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13/08/2021 às 23h18min - Atualizada em 08/08/2021 às 17h31min

Como os temas sociais são abordados nas telenovelas brasileiras

Com o propósito de fomentar a opinião pública, algumas produções abordam temas que provocam mudanças reais na sociedade

Pedro Lima - revisado por Jonathan Rosa
Vera Fischer e Carolina Dieckmann, nos bastidores da novela Laços de Família. (Foto: Reprodução /Estrelando)

Sabemos que a telenovela tem um formato consolidado, e que ainda exerce um papel importante no cotidiano da sociedade. Por conta disso muitos autores aproveitam a oportunidade para promover campanhas socioeducativas, tendo como finalidade incentivar ações sociais que venham influenciar e até mesmo modificar o comportamento da sociedade.

O precursor a trazer à tona assuntos relevantes ao público foi o autor Dias Gomes, que discutiu a reforma agrária na novela Verão Vermelho (1969), anos depois o tema voltaria ao ar através de Benedito Ruy Barbosa em O Rei do Gado (1996). Já nos anos 70 Janete Clair, mostrou as consequências que a construção do metrô traria ao meio ambiente em Duas Vidas (1977). Em 1979 Lauro César Muniz discutiu um tema que tabu até os dias de hoje, a eutanásia em Os Gigantes.

A abordagem de temas sociais veio se popularizar em 1990, quando ia ao ar a novela Barriga de Aluguel da autoria de Glória Perez, a trama mostrou os limites éticos da inseminação artificial envolvendo mães de aluguel. Considerada como a autora que mais aborda esse tipo de tema em suas novelas, Glória abordou nas tramas seguintes fatos como o transplante de coração em De Corpo e Alma (1992). Já em Explode Coração (1995) a autora trouxe o drama das mães que tinham filhos desaparecidos, o tema ganhou grande repercussão no país e ajudou mais de 60 crianças a serem reencontradas.

Em uma entrevista concedida a André Bernardo e Cintia Lopes, para o livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”, a autora contou o que a levou a inserir a campanha das crianças desaparecidas na novela:

“Lembro-me de que eu passava todos os dias pela Cinelândia e via aquelas mulheres, sentadas ali [na escadaria da Assembleia Legislativa do Rio], com o retratinho dos filhos nas mãos. Milhares de pessoas passam por lá todos os dias, mas ninguém presta atenção nelas. (…) Um dia, passei, vi e pensei: ‘Meu Deus, isso só precisa de um pouco de divulgação. Se essas pessoas estiverem vivas, alguém deve tê-las visto.”.

Para o livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, do Projeto Memória Globo, em 2008, Glória afirmou que a campanha abordada em Explode Coração foi a mais gratificante de sua carreira: “Porque ganhou o coração de muita gente, de muitos donos de supermercados e industriais, que até hoje continuam colaborando [com fotos e anúncios nos estabelecimentos]. A campanha teve continuidade. Foi um dos poucos casos em que a novela acabou, mas a mobilização permaneceu.”

Em 2001 O Clone teve como pano de fundo o uso das drogas, o alcoolismo e a clonagem humana. Já em América (2005) discutiu sobre a imigração ilegal e a cleptomania, a esquizofrenia em Caminhos das Índias (2009), em Salve Jorge (2012) o tema central foi o tráfico humano e em sua última novela A Força do Querer (2017), Glória foi visceral ao retratar sobre o transgênero, o vício em jogos e o tráfico de drogas.

Manoel Carlos é outro autor que levanta grandes questões sociais em seus projetos, alguns tendo grande impacto na sociedade. Em 1995, trouxe a paraplegia e o câncer de mama para pauta em História de Amor. Já em 2000, Maneco (como conhecido no meio artístico) ousou em promover a campanha do transplante de medula em Laços de Família. Com a repercussão da novela, houve um grande aumento nos doadores de sangue, medula óssea e órgãos na época.

Em depoimento ao livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo, o autor declarou: “Não abro mão de incluir temas na minha novela que possam motivar o público e levá-lo a exercer atos de generosidade”.


Na novela Mulheres Apaixonadas (2003), o autor retratou também a violência doméstica e os maus tratos a idosos, este último tema chocou o país de tal forma que fez acelerar a aprovação do estatuto do idoso. Além disso, houve um incentivo no aumento das denúncias de agressões contra os idosos. Em 2006 Páginas da Vida mostrou a rotina de uma família com pessoas portadoras da síndrome de down e em 2009 a tetraplegia em Viver a Vida.

No entanto, os temas pautados nas telenovelas precisam ser abordados com cuidado, e levados ao público com clareza. Só assim conseguirão cumprir o seu objetivo que é o de fomentar a opinião pública diante de um determinado assunto e ao mesmo tempo orientar a massa. Além de trazer lucro e repercussão a emissora através da audiência.

Porém há novelas que pecam ao abordar determinados temas. A exemplo O Outro Lado do Paraíso (2017/2018), que mostrou a violência doméstica como incorporação de um espírito maligno. O autor Walcyr Carrasco ainda inseriu uma propaganda paga através da personagem Laura (Bella Piero), que fora abusada sexualmente pelo padrasto. Para elucidar o caso e lembrar de fato o que acontecia com a jovem, a mesma buscou ajuda de uma coach que realizava sessões de hipnose.

Gerando inúmeras críticas ao autor e ao Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu um processo para analisar a conduta do IBC. O interesse em vender um tema às vezes se sobrepõe à proposta que é de levar informação aos telespectadores e de formar opinião, o que acaba gerando um merchandising comercial e assim desempossado o objetivo principal da telenovela.
 

Entrevista originalmente publicada no Portal Comenta em 27/01/2020


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