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21/11/2022 às 14h31min - Atualizada em 21/11/2022 às 14h01min

Charly García simboliza irreverência e resistência à repressão

Astro do rock é considerado referente cultural de diversas gerações na Argentina

Everton Antunes - edição David Cardoso
Cantor argentino Charly García. (Foto: Reprodução/Pinterest).

“Não é a mesma coisa fazer música em democracia e na ditadura”, observa o jornalista e escritor argentino Gastón Calvo. Também não é fácil fazer música por mais de meio século, como o fez – inclusive, neste período autoritário da história argentina – o cantor e compositor Charly García. Nascido em 23 de outubro de 1951, Carlos ‘Charly’ Alberto García Moreno completa 71 anos e é “referência cultural argentina”, para o escritor.

 

O jornalista – em outubro, na ocasião do aniversário do astro do rock– lançou o livro “Say No More: uma abordagem sobre Charly García como referente cultural da Argentina”. Ele afirma: “Charly fez música na democracia e na ditadura. Fez música quando havia prosperidade econômica e em momentos de absoluta crise”. Além disso, García também representa uma etapa de “descontrole”, na visão de Calvo.
 

O artista – quem, por um breve período, morou no Rio de Janeiro, cultivou amizades com os integrantes da banda Paralamas do Sucesso e namorou uma brasileira, a bailarina Zoca Pederneiras – revela-se uma figura importante para o contexto político e cultural do país vizinho, segundo Gastón. Desde cedo, Charly revelou sua aptidão para a música ao dominar o piano e dispor de grande habilidade para compor canções.

 

Infância

 

Nascido em uma família da classe alta de Buenos Aires, filho de Carmen Moreno e Carlos Jaime García Lange, o cantor argentino sempre esteve rodeado por música. Sua genialidade se manifestava ao tocar instrumentos de brinquedo que ganhara da avó. Já na infância, o pequeno Charly iniciou aulas de música no conservatório Thibaud Piazzini e, aos 13, já era professor de piano.

 

A família abastada de Charly perde o relativo conforto que tinha em razão de uma crise econômica que assola o país, em 1959. O pai se desfaz de bens e fecha os negócios; a mãe, que antes não trabalhava, torna-se produtora de programas de rádio. A partir do trabalho de Carmen, o jovem músico entra em contato com nomes influentes da música – como Mercedes Sosa, que frequentava o lar dos García. 

 

Seu talento precoce para a música é revelado quando descobrem que o prodígio tem ouvido absoluto – isto é, a capacidade de identificar notas musicais a partir de sons. Além disso, é ainda cedo que uma de suas marcas – o bigode bicolor – se define: Carlitos teria desenvolvido vitiligo durante a ausência dos pais, que, por um período, viajaram à Europa e deixaram os filhos sob cuidado da avó e babás.

 

Projetos


 

Tomado pela influência dos Beatles, o já adolescente Charly se interessa pelo rock e, juntamente com o amigo do ensino-médio Nito Mestre, arranca a banda Sui Géneris, em 1972. Nesse mesmo ano, Charly e Nito lançam o álbum “Vida” e emplacam o sucesso “Canción para Mi Muerte”. A banda chega ao fim em 1975, mas García e o amigo trabalham juntos em projetos futuros .

 

Ainda em 1975, Charly iniciou o grupo “La Máquina de Hacer Pájaros”, que contou com dois discos: O primeiro com o mesmo nome da banda, em 1976, e “Películas” (1977). O breve período do projeto coincidiu com o Golpe Militar de 1976, o qual instaurou um regime ditatorial que durou por sete anos na Argentina. 
 

Nesse contexto de repressão, Charly se encaminha ao Brasil e, ao lado de David Lebón e Pedro Aznar, idealiza o projeto Serú Girán (1978 -1982). O grupo lança hits como “Canción de Alicia en el País” e o disco “La Grasa de las Capitales” (1979). Para o jornalista, nessas últimas etapas, o cantor “estava comprometido com o que ocorria ao seu redor”, no período da ditadura.

Conforme Gastón Calvo, em 26 de dezembro de 1982, Charly anuncia o primeiro disco solo – “Yendo de La Cama al Living” – e, assim, concretiza a carreira independente ao apresentá-lo no estádio do Club Ferro Carril Oeste. O jornalista afirma se tratar de um concerto histórico para o rock nacional porque, pela primeira vez, um artista do país lota um estádio de futebol.  

 

“Um marco na Argentina havia sido a visita da banda Queen, um ano antes, quando tocaram no estádio Vélez Sarsfield e o encheram, mas era uma banda extrangeira”, ressalta Gastón. No entanto, “como músico argentino, o feito é de Charly tocando no estádio do [Club] Ferro”, prossegue.  

 

Ainda em 1983, Charly lançou o álbum “Clics Modernos”, de ritmo “dançante” e influenciado pela New Wave, segundo Calvo. Esse trabalho coincide com o período de transição democrática do país. Além disso, entre outros discos, García anunciou “Piano Bar” (1984), que conta com sucessos como “Cerca de la Revolución”

 

Repressão


 

“Se Charly fosse de forma frontal em suas canções, seria censurado, perseguido, preso e, talvez, teria desaparecido”, pondera o jornalista. Para evitar a censura, o artista compunha suas canções por outros meios: “Charly falava daquilo que não se podia de uma forma metafórica, para que os censuradores não pudessem captar a mensagem”, explica.
 

Na música “Los Dinosaurios” (1983), no contexto da transição democrática, o cantor exprime: “Os amigos do bairro podem desaparecer/ mas os dinossauros vão desaparecer”; a metáfora diz respeito às vítimas da ditadura e o fim do período de repressão, para o escritor. “Essa canção foi abraçada pela juventude da época e continua sendo emblemática”, enfatiza. 

 

Ainda segundo Calvo, antes de lotar estádios, Charly utilizava espaços menores para os shows, que representavam locais de “resistência”. “Este era o espaço onde se diziam muitas coisas que não se podia dizer em outros meios”, acrescenta. Ele afirma que, em entrevista, Charly revelou ter evitado a prisão de uma garota por policiais durante um show: “se vocês a levarem, somos seis mil contra dois”.

 

Controvérsias

 

Além da desenvoltura para a música e da criticidade em suas letras, o cantor é conhecido por um período conturbado da carreira, conforme o jornalista. Na década de 80, Gastón conta que Charly García se envolve em escândalos – desde o uso de drogas, até a agressão de jornalistas, fãs e a falta de compromisso com os shows.

 

Essa etapa turbulenta do cantor é conhecida como “Era Say No More”, cujo nome vem de um álbum de Charly e representa o seu “descontrole”, segundo o jornalista. Entretanto, essa fase coincide com o crescimento dos meios de comunicação na Argentina e “o jornalismo, sobretudo o sensacionalista, se alimentou dos escândalos de Charly”, observa Gastón. 

 

Entre erros e acertos, García conquistou a simpatia e a desilusão dos fãs que o seguiam ao longo da carreira: “ele foi se reinventando todo o tempo, não é desses artistas que seguem a fórmula que lhes convenha”, diz o escritor. Por outro lado, afirma: “creio que o argentino reconheça a trajetória de Charly e quão importante ele foi, e segue sendo, para a cultura”.

 

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