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15/10/2020 às 08h20min - Atualizada em 15/10/2020 às 20h20min

A minha vida com o corona... não está no gibi

Como a COVID-19 transformou a vida de quem conta histórias (em quadrinhos)

Paulo Pereira - Editado por: Fernanda Simplicio

Para lidar com as marcas deixadas em suas vidas pelo novo coronavírus, Ilustradores brasileiros encontraram nas HQs uma resposta positiva e eficiente.
Com base nos dados oficiais da Organização Mundial de Saúde – OMS, acabamos de ultrapassar os sete meses de pandemia. Apesar das inúmeras ações para a retomada gradual das atividades estarem sendo colocadas em prática, uma parcela significativa da população mundial continua privilegiando o distanciamento social. Os que não conseguem, pelas mais diferentes razões, convivem com os riscos trazidos pelo contato com o novo vírus.
Limitações de mobilidade, transformações na vida profissional, novas exigências do convívio familiar e a perda de entes queridos são algumas dessas consequências trazidas às vidas das pessoas nesse trágico ano que ainda vivemos. Com os artistas, a exemplo de Ilustradores e Quadrinistas, não é diferente. No entanto, as dificuldades e dramas pessoais vivenciados são frequentemente canalizados para as suas atividades. Desta maneira, podem estabelecer um verdadeiro exercício terapêutico, dando saída, e um novo sentido, às emoções através das Histórias em Quadrinhos.

 

A cura pelo gibi

Especialistas da psicologia da aprendizagem, da psicanálise e da arteterapia apontam como e porque a arte pode agir como um instrumento terapêutico. Ela é capaz de ampliar a percepção sobre um determinado acontecimento, ao torná-lo mais visível através de ilustrações.
Uma pessoa tem a oportunidade de, desenhando a sua história, descobrir um final alternativo; ainda que a realidade não possa ser modificada na prática. O mais importante é a sensação causada pela descoberta e entendimento. Aqui, tem-se a possiblidade de investigar e manejar, por exemplo, estresse, ansiedade, fobia, depressão, luto e abandono.
Mais especificamente, quando a arte em questão são as Histórias em Quadrinhos, a eficiência terapêutica pode ser ainda maior. Apesar de não haver muitos estudos específicos, pode-se considerar importantes questões para investigação. De acordo com pesquisadores do tema Histórias em Quadrinhos embasados, por exemplo, nos conhecimentos trazidos pela Semiótica e Linguística – ciências que se debruçam sobre o estuda das formas de linguagens e as línguas respectivamente –, a união do texto com o desenho de modo a contar histórias sequenciais (uma após a outra) e simultâneas (ao mesmo tempo), estabelece uma fonte de comunicação e aprendizagem muito poderosa e eficiente.
O reconhecimento dos objetos, pessoas e situações proporcionadas pela imagem, junto aos significados que a palavra pode oferecer, podem abrir diversas portas de compreensão. Um entendimento que é indispensável para superar dificuldades das mais diversas ordens. Não é por acaso que estúdios com a Disney e a Maurício de Sousa Produções – MSP têm se envolvido em campanhas voltadas para a promoção da saúde pública há muitas décadas.  

 

Convivendo com o vírus

Na prática – principalmente neste ambiente de saúde doentio por conta da COVID-19, gerador de mudanças que podem afetar o bem estar dos relacionamentos e o nosso próprio – esta “utilidade” dos  Quadrinhos é o que vemos bem aplicado pela jovem Ilustradora e Designer carioca Taíssa Maia, 28 anos.
A jovem encara a arte e as HQs para além do “rostinho bonito” e não dispensa o dizer algo através delas. Afirma: “Acho que os quadrinhos (e a arte no geral) um veículo potente pra trazer reflexões sobre sociedade, política e cultura, porque ela também funciona como um documento da época que vivemos.”   

Dotada de um senso estético afinado e uma arte bastante expressiva, ela já vinha sentindo a necessidade de exteriorizar suas emoções desde o início da quarentena. Com a série QUARENTENERS, Taíssa expressa algumas das transformações que a vida pessoal e profissional sofreram. 
Ao entrevistá-la, percebo, por parte dela, nesta obra, uma verdadeira paixão pela vida, e questiono se esta foi uma produção para si. Talvez uma necessidade de se perceber em meio ao turbilhão do distanciamento social vigente. Vem a resposta: “foi a maneira que eu encontrei de transformar as situações que eu estava enfrentando nessa nova realidade (como ter que cortar o próprio cabelo, trabalhar de pijama, fazer festa dentro de casa, entre outros) com um toque de humor, pra deixar tudo um pouco mais leve.”

Deparar-se com essa nova existência em escala global foi o que também motivou o Ilustrador, Animador, Escritor e Mestre em Sociologia Robson Vilalba a apresentar o seu ponto de vista. Em parceria com a Editora Elefante (editora brasileira), o curitibano de 37 anos criou uma tira intitulada QUANDO O CORONA VAI EMBORA? que atualmente está no 11º número.
 

Embora não haja um consenso a respeito, pode-se dizer que a Tira é essencialmente uma História em Quadrinhos. Há uma narrativa em sequência e de modo simultâneo, passagem de tempo, personagens e ambientação. No entanto, nelas vemos relatos curtos, utilizando dois ou três quadros. Não é incomum que apresente uma crítica de cunho social embora o humor esteja mais presente.

A íntegra da publicação está no site da editora – alguns quadros aparecem também no Instagram do autor – e tem uma periodicidade quinzenal. Nela, Robson narra um pouco da sua rotina na qual intercala (em parceria com a esposa) o trabalho com as tarefas domésticas e os cuidados com a filha pequena.
 

Apesar de eventualmente comparecer a reuniões presenciais (antes de pandemia), trabalhar em casa já era um hábito (assim como para Taíssa), então Robson não observou mudanças de grande impacto. Apesar das limitações no ir e vir e o fato de o projeto de um próximo livro ter ficado em modo de espera, foi uma transformação positiva no ambiente familiar que mais lhe chamou a atenção.
Com a pandemia, sem poder frequentar a escola, sua filha teve que permanecer mais tempo em casa. O fato aproximou os dois e fortaleceu o vínculo emocional entre pai e filha. Inclusive, a pequena passou a ser uma personagem constante da referida Tira que trata do novo vírus em questão.
Robson conta que Cecília, a filha, acha graça de ver as situações retratadas nos Quadrinhos pelo pai. E ele, o pai, lembra que os Quadrinhos acabam sendo um momento de descontração nestes tempos de ansiedade, receios e cuidados. Um verdadeiro respiro que está bem ilustrado nos comentários dos seus leitores.
Robson diz que fica feliz com o que escrevem a respeito das tiras no Instagram e cita alguns exemplos: “Parece aqui em casa.” [...] “Ó, parece que colocaram uma câmera aqui em casa”.


As transformações impostas pela COVID-19 na vida de Robson e compartilhada por seus leitores, marcam bem uma faceta positiva no meio de todo esse caos sanitário. Nas palavras do autor: “Eu acho que esse laço de semelhança que gera solidariedade, que gera reconhecimento, eu acho bem importante, sabe? E eu não tenho grandes pretensões com relação a isso. Mas quando acontece eu fico muito feliz.”
Indo ao encontro deste sentimento, está a proposta do Ilustrador, Mestre em Poéticas Visuais e Arquiteto Alexandre De Nadal. Assim como a obra do Robson, Alexandre sentiu a necessidade de pôr para fora a sua percepção a respeito do atual momento.
A obra deste porto-alegrense de 41 anos chama-se RELATOS DA QUARENTENA, e cobre um espaço-tempo bem específico de sua vida em meio à pandemia: o primeiro mês de distanciamento/isolamento social passado na chácara dos seus sogros.
O relato, publicado inicialmente em seu Instagram, foi muito bem recebido pelo público e o fato gerou o desejo de publicar no formato e livro. O projeto, que conta com novos conteúdos, encontra-se em campanha de financiamento coletivo no site Catarse.



E é na página de apresentação do projeto, que Alexandre destaca que as marcas deixadas pela pandemia do novo coronavíus na sua vida são principalmente “[...] reflexões a respeito da quarentena, da crise mundial e de minha própria jornada espiritual em meio a essa pandemia.”
 

Ilustrando a dor maior

O trabalho (e as vivências) da jovem Taíssa Maia, não se limitaram às mudanças e adaptações exigidas pela quarentena. Quando ela e os familiares contaminaram-se com o novo coronavírus, a vida de todos mudou drasticamente. Em uma HQ cujo o nome é DIÁRIO DE UMA VÍTIMA DO CORONAVÍRUS, Taíssa apresenta o drama vivido. Infelizmente, a COVID-19 ocasionou o falecimento da sua amada avó, D.a Maria José Maia – uma figura central no seio familiar.






 

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