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09/03/2021 às 11h15min - Atualizada em 09/03/2021 às 10h50min

Como é ser escritor no Brasil?

Com um público de leitores que diminui a cada ano, veja como os escritores estão lidando com as novas tendências

Letícia Gouveia - Editado por Letícia Agata
Foto: Dan Counsell via Unsplash
O Brasil perdeu cerca de 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019, segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. As maiores quedas no percentual de leitores foram observadas entre as pessoas com Ensino Superior (passando de 82%, em 2015, para 68%, em 2019), e entre os mais ricos (na classe A, o percentual de leitores passou de 76% para 67%).

Diante desta realidade alarmante, o trabalho dos escritores é diretamente afetado, que eles seguem publicando por amor à palavra.
“Este é um país de muitas realidades diferentes. Há um abismo entre as várias camadas sociais, portanto existem escritores e vozes em toda parte. Em todo lugar há uma escritora ou escritor talentosos. Há quem escreva por hobby ou prazer, desejo de encontrar palavras que exprimam sensações complicadas. Há quem escreva para lecionar, há quem escreva e lute para narrar a verdade a respeito de um fato de relevância nacional ou regional, há quem escreva porque sonha” , reflete Levi Rodrigues, escritor de ficção.
 
Ser escritor no Brasil
“Ser escritor no Brasil é se esforçar muito. É amor o que segura a escrita. Ganhar dinheiro com escrita no Brasil é caso raro, mas a quantidade de histórias e vivências que temos dentro do país faz a história pulsar por dentro da gente. Resolvi escrever porque vi e senti que dentro da nossa cultura haviam histórias gritando para nascer. O nosso folclore é rico e majestoso. Então por que não estudar e mostrar a nossa vivência?”, revela Vanessa Amaral, professora de biologia e escritora sobre o folclore nacional.

Para o ficcionista Levi:
“Parece-me fazer sentido procurar por histórias em meio às memórias que não são minhas. É mais ou menos isso que ficcionistas fazem. Buscam experiências dentro de si, mas, paradoxalmente, nem sempre são experiências próprias. Às vezes esbarramos nesses personagens com vidas diferentes das nossas, e é então que vivemos muitas vidas ao mesmo tempo”.

Entretanto, ele revela que por enquanto as vendas de seus livros pouco contribuem para sua renda, que é complementada pelo seu trabalho como revisor.
 
Plataformas online e e-books

De acordo com a coordenadora da pesquisa Retratos da Leitura, Zoara Failla, a internet e as redes sociais são razões para a queda no percentual de leitores, sobretudo entre as camadas mais ricas e com Ensino Superior. A pesquisa aponta ainda que o brasileiro lê, em média, 5 livros por ano, sendo 2,4 lidos apenas em partes.

Entretanto, o faturamento com livros digitais no Brasil cresceu 115% entre 2016 e 2019, aponta estudo coordenado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), executado pela Nielsen Book. Com esse resultado, os livros digitais fecharam o ano passado com 4% de participação total no mercado. Ou seja, 96% do consumo de livros no Brasil ainda é feito em meio físico, mas o digital aponta uma nova tendência.

Para Vanessa, essas inovações ajudam, pois a descentralização das editoras contribui para que mais autores tenham a chance de serem publicados e lidos através das plataformas de auto publicação e audiobook.
“Autores precisam conseguir seus próprios leitores para que seus livros cheguem. Então, cada vez mais Instagrams (ou outras redes) serão dominados por escritores produzindo conteúdos para atrair possíveis leitores”, aponta a escritora, que considera o uso das plataformas online e redes sociais como uma nova tendência a favor dos escritores. Ela mantém seu perfil do Instagram (@livreandoideias) atualizado com conteúdos para seus leitores. 

Levi, mais cauteloso, preocupa-se com os escritores independentes que produzem o material, mas acabam gerando mais lucro à empresa do que a si mesmos:
“Creio que existem funcionalidades que prejudicam o escritor independente. Essas são muitíssimo bem exploradas por empresas. Por exemplo, o Kindle Unlimited é uma ótima ideia, mas quem realmente lucra com frações de centavos por páginas lidas? Creio que o autor independente não ganha nada assim e o problema é que ele é quem produz e quem mantém o todo funcionando. Parece haver aposta na quantidade de escritores que surgem. Ou seja, não importa que o sistema prejudique a ponto de frustrar e até fazer com que autores desistam de publicar, desde que sempre surjam novas e esperançosas almas dispostas a recomeçar o ciclo.”
 
O futuro
Levi aponta um importante crescimento na representatividade de autores, que trazem consigo suas particularidades:
“A fantasia e ficção especulativa brasileira crescem a todo tempo com novos nomes, em especial nomes femininos. Acho que às mulheres foi negado o direito de se estabelecerem com sucesso em determinadas profissões nos últimos anos. Também na escrita foram negligenciadas. Portanto, acredito que ficções escritas por mulheres sempre serão tendência. Elas possuem muito a dizer e uma carga emocional muito maior. Além disso, escritoras ou escritores que pertençam a grupos vulnerabilizados, seja pelo racismo, seja pela sexualidade ou por xenofobia também são tendências. Essas pessoas possuem muito a dizer e suas vozes ecoam com mais força na medida em que o mercado percebe que a representatividade é uma necessidade, uma demanda, pois também os leitores são diversos e se sentem mais bem representados quando encontram autores que compreendem suas dores.”

Segundo uma matéria publicana no Estadão, a literatura feminista é uma que vem ganhando espaço no país, na contramão dos números decrescentes. Por exemplo, a matéria cita a Primavera Editorial, que redirecionou seu catálogo há três anos e desde então 75% das obras publicadas são sobre feminismo e universo feminino. Com isso, o faturamento subiu em torno de 30% no primeiro ano, 20% no segundo e 18% em 2019.

Vanessa revela esperança em seu trabalho:
“O nosso cliente é o leitor e, para completar, é um país com analfabetismo funcional enorme, mas todos podem virar leitores,. Basta os estímulos certos. O escritor precisa escrever, fazer o marketing e ainda conseguir transformar não leitores em leitores. O jeito é arregaçar as mangas e fazer trabalho de formiguinha.”

Apesar dos problemas que o mercado editorial enfrenta, os escritores e seus leitores não abandonam os livros e buscam por novas iniciativas para manter o setor funcionando.

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