Março: o mês da mulher e da poesia. (Fonte: Reprodução / Vitória Barbara)
O Dia Internacional da Mulher é comemorado mundialmente no dia 8 de março. Celebrada oficialmente desde 1975, sua origem se deu no início do século 20, quando diversos protestos de mulheres ecoaram pelo mundo reivindicando melhores condições de trabalho e igualdade de direitos.
A proposta de tornar a data internacional veio de uma mulher chamada Clara Zetkin, uma mulher ativista, comunista e defensora dos direitos das mulheres. A proposta não tinha uma data fixa para a criação do Dia Internacional das Mulheres, mas devido a um acontecimento na Rússia, a data foi estabelecida.
No dia 8 de março de 1917, cerca de 90 mil operárias russas marcharam as ruas reivindicando melhores condições de trabalho e de vida, ao mesmo tempo que se manifestavam contra as ações do Czar Nicolau II. Tal evento ficou conhecido por “Pão e paz”, isso porque as manifestantes também lutaram contra as dificuldades decorrentes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o que fez com que quatro dias após a greve o Czar fosse forçado a abdicar e o governo provisório concedeu às mulheres o direito ao voto.
Já no dia 21 de março comemora-se o Dia Mundial da Poesia, criado na 30ª conferência geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 16 de novembro 1999. O objetivo dessa data é apoiar a diversidade linguística, intensificar o intercâmbio entre as culturas e oferecer a oportunidade às línguas, principalmente as ameaçadas, a serem visibilizadas – já que esse gênero é um artefato artístico que, em suas múltiplas formas e possibilidades de conteúdo, abre-se ao diálogo individual e coletivo.
A poesia é uma manifestação literária aberta à diversidade, à livre criação, à criatividade, à inovação formal e à multiplicidade temática. Portanto, a data busca celebrar a importância da reflexão sobre o poder da linguagem e do desenvolvimento criativo construído por uma subjetividade, a do poeta. Por sua vez, é aberta a subjetividade de seus leitores e estes podem expandir seu conhecimento de mundo com base nas experiências poetizadas.
O Dia Mundial da Poesia é uma data que comemora não só a arte e a habilidade de produzir poemas, mas o papel em que a poesia representa em qualquer sociedade, por ser instrumento de união e de debate.
O papel da mulher na poesia
É muito comum pensar em alguns nomes de escritores masculinos quando falamos sobre literatura. Porém, esquecemos que muitas mulheres têm tido um papel fundamental na arte da escrita, especialmente se tratando da poesia. Por questões históricas, as mulheres sempre estiveram à sombra dos homens em muitas situações, inclusive artísticos e culturais. Mesmo assim, elas estiveram presentes, acrescentando valor ao mundo da literatura, desde muito tempo.
No Brasil, as mulheres conquistaram e ainda vêm conquistando, com muita luta, seu posto em muitos setores da sociedade. Apesar de terem alcançado um espaço muito importante na literatura, o número de escritoras continua sendo menor em comparação ao de escritores. É possível confirmar essa realidade pesquisando listas de eventos literários, como a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP).
Sabemos que o poema não se trata apenas de sentimentos amorosos ou algo relacionado. As poetisas, e os poetas em geral, tem um dom e uma função social que é exercido naturalmente. Os textos não tratam apenas das suas dores pessoais. Quando tem a consciência despertada, é transmitido em seus versos e canções os anseios do seu povo, raça e condição humana. O poema é a forma mais eficiente de alcançar o sentimento das pessoas influenciando-as sutilmente. A multiplicidade de formas em que a poesia pode ser expressa, seja estruturada em versos e estrofes livres ou moldada em formas rígidas, é manifestada na voz de poetisas registradas na história da literatura.
Citamos 8 poetisas da literatura brasileira que você precisa conhecer:
Cecília Meireles
Cecília Benevides de Carvalho Meireles foi uma notória jornalista, pintora, poeta, escritora e professora brasileira. Ela nasceu em 1901, no Rio de Janeiro, e faleceu em 1964. Considerada uma das maiores poetas nacionais, a autora foi um dos nomes que mais se destacou no contexto do modernismo brasileiro.
Epigrama n. 2
És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, e, para te medir, se inventaram as horas.
Felicidade, és coisa estranha e dolorosa:
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
Porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo despovoado e profundo, persiste.
Conceição Evaristo
Maria da Conceição Evaristo de Brito é uma escritora brasileira contemporânea nascida em 1946, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Além dos romances e livros de contos bastante notáveis, a autora também é conhecida pela sua poesia ancorada na memória individual e coletiva.
Vozes-mulheres
A voz de minha bisavó ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos de uma infância perdida.
A voz de minha avó ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado rumo à favela.
A minha voz ainda ecoa versos perplexos
com rimas de sangue e fome.
A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
Miriam Alves
Miriam Aparecida Alves é escritora brasileira. Ela nasceu em São Paulo em 1952. Ela é Bacharel em Serviço Social, integrante do Quilombhoje Literatura de 1980 a 1989. Escritora com 37 anos de carreira.
Poema Fumaça
Estou a toque de máquina
corro, louca, vôo, suo
a fumaça sou eu
Estou a toque de nada
vivo, ando
como a comida envenenada
e o comido sou eu
estou a toque de selva os ferros torcidos, sacudidos
dentro de uma marmita
e a marmita sou eu
Nego, mas vivo dizendo Sim
a tudo que me dói na cabeça e o doido sou eu
Paro, mas estou sempre correndo
doem as pernas, os pés e este corpo é o meu
Amanhã me encontra acordada
como a noite deixou e o insone sou eu
Indago, mas não estou escutando
a pergunta anda solta
e ninguém explicou que a resposta sou eu
Pagu
Patrícia Rehder Galvão foi uma escritora, poetisa, diretora, tradutora brasileira. Ela nasceu em 1910 em São Paulo e faleceu em 1962. Considerada a feminista mais famosa da história do Brasil, Patrícia Galvão é ainda hoje símbolo da luta das mulheres por reconhecimento, direitos e igualdade.
Poema Um Peixe
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.
Fernanda Young
Fernanda Maria Young foi uma escritora brasileira. Ela nasceu em 1970 no Rio de Janeiro e faleceu em 2019. Ela foi uma das maiores vozes da literatura contemporânea brasileira. Seus diversos versos são fortes, feministas e viscerais.
Sem título
Estou por um triz. De novo.
Parece, de fato, encenação.
Creio até que seja mentira
essa minha cara com esses olhos caídos.
Aprendi tal
olhar, lendo os poemas de
alguns, ou são os remédios.
Eu vinha crente que não mais
precisava disso. Disso: caneta,
papel, calmante e pijama.
Dancei muitas músicas e ri
de mim mesma. Aquela que
se repete. Eu. Eu mesma:
corpo e a cabeça cheia de
cabelos.
Meu cérebro está empapado,
do tamanho de uma barata.
Clarice Lispector
Clarice Lispector foi uma escritora e jornalista ucraniana naturalizada brasileira. Ela nasceu em 1920 na Ucrânia e faleceu em 1977 no Brasil. Uma das escritoras da terceira fase do modernismo, ao longo de toda a vida Clarice Lispector estudou múltiplas línguas, fez aulas de piano, era uma boa aluna e tinha prazer em redigir poemas.
Poema Sonhe
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas.
Cora Coralina
Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas foi uma poetisa e contista brasileira. Ela nasceu em Goiás em 1889 e faleceu em 1985. Escritora das coisas simples, ela é considerada uma das mais importantes do país.
Poema Meu Destino
Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...
Adalgisa Nery
Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira foi uma poetisa e escritora brasileira moderna, da primeira metade do século XX. Ela nasceu em 1905 no Rio de Janeiro e faleceu em 1980.
Poema Patrimônio
Pesam nos meus ossos
Os meus pensamentos,
Choram nos meus olhos
As visões neles crescidas,
Soluçam no torpor das minhas carnes
Ancestrais desalentos.
Sangram os meus pés
Na inútil andança
Da imaginação liberta,
Pulveriza o meu espírito
A solidão do suicida ignorado
E cresce assustadoramente dentro de mim
A calmaria que precede o fim.
Como dito acima, a poesia é um instrumento de expressão e que pode ser usada como ferramenta para reivindicar direitos, lutar contra injustiças e falar sobre o amor. As mulheres fazem parte deste movimento literário e não devem ser homenageadas apenas nos dias 8 e 25 de março. Que essas mulheres estejam gravadas nas memórias de toda a sociedade brasileira.
(1).jpg)
.jpg)
