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29/03/2021 às 17h42min - Atualizada em 29/03/2021 às 17h22min

Resenha: "Descarte" e a cultura do lixo no Brasil

Documentário levanta debate sobre produção de lixo no país e formas de acabar com o desperdício através da arte

Virginia Oliveira - revisado por Jonathan Rosa
Arte feita para o filme "Descarte". (Foto: Reprodução/ Descarte.net)

O documentário “Descarte” desdobra a relação humana com a produção de lixo e toda problemática que circunda esse assunto. A obra do diretor e documentarista, Leonardo Brantfoi rodada durante o período de pandemia e traz dados e relatos que despertam um senso de responsabilidade e urgência. O filme foi lançado em 28 de janeiro deste ano, tem duração de 52 minutos e está disponível em diversas plataformas, como o Videocamp, que exibe o longa gratuitamente.

Logo no início somos confrontados com o significado da palavra “lixo”, isso porque durante o documentário é colocado em xeque toda a má concepção que se tem sobre o termo. É como se a cada instante o autor estivesse perguntando "o que é lixo para você?", e à medida que o longa avança, o público é instigado a avaliar suas convicções sobre essa palavra. A partir desse questionamento, é apresentado a desconstrução da ideia de que os resíduos que descartamos não têm mais jeito.

As imagens dos caminhões de coleta, dos grandes centros urbanos invadidos pelos resíduos nas ruas, as montanhas de rejeitos nos lixões, as carroças dos catadores que recolhem materiais para reciclagem, são cenários que estamos acostumados a ver todos os dias. Mas no olhar de Brant ganham um peso dramático, ainda mais com a trilha sonora de música clássica acompanhada dos depoimentos de diversos entrevistados. Entre os convidados estão profissionais de várias áreas do conhecimento, artistas, catadores e ativistas, cada um discorrendo sobre o assunto a partir de seu próprio prisma.

A obra mostra através do trabalho manual a transformação do lixo em arte, mobília, instrumento musical, roupa nova e fonte de renda. Isso desconstrói o aspecto pejorativo atribuído aos resíduos e incentiva enxergar nos descartes um potencial. Esses processos remetem à nossa relação com a natureza antes da revolução industrial, mostrando o quão inconsciente o ser humano é sobre o uso de recursos naturais, sem saber a procedência dos objetos e nem para onde vão depois de jogados fora. 

 
Além de toda visão criativa, o autor também aborda o lado socioeconômico e político do assunto, expondo, por exemplo, a invisibilidade enfrentada pelos catadores. Eles são responsáveis por 90% da reciclagem e ainda assim são pouco valorizados e vistos com preconceito. Outra situação é a existência de lixões que são enquadrados como crimes ambientais, mas permanecem sendo utilizados como local de descarte irregular. Esses casos reforçam o discurso apresentado ao longo do filme sobre a "cultura do lixo" que existe no Brasil, comportamento que está ligado à falta de educação ambiental da sociedade.



Vários dados são apresentados durante o documentário, um deles revela que o brasileiro gera em média cerca de 1kg de resíduos por dia, desse montante, apenas 2% são reciclados. O resto vai parar em aterros e mesmo assim poluem os solos, o susto é grande ao saber que a maioria desse lixo poderia ser reutilizado e voltar para o mercado. "A gente enterra no Brasil, por ano, cerca de 14 bilhões de reais em matéria prima", disse Mundano, um dos entrevistados no filme, e fundador do Pimp my Carroça, organização dedicada a apoiar catadores pelo Brasil a fora.

Trailer oficial do filme "Descarte". (Reprodução: Deusdará filmes - YouTube)


O filme traz uma desmistificação em relação à problemática que circunda o assunto “lixo”, revelando que a discussão ultrapassa a esfera ambiental e abraça todo e cada aspecto da vida humana. A alta produção de lixo pode significar desigualdade, consumo desenfreado, falta de política pública, e uma cultura nociva em que o importante é ter e ter cada vez mais.


A obra faz um convite para repensarmos nosso estilo de vida e ensina que a resolução desses problemas começa com um trabalho em conjunto. Unindo empresas e pessoas comuns através de medidas de logística inversa na grande indústria, mas também em mudanças de hábitos do nosso dia a dia. Afinal, não é só sobre lixo, é sobre existência humana.


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