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07/01/2023 às 17h07min - Atualizada em 07/01/2023 às 17h07min

Opinião: Palmeiras reage com imaturidade as denúncias sobre a gestão do time feminino

Após as denúncias, clube tem uma chance de provar que realmente luta pela inclusão, mas nota oficial só demonstra indignação contra quem acusou e um mimimi clássico dos machistas retrógrados

Paulo Octávio - labdicasjornalismo.com
Foto: Instagram/ Dibradoras
É decepcionante, e não surpreendente, saber que a gestão do Palmeiras feminino sofre acusações. E esse sentimento piorou com a divulgação de uma matéria realizada pelo site Dibradoras. A reportagem revelou uma série de denúncias que, para parafrasear a política, poderia encher vários slides de power point. São relatos sobre abuso psicológico e assédio moral, falta de suporte a jogadores lesionadas, que pagaram do próprio bolso o tratamento e não tiveram auxílio do diretor Alberto Simão. Este, contratado por Alexandre Mattos, segundo elas, boicotou o clube, assim como a técnica Ana Lúcia, que não conseguiu defesa sobre acusação de acobertar um caso de doping. Simão ainda teria xingado as jogadoras que não quiseram de volta os seus materiais cedidos ao Taboão da Serra em uma ação que deveria ser solidária. E falaram sobre o técnico Ricardo Belli, que teria realizado xenofobia contra Agustina e preconceito contra Stefany, que é deficiente auditiva.  

Leia a íntegra: https://dibradoras.com.br/2023/01/05/denuncias-contra-diretor-mancham-temporada-2022-perfeita-do-palmeiras/

Isso não é uma surpresa porque vários canais independentes de torcedores já citavam problemas na gestão do time. Principalmente após a exclusão das zagueiras Agustina e Thais, na véspera da goleada que sofreu para o Corinthians, nas semifinais do Brasileirão, em pleno Allianz Parque.  Esse caso segue na justiça. Agora há chancela de um site que foi atrás de várias fontes para embasar a reportagem.

Em resposta atrasada, o Palmeiras mostrou uma atitude digna de criança mimada. Só se pronunciou um dia depois da divulgação da matéria, em uma nota escondida, divulgada pelas Dibradoras, que garantiu de forma democrática o direito de resposta.

 
E ao invés de pelo menos prometer uma investigação, mostrou que está disposto a perseguir quem fez as denúncias. “Críticas são bem-vindas e contribuem com o aprimoramento do projeto, contanto que não tenham o revanchismo como norte. Denúncias e insinuações sem fundamento contra a agremiação e seus dirigentes precisam ser provadas por quem as faz; do contrário, não passam de difamação. O Palmeiras e o diretor Alberto Simão tomarão todas as medidas judiciais cabíveis para salvaguardar a honra da instituição e de todos os profissionais injustamente atacados.”

Onde está esse revanchismo se os próprios acusados seguem no time ganhando salário enquanto muitas jogadoras tiveram que mudar de cidade e de vida após saída do clube? (leia sobre Stefany, que saiu do Palmeiras https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2021/03/apos-palmeiras-jogadora-surda-enfrenta-preconceito-e-pouca-acessibilidade-por-novo-time.shtml)

Além disso, o time mostra um desconhecimento jurídico. Foi dito que “A Sociedade Esportiva Palmeiras repudia as acusações levianas, feitas em sua maioria por fontes anônimas, contra os profissionais do nosso time feminino de futebol, em especial o diretor Alberto Simão”. O argumento foi usado para desqualificar as denúncias e mostrar que as acusadoras não tiveram coragem de se expor. Esse é um mimimi clássico dos machistas. Só que a Constituição brasileira de 1988 garante o sigilo da fonte em seu artigo quinto, inciso XIV

Ainda diz que “o clube desenvolve um trabalho competente e sério com essa modalidade, como atestam as recentes conquistas da Conmebol Libertadores e do Campeonato Paulista, além da chegada de cinco novos patrocinadores ao longo da temporada de 2022”. O fato de o clube conseguir patrocínios não garante nada, até porque só ter dinheiro e não saber como aplica-lo não vai fazer com que um título caia do céu. E as foram as jogadoras que venceram os títulos e não a força de canetas ou da "camisa".

Ao menos, os conselheiros pediram uma investigação e abertura de um comitê de maioria feminina para investigar o caso. Pena que a presidente, como mulher e cidadã, e sua diretoria não tenham tomado posição e feito o pedido antes mesmo de uma ação do conselho. (https://www.terra.com.br/esportes/palmeiras/conselheiros-do-palmeiras-pedem-apuracao-de-acusacoes-contra-diretor-e-tecnico-do-time-feminino,4d88739541a1ef176193ae4dc2caade7n9oe1p37.html)

As denúncias e a nota vergonhosa provocam indignação por um possível ferimento a dignidade das profissionais. E por mostrar uma hipocrisia de um time que no Instagram se diz de todos e da presidente que dedicou o título paulista de 2022 'as mulheres', mas não se mexeu para exigir uma investigação do caso. 

E os títulos que Palmeiras obteve foram construídos pelo caráter das jogadoras, que poderiam adotar uma postura de 'corpo mole', mas honraram suas biografias e, por consequência, a agremiação. Após o triunfo na Libertadores, todas escreveram no Instagram um texto que fala sobre reconexão e respeito. "
Queremos respeito, queremos melhorias, queremos ocupar o lugar que nos pertence! A luta não é para nós, a luta é por todas as mulheres que querem ser o que quiserem!", diz a nota delas.

2023 promete desafios. A Rede Globo em seu canal aberto transmitirá o Campeonato Brasileiro e a Supercopa feminina e ficará mais atenta a categoria. É provável que esse caso ganhe os telejornais da emissora em breve. Além disso, Yamila Rodrigues, uma argentina como a Augustina, é um novo reforço, após a saída de várias jogadoras como July, Ary Borges, Patricia Sochor e Day Silva. A permanência de Bia Zaneratto é um mistério. Ela disse que negocia com a diretoria e não dá certeza sobre seu futuro.

O mundo mudou, senhores. Hoje as mulheres tem voz, buscam, ocupar setores importantes da sociedade e há uma maior visibilidade e desejo de justiça após casos de abuso. Prova disso é que neste domingo (8), os jornalistas Chico Felitti e Beatriz Trevisan divulgam, na Folha,  matéria sobre um ateliê de arte acusado de praticar exploração financeira e violência física, sexual e psicólogica. Caso já é abordado no podcast "o ateliê", que estreou na quarta (4).  Essas denúncias mostram que o povo agora sabe que abuso é violência e não vai se calar. Pode demorar, mas muitos irão denunciar. 

O mínimo que se espera é uma investigação séria dos fatos ocorridos e uma mudança de mentalidade. Não adianta, se for o caso, demitir A ou B se quem for contratado no lugar tiver a mesma postura. Palmeiras precisa entender que é obrigação dar dignidade e boas condições de trabalho a todas as categorias. Não dá para se gabar de ter dado um emprego ao pai do Endrick e, por outro lado, não respeitar as suas jogadoras. Não adianta criticar o time que não deu segurança aos atletas em um passado recente e fazer praticamente mesmo.

Chega de simbolismo sem atitude. Que esse caso seja um divisor de águas e uma verdadeira mudança de mentalidade e de respeito as jogadoras.

Por fim, parabéns para quem teve coragem de falar sobre os problemas do clube e para as Dibradoras pela matéria. E que a liberdade de imprensa seja preservada.

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