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07/10/2021 às 18h16min - Atualizada em 05/10/2021 às 15h51min

40 anos de carreira do inquieto Guaraci Gabriel

O artista visual potiguar comemora seus 40 anos de carreira fazendo arte: “O dia de minha aposentadoria será o mesmo em que eu parar de respirar”

Cleciane Vieira - editado por Luhê Ramos
Créditos: Arquivo de Guaraci Gabriel

Há quarenta anos, o artista visual Guaraci Gabriel faz arte como ninguém. Sua arte é conhecida por provocar reflexões e inspirar grandes discussões, além de gerar as mais diversas interpretações. Natural do município de São Pedro do Potengi /RN, foi brincando com objetos de casa que aos 7 anos Guaraci deu indícios de que seguiria uma carreira promissora como artista. Foi também acompanhando o trabalho de mulheres artesãs que ele começou a esculpir materiais inspirados no cotidiano da fazenda de sua mãe. 

Ao longo de sua jornada teve o incentivo de sua professora primária, Joana Sabina, que foi uma das primeiras pessoas a perceber seu dom artístico ainda durante sua infância. E já em sua fase adulta, ao estudar na Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, recebeu o importante apoio do professor Thomé Filgueira, com quem aprendeu a desenhar e pintar.  

Ao sair da ETFRN, montou o grupo de artes “Oxente”, atuante na década de 80, juntamente com os também artistas Sayonara Pinheiro, Civone Medeiros e Cícero Cunha Mikeas. O grupo o levou a conhecer países e a participar de eventos como a Bienal de São Paulo. 

Nesses últimos anos, Guaraci procurou manter-se informado sobre assuntos que abordam questões sociais. Nada individualista, mantém a ideia de pensar sempre no coletivo, e a cada obra se pergunta: “como posso colaborar com o mundo? O que posso transmitir com isso?”. 

Seus temas abordam demandas urgentes e necessárias como, a fome, educação, política e questões socioculturais. E o que ele quer com isso? Envolver o público! Provocar discussões e fazer a sociedade pensar no que está acontecendo nos últimos tempos. 

Acostumado com polêmicas, Guaraci levantou críticas importantes com a produção do “Crucifixo Coação em Cristo de Escape” (1996). Conhecido em dizer que seu trabalho preferido sempre será “o próximo”, é essa obra localizada no fim da Via Costeira, em Natal/RN, que ainda o deixa impressionado. “O Cristo, feito com canos de escape de automóvel, foi meu primeiro trabalho de 12 m de altura”, lembra. 

Com vários significados e ressignificados, a obra tem uma forte ligação com seu pai falecido em 96. “Eu sou de uma família muito católica, quando meu pai morreu, pensei em encher a cidade com várias cruzes. Porém, fui sintetizando a ideia e resolvi fazer uma única cruz grande por ele ter sido um homem grandioso”, disse. 

A escultura foi criando seu caminho e, como disse Gabriel, "começou a ter vida própria”. Um dos sentidos que a criação tomou foi relacionado a crises políticas, sociais e econômicas, pois segundo o artista, “as pessoas usam Cristo como escape”

“O Cristo foi morto e crucificado entre dois ladrões, por isso as duas brasílias entre a cruz, porque na época permeava uma discussão sobre a corrupção apenas de um lado. Mas para mim a corrupção era e é geral, tanto de esquerda quanto de direita, e as brasílias representam isso”, explica. 


Desde 1998, Guaraci é o único potiguar a ter o nome nas páginas do Guiness Book, mérito pela obra “Guerra e Paz”, a maior escultura de material reciclado do mundo, pesando 50 toneladas e contendo 24 metros de altura. O artista já premiado com o “Fecho de Ouro”, tem um carinho especial pelo momento em que conduziu a tocha olímpica em Mossoró/RN, durante a Olimpíada de 2016. 

Escolhido merecidamente pela Nissan para participar do evento, devido ao seu conjunto de obras produzidas na cidade, Guaraci lembra ter ficado emocionado. “Fui considerado uma pessoa de destaque. Achei muito bacana! E mais ainda por ter conquistado o reconhecimento em minha terra”. Para ele a sensação foi melhor do que ter ganho prêmios físicos. 

Sua obra mais recente honra a passagem do professor Paulo Freire ao estado do Rio Grande do Norte, com uma escultura em aço, medindo 10 metros de altura, 7 metros de largura, e pesando 3,5 toneladas de ferro e 100 toneladas de granito. Guaraci usou como referência uma pintura do artista surrealista Salvador Dalí, de 1931. 

A obra intitulada “40 Horas de Angicos”, recebe o mesmo nome do projeto educacional de alfabetização implementado por Paulo Freire, no munícipio Angicos/RN, entre os anos de 1962 e 1963. O educador conseguiu alfabetizar cerca de 380 trabalhadores em 40 horas. Freire completaria 100 anos de vida no último 19 de setembro, mesma data da inauguração da escultura feita em sua homenagem, localizada próximo ao Pico do Cabugi. 

“Além do centenário de Paulo, escolhi homenageá-lo pela falta de educação que eu mesmo tenho e pela questão social que ele defendia: o de colocar o ser humano em seu lugar de pensador. Ele não ensinava apenas a ler e escrever, ele ensinava as pessoas a raciocinarem e a tomarem posições na vida, o que para esse momento que estamos passando no país é muito oportuno”

Guaraci demonstra muita gratidão a quem contribui com a realização de cada projeto, e classifica seus trabalhos como “colagens”. “O trabalho não pertence só a mim! Tem o soldador que dá uma opinião, tem o mecânico e o rapaz que dirige a caçamba. Eu escuto a todos, o que acaba sendo um trabalho coletivo. Mesmo que meu ego seja grande, eu tento quebrá-lo e digo ‘esse trabalho não é meu, é nosso!”, confirma. 

Inquieto, a curiosidade o fez enxergar uma das ferramentas de trabalho do grafiteiro com outros olhos. O stencil enquanto usado como material que produz a arte, Guaraci o utiliza como a própria obra de arte. E com a ajuda da natureza, ele perfecciona sua ideia. "A nuance das cores da natureza é quem vai conduzir a obra. O ambiente interfere diretamente nesse novo estilo de arte que estou fazendo”. 

O mestre confessa que há mais ou menos 8 anos existe um projeto que ainda não saiu do papel por falta de apoiadores: um polvo gigante com uma comunidade diferente, pintada por grafiteiros, em cada tentáculo. Enquanto não encontra patrocinadores para realização desse trabalho, ele segue fazendo arte como pode. 

Até hoje ele sente a ânsia e o nervosismo que cada novo trabalho é capaz de proporcionar. E sabendo bem da necessidade que enfrentou em sua vida e tendo como sua maior inspiração a vontade de fazer algo que o realize, ele diz que não deseja parar de trabalhar. “O dia de minha aposentadoria será o mesmo em que eu parar de respirar”


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