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03/04/2022 às 16h38min - Atualizada em 13/04/2022 às 13h47min

Por que o feminismo é tão importante para as mulheres ainda hoje?

Apesar de todas as conquistas das mulheres nas últimas décadas, ainda vivemos em uma sociedade patriarcal e machista, em que ainda se tolera a violência contra a mulher e a ideia de que esta é inferior ao homem.

Ana Lara Venturini - Revisado por Isabelle Andrade
(Foto: Reprodução / Google Imagens)

A definição do termo “bruxa” em dicionários é vinculada com uma figura maléfica, feia e perigosa. E você sabia que as fictícias bruxas que foram mortas queimadas nas fogueiras pela Igreja de fato existiram? Mas elas não tinham um nariz torto, com uma verruga na ponta, usavam chapéus pontudos, voavam numa vassoura ou preparavam poções venenosas em caldeirões. As bruxas eram apenas mulheres independentes, que não concordavam com o mundo dominado pelos homens e eram proibidas de fazer qualquer coisa por conta própria, sendo visto como uma imoralidade e, as que se utilizavam de seus dons para praticar a medicina natural produzindo remédios de cura com plantas medicinais eram cruelmente e injustamente acusadas de práticas satânicas e pagavam com as suas vidas.

A “caça às bruxas” durou mais de quatro séculos e ocorreu, principalmente, na Europa, e estima-se que aproximadamente mais de 7 milhões de mulheres foram acusadas, julgadas e mortas neste período, incluindo crianças e moças que haviam “herdado este mal”. Diante de tantas mortes de mulheres acusadas por bruxaria durante este período, podemos afirmar que o ocorrido se tratou de um verdadeiro genocídio contra o sexo feminino, com a finalidade de manter o poder da Igreja e a manutenção do patriarcado e punir as mulheres que ousavam manifestar seus conhecimentos.

Atualmente, as mulheres ainda continuam sendo discriminadas e duramente criticadas por lutarem pelos seus direitos e para terem a livre manifestação de pensamento sem serem julgadas, pela igualdade de gênero e a divisão do poder social e econômico, que ainda é predominantemente masculino, continuando vítimas do patriarcado. Por isto, as bruxas representam para o movimento feminista não somente resistência, força, coragem, mas também a rebeldia na busca da emacipação.


 

Ainda hoje no século XXI, o feminismo é um movimento que sofre muitos ataques por conta das ideias equivocadas e desinformações que são espalhadas sobre ele por movimentos reacionários e difamatórios. A verdade, no entanto, é que o feminismo ainda é um movimento de extrema importância nos dias de hoje, visto a necessidade de reafirmar os direitos das mulheres no combate a retrocessos de conquistas femininas, e é muito necessário o debate sobre isso para entender a importância desse movimento e deixar de lado o estereótipo que muitas pessoas ainda impõem contra esse movimento.

Feminismo é um conjunto de movimentos políticos e sociais, compostos de várias ideologias e filosofias que têm como objetivo comum direitos iguais aos gêneros e uma vivência humana baseada no empoderamento feminino, na conquista dos direitos das mulheres e da libertação de padrões patriarcais, que rege hoje inegavelmente com a dominação masculina. Na reação contemporânea ao feminismo, um dos argumentos é que as mulheres já teriam conquistado tudo e gozariam hoje de até “mais direitos do que os homens” por conta de todas os avanços da sociedade nos últimos séculos, no entanto, não é bem assim que funciona na prática.

Carolina Oms, diretora institucional da AzMina, instituto feminista independente, destaca que, embora discursos machistas digam contrário, seguir o feminismo hoje é imprescindível para ascensão das mulheres, afinal a sociedade patriarcal nunca deixou de existir. “Nossas conquistas são recentes, e a sociedade ainda não assimilou. Em termos culturais, são legais, mas a autonomia da mulher ainda é restrita na sociedade cultural, e isso reflete inclusive na aplicação das leis”, pondera.

Sobre esse assunto, é importante ressaltar que o feminismo não é o contrário de machismo, como muitas pessoas pensam. O machismo é um termo determinado pelo conjunto de práticas sexistas, que defende a superioridade do gênero masculino em detrimento do feminino e não está somente relacionado a comportamentos masculinos, porque muitas mulheres também são responsáveis por reproduzirem práticas machistas. Já o feminismo defende a igualdade entre todos os gêneros para uma sociedade mais justa. Atualmente é comum o machismo “disfarçado”, muitas vezes de opinião, piadas ignorantes e posicionamento, como homens que sentem no direito de avaliar mulheres, as interrompem, as invalidam, se apropriam de suas falas e até mesmo o próprio cavalheirismo, que descapacita a autonomia feminina.



 

No último mês março, o mês da mulher, muito se discutiu de fato sobre a importância do dia das mulheres. No trabalho, são presenteadas com flores e chocolates nesse dia tão especial, mas na real isso é apenas um mantra para mascarar a verdade que se encontra na desigualdade salarial, nas humilhações que são obrigadas a passar e no assédio presente a cada oportunidade machista de se expressar. A luta das mulheres não é apenas por igualdade e sim por equidade, que consiste na adaptação dos direitos observando-se os critérios de justiça, a fim de deixá-lo mais justo considerando as diferentes realidades e oportunidades. A equidade de gênero diz respeito a uma tentativa de reparação histórica que visa eliminar qualquer discriminação contra a mulher, a fim de estabelecer a igualdade entre homens e mulheres com base no reconhecimento das necessidades e características próprias de cada gênero, especialmente em relação à desvantagens e vulnerabilidades que as mulheres enfrentam enquanto grupo, é uma mudança em todo o pensamento da sociedade patriarcal dominada por homens.

Nesse contexto, a condição social da mulher desde sempre foi de submissão e subjugação familiar ao homem, considerado a figura dominante. Logo, muitas formas de violência contra a mulher são consequência da misoginia, o ódio e desprezo pela mulher, ou do sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns na sociedade marcada pela associação de papéis discriminatórios à figura feminina. As ideias e ações feministas tentam superar uma enorme desigualdade de gênero, que se reflete na falta de representatividade política das mulheres, que é histórica e se mantém ainda hoje, na desigualdade salarial em relação a homens que realizam o mesmo trabalho, nas estatísticas de violência contra a mulher, nos padrões de beleza, e muitas outras pautas.


A história e alguns termos importantes

A história do empoderamento feminino não é tão antiga. Em geral, até não muito tempo atrás, a mulher era vista como um ser inferior aos homens, as quais não possuíam os mesmos privilégios que eles, não podiam ler, escrever, estudar, guerrear, ou fazer qualquer escolha que seja. Desde cedo, as meninas eram educadas em casa para apenas ajudar as mães nos trabalhos domésticos, casar e ter filhos, e nada mais. Diante disso, a figura feminina foi construída numa sociedade machista, onde as atribuições da mulher estavam restritas aos afazeres domésticos e a educação dos filhos. Durante muito tempo, elas estiveram ausentes do debate e do espaço público, exercendo um papel secundário na sociedade principalmente em relação às questões políticas e econômicas.

Dependendo do momento histórico, da cultura e do país, as feministas tiveram diferentes causas e objetivos. Durante grande parte de sua história, a maioria dos movimentos e teorias feministas tiveram líderes que eram principalmente mulheres brancas ocidentais de classe média ou alta e hoje existem várias críticas ao feminismo tradicional por conta do seu etnocentrismo e falta de representatividade. No entanto, desde a década de 1980, as feministas argumentam que o movimento deve examinar como a experiência da mulher com a desigualdade se relaciona ao racismo, à homofobia, ao classismo, à colonização e a outros fatores, e que seria impossível generalizar as experiências das mulheres por todas as suas culturas e histórias e colocá-las todas como se fossem pertencentes a um mesmo grupo.


 

Desse modo, foi assim que surgiu o termo interseccionalidade, que é usado para fazer referência às formas como diferentes marcadores sociais de gênero, raça, classe, sexualidade, estética ou capacitismo interagem entre si influenciando a forma como experimentamos a vida em sociedade. Consiste em um método para compreender a maneira como múltiplos eixos de subordinação se articulavam e para pensar estratégias diferentes para superá-los. Ele nos permite compreender melhor as desigualdades e é possível enxergar que em nossa sociedade existem vários sistemas de opressão. Essa ideia nos ajuda a perceber que basicamente não é possível comparar a realidade e experiências de mulheres diferentes como a de uma mulher branca e pobre com a de uma mulher negra e pobre, pois esta além de sofrer pela classe sofre também com o racismo, ou a de uma mulher lésbica que sofre com homofobia por exemplo, e assim por diante.

Outro termo que reflete a ideia de feminismo é sororidade, ou seja, a empatia e união entre as mulheres. Ela destaca que a rivalidade feminina é fruto do patriarcado, uma estratégia política para enfraquecer e dificultar alianças e afirmar que mulheres são rivais. Sororidade diz respeito a um comportamento de não julgar outras mulheres e, ainda, ouvir com respeito suas reivindicações. No entanto, muitas vezes, o termo é erroneamente interpretado como se, por obrigação, as mulheres devessem gostar e apoiar todas as outras mulheres. Mas essa não é a questão, o termo refere-se sobretudo a ter empatia e sobre o exercício de cada mulher se colocar no lugar umas das outras, respeitando seus respectivos contextos, e não confraternizar com atitudes ou falas erradas e que não devem ser defendidas e sim refutadas.

 
Afinal, por que o feminismo ainda é necessário hoje em dia?

 

Mesmo com as conquistas dos últimos séculos, mulheres ainda vivenciam uma série de desigualdades por conta de seu gênero: são assassinadas por companheiros e ex-companheiros, realizam a maior parte do serviço doméstico, mesmo trabalhando fora, são minoria em cargos políticos e ganham menos, convivem com o assédio sexual e muitas outras humilhações. As feministas reivindicam hoje o direito da mulher à sua autonomia e à integridade de seu corpo, pelos direitos à decisão sobre ter filhos ou não e pelos direitos reprodutivos, como acesso à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade, que ainda são escassos em muitos países, pela proteção de mulheres e garotas contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro que infelizmente ainda são pautas muito recorrentes hoje em dia. 

Ainda assim, apesar de todos os problemas enfrentados pelas mulheres, muitas pessoas ainda se utilizam do estereótipo errado sobre o feminismo ser desnecessário. “Sofremos ataques porque acham que problematizamos tudo, que é ‘mimimi’. Esse tipo de fala é tentativa de silenciar as mulheres que estão denunciando essa estrutura de regime patriarcado. Tivemos sim algumas conquistas, mas a mudança de estrutura não aconteceu”, afirma a psicóloga feminista Lavínia Palma, explicando que o patriarcado é um sistema de domínio dos homens sobre as mulheres.


 

 

Ilustrando com exemplos reais é possível perceber essa realidade vigente até hoje. Tanto em âmbito global, quanto nacional, há uma grande lacuna entre homens e mulheres na ocupação de espaços públicos, principalmente em relação a cargos de liderança. Segundo a ONU Mulheres, somente 6,6% dos chefes de Estado no mundo são mulheres. Isso significa que as condições socioeconômicas estruturadas historicamente as excluíram desses espaços e a luta é para que esse número possa chegar algum dia a 50%. Regionalizando os dados, segundo o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas e da União Interparlamentar, o Brasil ocupa a posição 149 de 188 países no ranking representatividade feminina na política, que representa uma posição muito baixa, visto que, no congresso brasileiro, apenas 15% dos representantes parlamentares são mulheres.

Pensando no problema de diferença salarial entre homens e mulheres a questão, apesar de parecer absurda, ainda é um problema presente na realidade de diversos países, incluindo o Brasil. Segundo os dados mais recentes do IBGE, se compararmos o rendimento médio dos homens com o das mulheres, veremos que elas recebem cerca de 22% menos do que eles, mesmo ocupando as mesmas funções. Essa diferença é ainda maior quando a comparação é feita entre mulheres negras e homens brancos, em que a média salarial delas representa menos da metade da média salarial deles.


 

Além de ganharem menos, as mulheres também trabalham mais dentro de casa por conta da dupla jornada, ou seja, afazeres domésticos e criação dos filhos. Uma pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que as mulheres gastam 95% a mais de tempo com afazeres domésticos do que os homens.

A violência contra as mulheres também é uma pauta feminista e que está presente nos ambientes públicos, empresariais e domésticos na forma de múltiplos assédios e também de agressão física e sexual. O feminicídio é um grande desafio e tem crescido, apesar das conquistas femininas. De acordo com o site G1, no Brasil, a taxa de feminicídios aumentou 7,3% em 2019 em relação a 2018. Segundo estudos conduzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicado na véspera do Dia Internacional da Mulher desse ano, o Brasil registrou em 2021 um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas.

O feminismo ainda é perseguido abertamente pelo Estado em diversos países, com ativistas mulheres sendo presas e até torturadas. A Arábia Saudita é conhecida como um país extremamente machista e um dos grupos opositores ao regime saudita, ativistas pelos direitos das mulheres foram presas em massa em 2018, torturadas e violentadas, algo que o governo saudita nega. Além disso, foi apenas em 2018 que a Arábia Saudita passou a permitir que as mulheres dirigissem e tirassem carteira de motorista.

A Rússia também é outro país que surpreende ao colocar muitas restrições às mulheres. Por lá existe uma lista com 456 tipos de trabalho que as mulheres são proibidas de realizar. Tal listagem foi iniciada ainda na União Soviética, em 1974, mas foi Putin que a tornou lei, em 2000, que é vigente até hoje. Além disso, na Rússia, 1370 mulheres apanham de seus maridos a cada hora, isso porque a violência doméstica no maior país do mundo é legalizada. Sim, enquanto muitas mulheres comemoram a conquista de direitos ao redor do mundo, em 2017 a Rússia seguiu o caminho reverso ao descriminalizar as agressões cometidas por maridos contra suas esposas e filhos, desde que o episódio não se repita mais do que uma vez no ano e que a mulher não precise ser hospitalizada, o agressor não precisa se preocupar com uma punição.

Atualmente, no Irã, as mulheres não podem viajar sem a permissão do marido, procurar ou ter um emprego sem a permissão de um parente do sexo masculino e nem mostrar o cabelo em público. Elas são separadas dos homens nos locais de trabalho, meninas e meninos têm suas próprias salas de aula separadas. Além disso, para a Justiça do Irã, o testemunho de uma mulher vale metade do que o do homem. Ou seja, duas mulheres precisam testemunhar para que suas palavras tenham o mesmo peso do que as de um único homem. Ademais, o Estado iraniano define que a indenização a ser paga por matar ou machucar uma mulher é a metade do que deve ser pago caso esses danos sejam causados a um homem. Há quatro décadas, a República Islâmica também impede as torcedoras de assistirem às partidas de futebol. Em janeiro desse ano, as mulheres iranianas haviam sido autorizadas a assistir a uma partida de futebol da seleção masculina de seu país pela primeira vez em quase três anos, no entanto, em março o Irã voltou a impedir entrada de mulheres em jogos de futebol.

No Afeganistão, as mulheres ainda resistem à muita repressão. Quando o Talibã assumiu o poder pela primeira vez no país, em 1996, o direito das mulheres à educação e ao emprego foi brutalmente suspenso. As afegãs só podiam sair de casa acompanhados por um familiar do sexo masculino e eram obrigadas a usar uma burca que as cobrisse totalmente. Aquelas que desobedeciam às regras eram severamente punidas. Agora, enquanto o país inicia outra era sob o Talibã após os extremistas tomarem a capital no ano passado, há um grande temor sobre as mulheres do país que estão passando novamente por tempos sombrios por conta das regras radicalistas instituídas desde o primeiro dia da invasão.

 

 

Segundo o relatório do Banco Mundial intitulado “Mulheres, Empresas e Direito 2018”, 104 países ainda impedem que as mulheres realizem certas atividades simplesmente por serem mulheres. Um outro estudo divulgado em 2020 pelo Fórum Econômico Mundial projeta que, dada a lentidão dos avanços na igualdade de gênero no mundo entre 2000 e 2020, serão necessários 257 anos para superar as desigualdades entre mulheres e homens.

Portanto, refletindo sobre todos esses dados, é inegável como as mulheres ainda tem um longo caminho pela frente para conquistar plenamente todos os seus direitos e o feminismo é um caminho de defesa para que nossas bruxas de hoje não sejam mais queimadas e sim valorizadas por serem mulheres incríveis e que merecem muito mais.


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