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25/02/2022 às 15h28min - Atualizada em 25/02/2022 às 10h42min

A complexidade da adolescência retratada em Euphoria

Série aborda temas como transexualidade e vício em drogas

Vinicius Lima Vieira - Revisado por Flavia Sousa
Série da HBO lançada em 2019 já foi renovada para uma terceira temporada. Foto: HBO

Séries adolescentes têm o dom de contar histórias sobre os personagens mais complexos em um dos momentos mais complicados da vida humana: a adolescência. É nela que descobrimos quem somos, o que queremos e quais metas e sonhos queremos alcançar. Na adolescência passamos a nos conhecer um pouco melhor e a explorar nossas capacidades e limitações.


“My Mad Fat Diary”, série britânica de 2011, tratava um pouco dessas questões. Baseada no livro de mesmo nome de Rae Earl, a trama navega pela vida da protagonista, que é a autora, após receber alta de uma instituição psiquiátrica. A história aborda temas como imagem corporal, suicídio, auto-mutilação, bullying e gravidez na adolescência.

Uma das séries mais comentadas hoje em dia, Euphoria, tem uma narrativa mais voltada à adolescência. Abordando temas como transexualidade, consumo de drogas, problemas de auto-imagem e sexualidade, a história foca em Rue (Zendaya), uma jovem que acabou de sair da reabilitação, mas que não quer ficar limpa. Em uma festa, a adolescente conhece Jules (Hunter Schafer), uma garota trans que acabara de se mudar para a cidade.

Rue Bennett


Rue é viciada em drogas e já sofreu uma overdose. Foto: Reprodução/HBO

Rue é viciada em drogas e já sofreu uma overdose. Foto: Reprodução/HBO


Interpretada por Zendaya, é a protagonista da história. Seu enredo gira em torno do consumo de drogas. Desde criança, Rue lida com problemas como TDAH, ansiedade e depressão. A morte de seu pai intensificou ainda mais seus problemas, que já tomavam uma grande parte de sua vida. A personagem de Zendaya é cercada de questionamentos e dúvidas. Em um episódio especial de uma hora, intitulado “Trouble Don’t Last Always”, Rue aborda temas como suicídio e religião. A personagem diz que as drogas a impediram de cometer suicídio.

Talvez os problemas de adolescentes não sejam tão graves quanto os de adultos, mas isso não significa que eles não existam. Pela falta de crença nos problemas dos mais jovens, muitos encontram maneiras de tentar aliviar a dor ou se castigarem por se sentirem daquele jeito. O que Rue faz não é muito diferente de auto-mutilação, já que, em ambos os casos, alguém se pune ou tenta aliviar a dor pelo que está sentindo.

O que torna a situação de Rue mais complexa é o fato dela ter uma boa estrutura familiar. Sua relação com sua mãe, Leslie, está danificada devido ao vício da jovem, enquanto ela se relaciona bem com sua irmã mais nova, Gia, e tenta impedi-la de seguir pelo mesmo caminho autodestrutivo que a levou à reabilitação.

Jules Vaughn


Jules é transexual e tenta validar sua identidade por meio dos homens. Foto: Reprodução/HBO

Jules é transexual e tenta validar sua identidade por meio dos homens. Foto: Reprodução/HBO


Jules Vaughn é uma personagem enigmática no começo da série. Sabemos que ela usa aplicativos de relacionamento para se encontrar e ter relações com homens que têm fetiche em quem ela é. No episódio especial dedicado à personagem, intitulado “Fuck Anyone Who’s Not a Sea Blob”, ela relata como construiu toda a sua sexualidade em torno do que os homens queriam. E como deixou de se atrair por eles pelo mesmo motivo.

A personagem de Schafer tem um drama similar ao de Kat Hernandez (Barbie Ferreira), em que ambas validam sua feminilidade pela aprovação ganha dos homens. Jules levanta questões importantes acerca do que é a feminilidade, quem dita isso e como se a obtém.

Ainda em seu especial, Jules aponta a dificuldade que é manter suas relações. Ela ama Rue, mas sente que ela só a usa para parar o vício. Vaughn ainda levanta a ideia de seus relacionamentos sempre darem certo porque metade deles existe apenas em sua cabeça.

Nate Jacobs


Nate é manipulador e agressivo. Foto: Reprodução/HBO

Nate é manipulador e agressivo. Foto: Reprodução/HBO


Interpretado por Jacob Elordi, Nate é o antagonista da série. Filho de Kal Jacobs, uma figura proeminente na cidade, Jacobs descobriu cedo sobre os fetiches do pai, fetiches esses que não são socialmente aceitos e que, mais tarde, ele também teria. Nate é o quarterback do time de futebol americano da escola, e namora Maddy Perez, uma das líderes de torcida. Seu relacionamento com Maddy é bem abusivo, onde o rapaz se torna bastante violento e grosseiro com a namorada, a ponto de tê-la enforcado uma vez.

O personagem de Elordi vive em negação a respeito de sua sexualidade e seus desejos, o que o torna agressivo e extremamente obcecado em tentar esconder sua verdadeira identidade e a de seu pai, chegando a enganar e ameaçar de colocar Jules na cadeia por produção e distribuição de pornografia infantil que ele mesmo solicitou.

A postura de Nate pode ter ligação com sua sexualidade reprimida e a pressão colocada pelo pai. Como sugere Rue em um monólogo interno sobre o quarterback: ele não ama ninguém, só quer um objeto para possuir.

Maddy Perez


Maddy é uma das garotas mais populares da escola. Foto: Reprodução/HBO

Maddy é uma das garotas mais populares da escola. Foto: Reprodução/HBO


Interpretada por Alexa Demie, Maddy é a menina mais popular da escola, e não é por falta de motivo: além de ser extremamente bonita e estilosa, Maddy também é carismática e exala autoconfiança. Perez vive um relacionamento abusivo com Nate Jacobs, o quarterback do time de futebol da escola.

Segundo Rue, Maddy nunca teve muita ambição na vida, e sempre almejou viver bem sem se esforçar muito para isso. Namorando Nate, ela percebeu que os homens fazem o que quiserem para você, desde que os faça acreditar que são bons e competentes no que fazem. Nate desperta o que há de pior em Maddy, como ela mentir sobre ter sido estuprada numa festa, o que fez com que Jacobs agredisse fisicamente o rapaz com quem Perez ficou naquela noite. O quarterback também agride a líder de torcida, tendo enforcado ela tão forte que a mãe da garota precisou dar queixa na polícia.

O problema de Maddy continuar num relacionamento assim não é apenas dependência emocional, como diz Rue “o que a assustou não foi o que ele fez, mas saber que continuaria a amá-lo independente do que fizesse”. Maddy não quer um relacionamento como o dos pais, em que eles não se falam, mas não percebe que aguentar abuso também não é a resposta.

Kat Hernandez


Kat ganha confiança em si mesma ao virar 'cam girl'. Foto: Reprodução/HBO

Kat ganha confiança em si mesma ao virar 'cam girl'. Foto: Reprodução/HBO


Interpretada por Barbie Ferreira, Kat também é uma personagem com quem se dá para criar um alto nível de identificação. Desde cedo, Hernandez sempre teve problemas de auto-imagem por ser gorda e ter sido deixada de lado por seu então namorado na época. Eventualmente, um vídeo de uma transa de Kat é vazado na internet, mas o que poderia se tornar um malefício acabou dando lucro. A garota decide virar ‘cam girl’, alguém que faz chamadas de vídeo por dinheiro, podendo ser erótico ou não.

Por meio dos homens que a procuraram e pagaram por sessões particulares no Skype, Kat vai ganhando confiança em si mesma, mesmo que da maneira errada, por ser desejada por eles. Assim como Cassie e Jules, Kat sempre almejou esse tipo de atenção e validação, mesmo que por motivos completamente diferentes das outras duas. Jules, por ser transexual, construiu sua identidade ao redor dos desejos e anseios dos homens. Já Cassie, por ter sido abandonada por seu pai. O motivo de Kat vem da rejeição por não se encaixar em um padrão desde muito pequena.

Cassie Howard


Cassie sofre de baixa autoestima e problemas de abandono. Foto: Reprodução/HBO

Cassie sofre de baixa autoestima e problemas de abandono. Foto: Reprodução/HBO


Interpretada por Sydney Sweeney, Cassie é irmã de Lexi Howard e namorada de Chris McKay, um astro do time de futebol de East Highland High, e atualmente um estudante universitário. Cassie cresceu em uma família relativamente normal, que foi se desestruturando com o tempo. Filha de uma alcóolatra e de um viciado em heroína, o pai das irmãs Howard as abandonou ainda muito cedo. Cassie nunca superou isso, e sempre procurou validação em outros homens, como uma forma de suprir a falta do pai em sua vida.

O problema é que, ao longo do caminho, Cassie cedeu demais aos desejos de seus ex-namorados, que sempre pediam para gravar suas transas, que eventualmente vazaram na internet. Para Howard, isso foi um choque a princípio. Quando questionada por Nate se ela não se sente humilhada, ela responde “pelo menos eu sou amada”.

Para pessoas que crescem rejeitadas, de qualquer maneira, o importante é ser reconhecido de qualquer jeito. O problema é a humilhação a qual nos sujeitamos para conseguir isso, pensando que essa é a única forma de conseguirmos aquilo que almejamos por tanto tempo. Euphoria traz a verdade nua e crua a respeito de diversos assuntos, principalmente temas que são delicados demais para serem abordados entre adolescentes. Seus personagens são extremamente reais, e podemos achar um pouco deles, senão tudo, em nós mesmos. Esse nível de identificação vem da diversidade, que valoriza a vivência de pessoas das mais distintas classes e cenários.


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