Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
19/11/2023 às 19h39min - Atualizada em 19/11/2023 às 19h17min

“És uma peça da máquina”

Paulo Firmo - Editado por Letícia Nunes
Fonte e Reprodução: Krillbite and Raw Fury


Mosaic, jogo eletrônico da norueguesa Krillbite Studios lançado em 2019 para consoles e computadores, continua atual em sua leitura da condição humana. 

 

Desenvolvido pala Krillbite Studios (sediada em Oslo, Noruega) e publicado/distribuído2 pela Raw Fury (originária de Estocolmo, Suécia), Mosaic é um videogame que aborda como o ser humano é capaz de suprimir a sua singularidade em meio às crescentes exigências da uma vida moderna. 

 

O jogo dialoga com as contingências responsáveis pelo isolamento social. Aqui não seria leviano apontar possíveis sinais de transtornos como fobia social e depressão, nos comportamentos da personagem principal da narrativa; como espécie de reação à uma exigência social autoritária e estéril.

 

Na trama, personifica-se um habitante duma cidade super populosa, sem cores ou natureza, onde as cargas de trabalho são exacerbadas e as relações sociais/profissionais expressam um individualismo que beira a agressividade. Estafado, alheio aos próprios desejos, e mergulhado na dura rotina de trabalho, o protagonista isola-se da família e amigos. Nada mais parece importar ou provocar motivação.

 

Neste contexto típico de utopias de ficção científica, no qual a máquina humana parece emular a máquina artificial, temos no jogo, tal qual no movimento artístico-literário nascido na França dos anos 1920, o Surrealismo, uma aparente (grifo meu) supremacia do sonho e dos desejos inconscientes. Uma atmosfera que se apresenta na trama como falhas na Matrix3, literalmente seres, luzes e sons que destoam do ambiente cinza ordinário.

 



Estruturado sob um misto dos gêneros point and click e walking simulator4, e com um ritmo mais lento, adequado à história que se apresenta para o jogador, a dinâmica de Mosaic trás surpresas e até mesmo certo clima de suspense (quiçá horror5) para os mais sensíveis. Sem dar spoilers, é notável, a depender do seu repertório, associações que semeiam reflexões parecidas. Portanto, não se surpreenda, por exemplo, se lembrar da famosa canção (e cinematográfico clipe) Another Brick in the Wall (1979), da banda britânica criada em 1965, Pink Floyd. Ou mesmo da história em quadrinhos argentina, Ministerio6 (1993), de Francisco Solano López (1928-2011) e Ricardo Barreiro (1949-1999). E também, da saga de livros Fundação (1951), do estadunidense-russo Isaac Asimov (1919-1992).   

 

Nesta conversa com percepções históricas e outras manifestação artísticas, Mosaic marca o lugar de uma percepção que, embora não seja inovadora, imprime singularidade e impacto. Isto, por ter à sua disposição os diversos elementos audiovisuais utilizados pela arte mídia jogos eletrônicos a fim de contar histórias. Como esclarece uma das sinopses da trama do jogo elaborada pela sua desenvolvedora, “entre em um mundo completamente surreal e assustadoramente familiar. Fuja da condição mundana da sua existência em uma experiência que permanecerá com você”.



 

Curiosamente, tal afirmativa está diretamente associada a uma proposta interativa. No site oficial do videogame, as informações são expostas de maneira que entendamos que parte daquele mundo existe no nosso. E isso não se dá de maneira metafórica, afinal, o jogo estabelece uma leitura crítica do mundo no qual vivemos. Não. Na proposta do Krillbite Studios, é como se “The Mosaic”, a grande indústria que monopoliza a narrativa, existisse. A informações, os meios de contato e demais ferramentas presente no site são literalmente da tal empresa; do jogo. Até mesmo um jogo de celular, famoso naquele mundo virtual, está disponível para baixarmos na Apple Store ou Google Play. Inovador? Não. Porém sagaz o suficiente para nos convidar à crítica do modo como vivemos na contemporaneidade.

 

Em uma postagem pública na Apple Store, o jogador GabúCR captou com precisão a proposta do jogo. Ele diz: “The Mosaic é um jogo profundo que reflete sobre o mal-estar da vida moderna”

 

Rique Sampaio, jornalista e designer estudioso das conexões entre tecnologia, jogos e sociedade, criador dos podcasts Código do Caos e Primeiro Contato, aprofunda em sua análise na plataforma de jogos Steam. Para ele, Mosaic “é um pequeno conto interativo sobre o lado sombrio da vida adulta num mundo que vê seres humanos mais pelo seu potencial de produção e consumo do que como seres humanos. Mas é também uma história de esperança, de busca pela felicidade e de se rebelar ao sistema. São duas ou três horas muito impactantes e encantadoras, que causam espanto, contemplação e reflexão nas mesmas proporções.”

 

Mosaic está disponível para Apple Store, Steam, Nintendo Switch e Xbox One, Xbox Series S|X

 

Notas: 

 

1.  O título desta matéria é a “frase-slogan” que descreve o jogo na Apple Store.  

2. A definição está nos nomes. A desenvolvedora de jogos eletrônicos é aquela empresa que cria, elabora, constrói o jogo. A publicadora/distribuidora por sua vez, é aquela que lança, divulga, faz o jogo chegar até os gamers.  

3. Referência à tetralogia de filmes (1999, 2003, 2003 e 2021) estrelados pelo ator Keanu Reeves que interpreta o jovem hacker Neo, que é convidado a participar do movimento de resistência liderado por Morpheus, na luta contra a dominação dos humanos pelas máquinas.

4. Point and click (literalmente apontar e clicar) são jogos onde é preciso explorar o cenário, com certa minúcia, com a ajuda do cursor (seja proveniente de um mouse ou um controle/joypad/gamepad; ferramenta esta que materializa as interações na tela a partir do manuseio do usuário. Já o walking simulator (simulador de caminhada), focam na exploração do cenário e no mergulho na narrativa do jogo; distanciando-se das gamelas mais complexas.

5. Segundo a pesquisadora brasileira Mariany Lopes Almeida, “o terror e o horror são derivados do efeito fantástico causado no personagem/leitor. Enquanto o terror está ligado a uma certa expectativa e ansiedade do leitor diante de algo que lhe é estranho, incerto, infamiliar – e essa ansiedade provoca o medo –, o horror é o efeito que este medo, portanto, terror causado no leitor. O que acontece primeiro é o terror, que tem sua manifestação através do medo e, este, é responsável pela experiência que causa horror”.

6. Obra anunciada pela editora brasileira Comix Zone, cujo lançamento nacional está previsto para 15 de dezembro deste ano. Encontra-se em pré-venda.

 

Referências:

 

ALMEIDA, Mariany Lopes. LITERATURA DE TERROR E HORROR: A COMPOSIÇÃO DAPERSONAGEM E A FIGURAÇÃO DO MEDO EM A METADE SOMBRIA, DE STEPHEN KING. Orientadora: Elizete Albina Ferreira. 2023. 31 f. TCC (Graduação) – Licenciatura plena em Letras-Português, Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2023. Disponível em: < https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/6307/1/MARIANY LOPES ALMEIDA - TCC II - FINAL RAG.pdf >. Acesso em: 19 nov. 2023.

 

DEMARTINI, Felipe. Qual a diferença entre desenvolvimento e publicação?. Voxel. Tecmundo. 17 mar. 2011. Disponível em: < https://www.tecmundo.com.br/voxel/especiais/182978-qual-a-diferenca-entre-desenvolvimento-e-publicacao-.htm >. Acesso em: 18 nov. 2023.

 

EMBOAVA, Valdecir. O que é Walking Simulator? Veja os 7 melhores jogos do gênero. Voxel. Tecmundo. 23 ago. 2023. Disponível em: < https://www.tecmundo.com.br/voxel/267872-walking-simulator-veja-7-melhores-jogos-genero.htm >. Acesso em: 18 nov. 2023.

 

PRADA, Rodrigo. Point and Click, encontre a saída. Voxel. Tecmundo. 10 fev. 2009. Disponível em: < https://www.tecmundo.com.br/jogos/1537-point-and-click-encontre-a-saida.htm >. Acesso em: 18 nov. 2023.

 

Matrix. IMDB. [s.d]. Disponível em: < https://www.imdb.com/title/tt0133093/?ref_=nv_sr_srsg_0_tt_8_nm_0_q_Matrix >. Acesso em: 18 nov. 2023.

 

Mosaic. 1. ed. Oslo: Krillbite Studio, 2019. 1 jogo eletrônico.

 

Mosaic. [s.d]. Disponível em: < https://www.mosaiccorp.biz/ >. Acesso em: 18 nov. 2023.

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »