Fonte e Reprodução: Pipoca & Nanquim/Fora do Plástico A Estrada, adaptação em quadrinhos por Manu Larcenet, do sucesso homônimo de Cormac McCarthy, chega ao mercado nacional pela Pipoca & Nanquim.
Há cerca de um mês foi publicado um vídeo no canal do Youtube da editora brasileira Pipoca & Nanquim anunciando para as semanas seguintes a publicação no Brasil de A Estrada (La Route, título original em francês) - Tradução de Fernando Paz. A história em quadrinhos, uma adaptação feita pelo artista francês de 55 anos Manu Larcenet (O Combate Cotidiano - Pipoca & Nanquim, 2023/O Relatório de Brodeck - Pipoca & Nanquim, 2018), foi apontada pelos editores como o melhor título sobre a temática pós-apocalíptica da nona arte1.
O seu lançamento, no final do último mês de abril, integra uma dinâmica global. A Estrada foi lançado simultaneamente em diversos países. E de acordo com a Télérama revista semanal francesa de cultura e televisão, até o dia 25 de abril a HQ já havia sido traduzida e publicada em 13 idiomas e seguia no topo de vendas de livros (o que engloba literatura, quadrinhos e outras artes gráficas) na França desde o seu lançamento.
Baseada no badalado livro ganhador do Prêmio Pulitzer2, The Rode (2006), do prestigiado escritor estadunidense Cormac McCarthy (1933-2023), A Estrada (2024) de Manu Larcenet é uma criação singular. Como em toda adaptação de uma mídia para outra, escolhas são feitas deixando de fora (ou incluindo) algumas características da (ou na) obra original. E é este exatamente um dos destaques apontados pela professora, tradutora, intérprete, crítica literária e Youtuber Tatiana Feltrin. Para ela, a HQ de Larcenet “peca” ao deixar de lado o aspecto religioso empreendido por McCarthy, retratando apenas a atmosfera mundana da obra. No entanto, mesmo destacando a ausência desta espécie de, em suas palavras, “analogia bíblica”, Feltrin tece elogios à obra do cartunista francês e ao trabalho da editoria brasileira. A crítica salienta ainda o impacto e a permanência de pensamentos e emoções que a obra original, o livro, lhe proporcionou e que se fazem presentes na adaptação.
Em tempo, uma referência clara, ainda que tímida, à temática transcendental aparece em alguns quadros da página 121 da edição brasileira do gibi.
A Estrada nos apresenta uma narrativa gráfica na qual o mundo tal qual o conhecemos foi sublimado pelo fogo. O corrido se deu em função de algum evento climático ou pela ação do ser-humano? Não fica claro. O foco se volta para a forte relação entre pai e filho, que têm o objetivo de sobreviver em um planeta arrasado, com terras estéreis, oceanos poluídos, na ausência da fauna e da flora, em meio a uma atmosfera densa e carregada de cinzas. Sem governos, instituições… esperança e empatia. No caos, as seitas formadas por indivíduos que restaram, perturbados e “vazios”, com comportamentos perturbadores e acríticos como o canibalismo.
Como salienta o editor Bruno Zago no vídeo de lançamento da HQ, não se trata de uma distopia4, mas sim de um ambiente pós-apocalíptico com tons de road story5, cujo foco está na relação familiar entre pai e filho. Esta última característica também é enfatizada pelo professor e Youtuber Alessandro Garcia do canal Ministério dos Quadrinhos. Em seu vídeo-resenha sobre A Estrada, o destaque exclama: “Uma obra visceral sobre paternidade”. E ao discorrer sobre, Garcia aponta que considera a esta produção de Manu Larcenet extremamente imersiva, incisiva e complexa. Lembrando que sim há terror na narrativa. O melhor quadrinho da editora Pipoca & Nanquim de 2024, até o momento, segundo ele.
É preciso destacar que A Estrada, HQ de Manu Larcenet, existe porque o livro de Cormac McCarthy influenciou muitos produtos de mídia que o precederam. Outros quadrinhos, filmes, jogos de videogame etc. A breve título de exemplo, temos Red Dead Redenption (Videogame, 2010), Mad Max (Filme, 1985) e Eu sou a Lenda (Livro, 1954/Filme, 2007). E a própria outra adaptação: A Estrada (2009), filme dirigido por John Hillcoat e protagonizado pelo ator Viggo Mortensen, Kodi Smit-McPhee e grande elenco.
Nos tempos atuais, com tantas mudanças culturais, políticas e sobretudo ambientais, A Estrada pode ir além do entretenimento e ser tomada como uma espécie de aviso, de alerta para os rumos atuais da humanidade - Há inclusive, na página 120 da HQ, um diálogo sobre a “inevitabilidade” do mundo chegar onde chegou na respectiva ficção: a destruição quase que completa.
Na obra, a luta pela sobrevivência após o fim do mundo civilizado tal qual o conhecemos, infelizmente, mostra cenários e resoluções muito conectadas com o mundo real. E quando eventos climáticos extremos avançam, tal qual o atual no Rio Grande do Sul, a arte pode deixar de ser um entretenimento e passar a ser uma referência. Algo a ser analisado e evitado a todo custo. Vale conferir.
Notas:
1. Nona Arte é uma denominação/categorização atribuída às histórias em quadrinhos, no hall das manifestações artísticas. Neste contexto, por exemplo, o cinema é considerado a Sétima Arte.
2. O Prêmio Pulitzer é uma premiação dos Estados Unidos da América (EUA), concedido a quem realiza trabalhos de relevância nas áreas do jornalismo, literatura e composição musical. É administrado pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque (EUA).
3. Distopia é, a grosso modo, um lugar ou estado imaginário no qual se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação. Seu contrário é a utopia.
4. Apocalipse vem da língua grega (em grego clássico: ἀποκάλυψις - apokálypsis, derivado das palavras ἀπό e καλύπτω) e significa, literalmente, uma descoberta ou revelação de grande conhecimento. No contexto das religiões, sobretudo o Cristianismo, “a revelação” foi dada por Deus ao apóstolo João sobre o fim dos tempos e a volta de Jesus Cristo. Assim, no senso comum, o termo tornou-se um sinônimo de fim do mundo. Pós-apocalipse, um contexto pós-apocalíptico, portanto, é o que vem depois, o que restou; do mundo, das pessoas, das coisas.
5. Road story é, traduzido literalmente para o português do Brasil, uma “história de estrada”. O termo, empregado às produções artísticas como livros, giros, filmes, séries etc., acabou-se por tornar-se um gênero (ou subgênero) narrativo. Assim, uma obra caracterizada como road story, foca na história, ou seja, na relação existente entre os personagens. Não é que o ambiente externo, o cenário onde se passa a ação/narrativa não importe - algo que é justamente ao contrário em A Estrada. Significa apenas que a essência, todos os demais elementos só fazem sentido e “existem” com base na relação entre os personagens, na história entre eles.
Referências:
Apocalipse. Artigo. Wikipédia. 29 fev. 2024. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Apocalipse >. Acesso em: 14 mai. 2024.
CALARI, Alexandre; LOPES, Daniel; ZAGO, Bruno. Tudo sobre A ESTRADA, o clássico no livro, filme e agora QUADRINHO | Pipoca e Nanquim 568. Youtube. 22 mar. 2024. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=YO69rwdS9QU >. Acesso em: 10 mai. 2024.
GARCIA, Alessandro. A ESTRADA: UM VISCERAL QUADRINHO SOBRE PATERNIDADE. Youtube. 11 mai. 2024. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=WKM2eCY_dwk >. Acesso em: 14 mai. 2024.
FELTRIN, Tatiana. Quadrinhos + Filmes | Tatiana Feltrin. Youtube. 24 abr. 2024. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=CWUNRrfy9Uk >. Acesso em: 10 mai. 2024.
FERREIRA, Pedro; VIANA, Mariana. A Estrada, de Manu Larcenet, é a HQ mais vendida na França, na semana de lançamento. Topo no Ranking. Fora do Plástico. Instagram. 10 abr. 2024. Disponível em: < https://www.instagram.com/p/C5mIZAEvqwt/?img_index=1 >. Acesso em: 7 mai. 2024.
HILLCOAT, John. A Estrada. [filme]. Prime Vídeo. EUA, 2009, 1h51min, som, color.
JARNO, Stéphane. “La Route” de Manu Larcenet sur le chemin d’un succès international. Accueil. Livres. Télérama. 25 abr. 2024. Disponível em: < https://www.telerama.fr/livre/la-route-de-manu-larcenet-sur-le-chemin-d-un-succes-international-7020171.php >. Acesso em: 15 mai. 2024.
WIESE, Franklin. Apocalipse: o que é e como interpretar este livro bíblico. Blog. Faculdade Luterana de Teologia. 3 mar. 2022. Disponível em: < https://flt.edu.br/apocalipse-o-que-e-como-interpretar >. Acesso em: 15 mai. 2024.
