Quando Sex Education, série inglesa, foi lançada na Netflix lá em 2019, ninguém poderia prever que ela agradaria tanto o público jovem. Com um elenco pouco conhecido, porém muito talentoso, humor ácido, uma extensa diversidade e sem muita enrolação e apelação para falar de tabus, a plataforma apostou e conseguiu um grande sucesso, principalmente no Brasil - em seu ano de estreia, a produção foi a quinta mais assistida pelo público brasileiro na plataforma.
A trama é diferente da maioria das séries adolescentes e, em apenas três temporadas, tornou-se a queridinha de muitos e seus lançamentos costumam parar a internet. Com uma perspectiva única e diálogos sem rodeios acerca de problemas sexuais enfrentados por jovens e adultos, o drama da Netflix acompanha Otis (Asa Butterfield). O personagem adolescente dirige uma clínica secreta de terapia sexual em sua escola, Moordale High, enquanto lida com seus próprios problemas. A série é realmente genuína. Ao contrário das grandes produções de Hollywood, ela é uma grande novidade ao não ter medo de mostrar e abordar tópicos polêmicos de maneira realista, com maturidade, respeito e muito humor.
Desde seu início, a narrativa e sua criadora, Laurie Nunn, prometeram deixar bem claro a importância de se naturalizar certas conversas e cumpriram, como poucas séries de TV conseguem. Em sua terceira temporada, por exemplo, enquanto segue aprofundando a personalidade de seus (ótimos) personagens, a série faz uma crítica direta à desinformação e ao moralismo que impedem o acesso de adolescentes (e outras tantas pessoas) a dados importantes sobre sua saúde e sua qualidade de vida. O trabalho dos roteiristas é muito bem elaborado ao questionar os perigos da ignorância em um lugar que deveria ser seguro e confiável – a escola - e ao criticar também a hipocrisia de quem insiste em se escandalizar com a ideia de que jovens também fazem sexo e têm personalidades próprias. E continua com uma qualidade impecável.
Devido aos avanços tecnológicos, as informações são facilmente divulgadas e o conhecimento chega a lugares antes inalcançáveis. Porém, por conta desse acesso imediato a inúmeros materiais disponibilizados na internet, é oferecida uma visão distorcida do sexo. Assim, bombardeados pela pornografia e confusos sobre como iniciar a vida sexual, os jovens acabam tendo que resolver a questão por si mesmos.
Se à primeira vista a série parecia um clichê sobre as dificuldades dos adolescentes em começar a vida sexual, ao longo de suas três temporadas é mostrado que a trama é usada para discutir assuntos profundos e que ressoam também na vida de adultos. É importante destacar que a série não fala apenas de sexo e sim de histórias, usando a sexualidade humana como plano de fundo.
Os espectadores aprendem com Sex Education, tanto os mais velhos como os mais novos. Com muita responsabilidade, a série fala sobre assuntos que são necessários e indispensáveis para a formação de um indivíduo: aborto, masturbação e assédio sexual estão entre os temas. Além de abordar questões que os jovens precisam saber, mas têm vergonha de perguntar, e que os adultos — e o sistema educacional como um todo — têm dificuldade em responder com sinceridade.
Essa “educação sexual”, que é combatida e demonizada por setores religiosos, ainda é ineficaz mesmo na Inglaterra, como a trama destaca. Com uma direção conservadora, o ensino médio de Moordale não faz esforços para tratar da questão e o diálogo entre estudantes interessados em sexo com os professores é constrangedor e parece impossível.
Na terceira temporada, o colégio da trama ganhou na mídia o apelido sensacionalista de “escola do sexo”. A partir disso, passa a ser abordado um novo semestre, em que se tenta lidar com a “fama” e recuperar a reputação da instituição. Para isso, chega uma nova diretora, Hope (Jemima Kirke). Apesar de ser muito jovem e ter um ar descolado, esconde uma postura careta, preconceituosa e implacável que vai tornando a experiência dos alunos cada vez mais rígida e tensa. Representado o conservadorismo exagerado e a vista grossa sobre a personalidade dos estudantes, ela acredita que o problema é a falta de pulso firme.
Não dá para negar que educar sexualmente crianças e jovens é uma tarefa muito difícil e complexa para pais e um desafio para as escolas, além de ser arriscado para a área do audiovisual. É uma questão delicada, que deve ser tratada de forma natural, mas o que não pode é fugir do assunto. Nos últimos anos, essa temática virou alvo de campanhas de desinformação por políticos e anônimos nas redes sociais, em que muitas vezes é pregada a abstinência sexual e o famoso “tudo tem seu tempo”.
Moordale High pode ser fictícia, mas a curiosidade acerca de temas sexuais se assemelha com qualquer outro colégio. Assim, nas temporadas de Sex Education é retratado, diretamente ou não, tanto o interesse adolescente pelo assunto quanto o impacto negativo de não abordá-lo (durante todos os episódios, cada um dos estudantes que lida diretamente com seu questionamento se vê mais desenvolvido e bem-resolvido).
Uma curiosidade interessante sobre é a série é a maneira como suas cenas íntimas são gravadas. Mesmo que interpretem adolescentes no auge de suas descobertas sexuais, os atores de Sex Education têm idades que variam entre 22 e 29 anos e a Netflix sempre toma os cuidados necessários para que eles se sentissem confortáveis durante as gravações dessas cenas.
As cenas de sexo são bagunçadas e não-romantizadas. E é justamente pensando nisso que a produção trouxe Ita O’Brien, uma coreografa de cenas de intimidade, romance e sexo, para o grupo de diretores. Foi ensinado técnicas para que as cenas íntimas fossem confortáveis e completamente fictícias, com o intuito de ensinar a enxergar e comunicar os limites nessas cenas. Sets de filmagens precisam ser seguros para todos os envolvidos, principalmente para as mulheres, que, muitas vezes, são vítimas desses ambientes.
Tanto que mobilizações como a #MeToo e #ChegaDeAssédio realçaram e enfatizaram uma discussão recorrente sobre situações em que o limite não foi respeitada dentro de ambientes de trabalho. Nesse sentido, é importante que o respeito e igualdade se torne norma e seja, efetivamente, colocado em prática. A produção da série acerta quando leva isso em consideração, principalmente por se tratar de um elenco com muitos novatos.
Outro ponto que facilmente perceptível é sua estética. Apesar da trama se passar nos dias atuais (com assuntos e linguagens atuais), toda sua ambientação remete a outros tempos. Carros velhos, a decoração retrô das casas e as imagens das tvs tem qualidade e formato de tela de uma televisão de tubo, por exemplo.
A fotografia possui uma pegada anos 1980 que, as vezes, até chega a confundir em que década o seriado se desenrola, já que tons pastéis, detalhamento de cenário se destacam e o estilo de filmagem é muito original. Esse erro cronológico e contraste, em que smartphones e chamadas de vídeo nunca estão no centro das narrativas, são um charme e criam uma característica única que entrega conforto e um pano de fundo nostálgico.
Também é possível perceber menções a década passada e suas influências em que elementos visuais de várias décadas são combinados, como figurinos inspirados em clássicos dos anos 1980 e os carros de 1970 e 1990. John Hughes é constantemente homenageado e seus filmes (Curtindo a vida adoidado, por exemplo) são referências para a série.
Com paisagens lindas e trilha sonora impecável, há muito para ser admirado durante os quase sessenta minutos de cada episódio. Sex Education propõe falar sobre muitos assuntos relevantes, acerta de forma bonita e humana e consegue ensinar uma coisa ou duas até para os mais entendidos. O universo da trama inglesa é quase uma utopia, um mundo em que as pessoas – pelo menos a maioria - respeitam as diferenças, aprendem e evoluem com elas. A precisão e sinceridade nos discursos da narrativa se destacam, visto que a produção não tem medo de retratar tabus do modo mais real possível, sem esconder a esquisitice e o desconforto, criando cenas raramente vistas de modo real. Sex Education reforça, ainda mais, a importância de resistir e lutar por aquilo que se acredita.