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21/09/2020 às 16h04min - Atualizada em 21/09/2020 às 15h59min

Caso Escola Base: estudo jornalístico do que não se deve fazer

Emílio Coutinho, autor do livro “Escola Base”, conta detalhes da repercussão e das consequências do acontecimento que marcou a vida dos envolvidos

Letícia Gouveia - Editado por Letícia Agata
Manchete dos jornais da época. Foto: divulgação.
O ano era 1994. Donos de uma escola infantil, a professora, o motorista do transporte escolar e um fotógrafo não imaginariam que seus futuros seriam arruinados a partir de uma acusação.

A Escola de Educação Infantil Base, localizada em São Paulo, viraria manchete nos meios de comunicação, mas não por um bom motivo. Duas mães, percebendo comportamentos diferentes em seus filhos, suspeitavam que os funcionários da escola estavam abusando sexualmente das crianças. E mais do que isso: acusavam-os de orgia, feita pelos donos, professora e motorista no apartamento dos pais de um aluno.

As autoridades responsáveis pelo caso encaminharam as crianças para o Instituto Médico Legal (IML) para exames, mas os resultados foram inconclusivos, além de não acharem nada no apartamento dos acusados. Inconformadas com a demora das investigações, as mães procuraram a imprensa para dar visibilidade ao caso.

Como é de praxe, ou deveria ser, os meios de comunicação têm o dever de checar as informações e revelar os dois ou mais lados envolvidos no caso, mas não foi o que aconteceu. A cobertura da mídia foi totalmente tendenciosa e sensacionalista. Ela trouxe o laudo do IML ao público. Nele, uma das crianças foi identificada com uma fissura anal, mas que poderia ser por conta do abuso sexual ou de uma constipação intestinal. Os acusados já foram vistos e tratados como culpados sem qualquer prova confirmada.

Tanto os donos da escola quanto a professora, o motorista e o fotógrafo americano, que foi acusado de comercializar as fotos das crianças, tiveram suas identidades reveladas, endereços expostos e rostos estampados nos principais veículos de comunicação brasileiros. O resultado disto foi caótico: a escola foi depredada e os acusados sofreram perseguições físicas e psicológicas, além de perderem o emprego e todo o investimento na educação.



 
Passados alguns meses, o caso foi arquivado por falta de provas e os acusados foram considerados inocentes perante a justiça, porém aquele pesadelo não teria um fim. Sem reputação ou credibilidade alguma, as vítimas perderam não só financeiramente, como também a esperança de seguir em frente quando já não se tinha mais nada.

Pensando justamente sobre as consequências deste erro jornalístico na vida dos envolvidos, Emílio Coutinho, na época estudante de jornalismo, resolveu fazer seu trabalho de conclusão de curso sobre o caso Escola Base. “Existe uma grande procura sobre o tema, mas existia pouco material”, conta o jornalista, que logo no primeiro ano da faculdade, em 2012, publicou em seu blog, Casa dos Focas, uma matéria sobre o tema e notou que teve grande envolvimento do público, mas, buscando por outros conteúdos, teve dificuldade de achar informações.

Definido o tema do seu TCC antes mesmo do período proposto, Emílio já foi fazendo todo o trabalho de pesquisa e levantamento de dados, para, então, seguir na apuração de seu livro-reportagem.
“Eu fui atrás dessas pessoas para saber como elas estavam duas décadas depois, e, sobretudo, para saber das consequências desse caso. Será que aquilo que aconteceu em 1994 ainda tem repercussão nos dias de hoje? Porque a partir daí eu vou poder saber se o que nós produzimos na mídia, seja ela escrita, falada, na internet, ou até mesmo hoje em dia, pelo WhatsApp. Será que essas informações que passamos e repassamos, muitas vezes sem checar,  vai ter uma repercussão para o resto da vida das pessoas que estamos tratando?”, revela o autor sobre a linha de seguimento de seu trabalho.


 
Emílio conta que não foi fácil encontrar as pessoas, e muito menos abordá-las. Se a mídia foi responsável por acabar com a reputação delas, como confiar novamente em um jornalista? Por isso, ele se apresentava como estudante de comunicação e a ideia era dar voz aos entrevistados, ouvir o que eles tinham a dizer que não puderam contar na época e como ficaram durante este tempo todo.
 
“No livro, eles contam como o caso repercutiu e ainda repercute não só na vida deles, mas na vida dos familiares de forma negativa, tanto psicologicamente quanto financeiramente. Todos os planos, todos os sonhos que eles tinham, foi tudo por água abaixo e o que me chocou muito, me deixou emocionado, foi quando uma das entrevistadas, se eu não me engano foi a Paula, que era uma das professoras da escola, eu perguntei se ela ainda tinha algum sonho na vida dela e ela disse que já não tinha mais sonho, que seu único sonho era ser uma pessoa normal, ter uma vida normal. Isso mexeu muito comigo, porque eu percebi como o caso repercutiu de maneira negativa na vida deles, além do que a gente já sabe do trauma psicológico e financeiro, a vida deles ali foi por água a baixo” conta o jornalista, que buscou se manter emocionalmente longe dos entrevistados, mas que em certos momentos diz ser impossível separar o sentimento.

Mesmo com as indenizações que precisaram ser pagas aos envolvidos, há danos que nunca serão recuperados. “A Escola Base virou um caso que é estudado até hoje, não só nos cursos de comunicação como nos cursos de direito em todo o Brasil, porque foi um grande erro da cobertura de imprensa, que, infelizmente, foi malfeita”, conclui o jornalista.

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