aos movimentos de igualdade de gênero.
A ilustração de Wanda, em trajes ínfimos, nos leva de volta há décadas em que a mulher é vista como objeto. O desenho apenas reafirma e injeta a ideia ultrapassada de que mulheres são meros objetos sexuais.
Comentários das fãs em discussão no Twitter | MONTAGEM: Carolina Rodrigues. Diversas mulheres discutiram sobre o assunto nas redes sociais e uma delas, no Twitter, refez a fanart, colocando Wanda em trajes apropriados. A roupa certa para uma super-heroína é aquela que respeita sua integridade e quem ela é, para além de seu corpo.
E somos todas heroínas dignas de respeito.
Somos fortes e continuaremos a lutar por nossos direitos contra os vilões que encontramos diariamente até estarmos numa sociedade igualitária.
Arte refeita pela @soulieglrl no Twitter | CRÉDITOS: @soulieglrl.
REFERÊNCIAS
WESCHENFELDER, Gelson Vanderlei. As super-heroínas como instrumento de gênero nas histórias em quadrinhos (HQ’s). Disponível em: <
https://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/Educacao/article/view/466>. Acesso em 27 de jul de 2019.
SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira; VIEIRA, Marcos Fábio. De comportadas a sedutoras: representações da mulher nos quadrinhos. Disponível em: <
http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/view/132/133>. Acesso em 27 de jul de 2019.
SILVA, Alexander Meireles da. 10 super-heroínas que combatiam o crime antes da Mulher-Maravilha. Disponível em: <
https://fantasticursos.com/10-super-heroinas-dos-quadrinhos-antes-da-mulher-maravilha/>. Acesso em 26 de jul de 2019.