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22/03/2022 às 19h42min - Atualizada em 11/03/2022 às 17h39min

Pressão estética e a busca incessante pela beleza irreal da internet

A pressão estética feita pela mídia impõe um padrão de beleza inatingível para as mulheres por conta de blogueiras que vendem corpos “fakes” e irreais na internet e influenciam outras mulheres a odiarem os próprios corpos

Ana Lara Venturini - Revisado por Isabelle Andrade
Lado esquerdo é um rosto real e o lado direito o rosto modificado no celular (Foto: Ilustração de André Mello / Agência O Globo)

Embora o estereótipo da perfeição não seja nenhuma novidade, é impossível negar o papel das redes sociais, da mídia e da indústria de entretenimento na reafirmação desse padrão de beleza completamente inalcançável nos tempos atuais, principalmente com a ascensão de blogueiras padrão que vendem uma vida e um corpo perfeitos e o uso de filtros que mudam completamente o rosto e fazem as pessoas acreditarem que aquilo que se vê é a beleza natural.

Padrão de beleza é uma expressão usada para se referir a um modelo de beleza que é considerado “ideal”. Atualmente, as redes sociais têm uma grande influência na valorização de determinados tipos de beleza inalcançáveis em detrimento de outros em que a maioria das mulheres se encaixa. Desse modo, essa situação da pressão estética na busca de um corpo perfeito afeta a vida de muitas mulheres que não veem corpos reais sendo representados no mundo das blogueiras.

O culto ao corpo perfeito compromete tanto os bolsos quanto a saúde física e mental das mulheres. A ideia de beleza é um conceito baseado em finalidades comerciais. Essa beleza artificial e inalcançável é vendida para mulheres inseguras com o próprio corpo, pois não se veem nas propagandas da internet. Além disso, é rejeitado o fato de que o conceito de beleza é subjetivo e pessoal, negando-se a pluralidade de diferentes tipos do que é belo. Com isso, abre-se caminho para preconceitos e estereótipos, e as pessoas que não se enquadram nesse padrão têm a autoestima afetada e se sentem deslocadas, inadequadas, inseguras e passam a se odiar.

Uma pesquisa realizada em 2020 pelo Movimento Corpo Livre, fundado pela jornalista e influencer Alexandra Gurgel, aponta que 96% das mulheres estão insatisfeitas com o próprio corpo. Aliado a esse dado, a estatística mais recente publicada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostra que são feitas mais de 1,5 milhão de intervenções estéticas todos os anos. O dado tem preocupado especialistas, não só pelo número de casos que acabam em tragédias, mas, sobretudo, pela forma como a publicidade indiscriminada em perfis nas redes sociais tem vendido sucessos sem informar os riscos e aumenta a pressão da ideia de um corpo perfeito.



Há pouco tempo, a Lipoaspiração de Alta Definição, conhecida como lipo LAD ou  lipo HD, é um procedimento que ficou popular no Brasil ao longo de 2020. Para se ter uma ideia, as buscas pelo termo no Google cresceram 350% no país entre agosto e novembro de 2020 e continou com seu sucesso em 2021. Lipo LAD é o nome popular de uma cirurgia plástica que remove camadas superficiais de gordura do corpo para garantir definição muscular. O procedimento ficou muito conhecido entre celebridade e influenciadores que passaram a postar seu passo a passo e resultados nas redes sociais. A cirurgia tornou-se o sonho de muitos por prometer uma barriga tanquinho para quem a fizer e também pelas redes sociais, que foram responsáveis por influenciar muitas pessoas a quererem o procedimento. O problema é que esse é um procedimento extremamente caro, o que faz com muitas mulheres não consigam pagar por ele, além de ser perigoso, fato que muitas blogueiras que o fazem por permuta (e não pagam nada) não explicitam para seus seguidores.


Um exemplo dos riscos dessa cirurgia foi a influenciadora Liliane Amorim, de 26 anos, que fez uma lipo LAD e, dias depois do procedimento, começou a sentir fortes dores pelo corpo. Ela foi internada em estado grave 5 dias depois do procedimento e 10 dias depois morreu. O laudo da perícia disse que a morte foi decorrência de uma infecção ocasionada por uma perfuração no intestino causada pela cirurgia.

No entanto, não só as cirurgias apresentam risco, como toda a questão da pressão estética também afetam a saúde mental. O caso mais recente que pode ser usado como exemplo do perigo da pressão estética foi o da cantora Paulinha Abelha, vocalista da banda Calcinha Preta, que morreu por ter utilizado um mix de substâncias para dormir bem, ficar alerta no trabalho, ganhar definição muscular e, principalmente, emagrecer. O laudo apresentou o painel toxicológico, que encontrou 16 substâncias que, misturadas, contribuíram para o falecimento da cantora. Um dos medicamentos encontrados no corpo da artista é um tarja preta comumente usado no tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH), mas que tem como efeitos adversos a redução de apetite, perda de peso, náuseas e vômito. O remédio fazia parte de uma receita médica fornecida pela nutróloga que acompanhava Paulinha. Além disso, a profissional também receitou um antidepressivo, um redutor de apetite, calmantes naturais, estimulantes, cápsulas para memória e uma fórmula que promete reduzir medidas, manipulada com erva asiática. Essa droga é "potencialmente hepatotóxica", ou seja, possui substâncias químicas que podem causar danos ao fígado e podem levar até mesmo à hepatite fulminante, que foi uma das doenças que levou Paulinha à morte, além de meningoencefalite, insuficiência renal aguda e hipertensão craniana, que causou morte cerebral.



A enganação dos filtros

Um dos principais responsáveis pela distorção de imagem muito utilizado nas redes sociais são os filtros do Instagram. Se tudo é tão perfeito na rede social - os corpos, os cenários, as fotos - por que a pele também não seria? Nos stories, não existem peles com poros, manchas ou acnes. Os filtros escondem tudo isso, porque ninguém tem a pele perfeitamente suavizada como eles deixam e isso acaba afetando imensamente a autoimagem e consequentemente, a autoestima das pessoas. Os padrões de beleza inatingíveis hoje em dia são ficção da rede social, mas a realidade é completamente diferente e deixam as pessoas frustradas quando se olham no espelho.

Os filtros do Instagram começaram como uma forma divertida e inofensiva de "se fantasiar", com orelhinhas de cachorro, bigodes de gatinhos e óculos divertidos. Mas não demorou muito para surgiram os efeitos que transformassem completamente os rostos, aumentando a boca, afinando o nariz, puxando os olhos e maquiando a pele, padronizando a aparência perfeita de Kardashian. As Kardashians são blogueiras conhecidas por terem corpos esculturais e impossíveis de serem alcançados sem passar por inúmeras cirurgias e procedimentos estéticos, que usam a sua imagem para vender produtos das próprias marcas com a promessa de “compre isso que você vai ficar igual a mim”. Desse modo, por serem muito utilizados pelas blogueiras do mundo todo, os filtros acabam influenciando e enganando muitas mulheres que acreditam que aquela é a beleza natural das influencers e se culpam por não serem da mesma forma e se escondem atrás dos filtros para se sentir bem.



Por mais inofensivos que os filtros possam parecer, eles transformaram a forma que enxergamos a nós mesmos e hoje em dia postar uma selfie sem nenhum filtro ou edição, se tornou um ato de coragem. As pessoas olham para suas imagens reformadas na tela do celular e enxergam isso como um melhoramento de si mesmo, fazendo com que sua real aparência não seja suficiente, afetando muito a autoestima principalmente de mulheres e jovens.

Um grande exemplo atual é de uma participante do Big Brother Brasil 22, Jade Picon. Entusiasta dos filtros de beleza, que retocam a aparência física nas fotos e nos vídeos publicados em suas redes, ao anunciar sua participação no BBB 22, Jade fez uma promessa ao público. A influencer disse que se mostraria agora longe das ferramentas de edição que ajudaram a projetá-la como um ícone estético e, através das câmeras da casa, os fãs a veriam, enfim, “sem filtros”. “Somente eu: a Jade”, anunciou.

A aparência “real” da blogueira acabou, claro, virando assunto na internet. Houve quem não conseguisse reconhecê-la sem os recursos que corrigem as imperfeições físicas e houve quem repensasse a sua própria relação com os filtros. “Ver a Jade no BBB abriu totalmente meus olhos”, disse uma jovem espectadora no Twitter. “Sigo ela há muitos anos e sempre coloquei ela como uma deusa até ver que ela é normal”, completou.


No entanto, os dados em torno do assunto são assustadores e comprovam que de inofensivos, os filtros não têm nada. Um fenômeno chamado “Dismorfia do Snapchat”, em homenagem à rede que iniciou o “boom” dos filtros, mostrou que um grande número de jovens mulheres estão levando à cirurgiões plásticos fotos de si mesma com filtros, dizendo que é assim que elas querem parecer. Como consequência desse fenômeno, as intervenções físicas mais procuradas nos últimos anos foram a rinoplastia (que afina o nariz), o preenchimento labial (que aumenta a boca) e a bichectomia (que afina o rosto).

A famosa cantora brasileira Anitta é um exemplo disso. Sempre muito sincera, Anitta falou abertamente e sem problemas sobre os seus procedimentos estéticos. Em uma live no Instagram, a cantora revelou que antes de fazer as cirurgias plásticas, usava Photoshop para editar as imperfeições nas fotos e decidiu mostrar a foto modificada para o médico dizendo que era como queria ficar. “Eu brincava muito [com Photoshop]. Eu fui no meu médico e falei: ‘Eu estou fazendo muita coisa no Photoshop, com meu queixo, meu nariz, não quero fazer mais isso. Você pode fazer isso na vida real? E ele fez”. Ela complementa dizendo que a internet vende muito essa imagem de que todo mundo é perfeito e que não julga quem usa filtros e Photoshop, mas manda tomar cuidado e não ligar para comentários sobre você, para não ficar louco.




A psiquiatra Joana De Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio observa que, com o corpo das celebridades mudando em tempo real diante de todos, a transformação física não é mais algo que precisamos esconder. Ela lembra que recursos para editar nossa aparência sempre existiram, da maquiagem ao Photoshop. A novidade é que agora eles estão a rápido alcance, alimentando um mercado milionário. “A transformação física é espetacularizada ao ser registrada passo a passo”, diz a psiquiatra. Ela ainda relata que o corpo vira um produto, e que o sujeito não precisa ser protagonista de uma novela isso acontecer. “A figura do influencer contribui porque o influencer também pode ser qualquer um com um celular. É um empreendedorismo de si mesmo, a lógica do “corre atrás”, “todo mundo consegue, então por que você não”? Por isso aparece tanta gente deprimida”, finalizou Novaes.

As mudanças de pensamento

Contudo, esse costume de viver a vida através de um filtro e da ilusão de um feed de fotos com o corpo perfeito ou sequência de Stories com o rosto perfeito já tem efeitos palpáveis e negativos em toda uma geração. A Doutora Ana Paula Carvalho, médica psiquiatra especializada em Lifestyle Medicine pela Harvard Medical School disse: "Os diagnósticos de depressão e ansiedade vem se tornando cada vez mais comuns por decorrência do fenômeno das redes sociais e das selfies". Entre os efeitos negativos do uso das redes sociais, a psiquiatra lista dismorfia corporal (que é a insatisfação com a própria imagem), depressão, ansiedade e transtornos alimentares, todos decorrentes de padrões inalcançáveis.

A naturalização da influência de um padrão corporal impossível na internet é muito problemática visto que mulheres perdem sua identidade, individualidade e sua essência para essa pressão. Além da saúde mental, essa perfeição também afeta a saúde física, pois as pessoas acabam recorrendo a meios mais rápidos e pouco sustentáveis, como dietas malucas super restritivas, jejum prolongado e atividade física excessiva, mas que a longo prazo se tornam insustentáveis e perigosos, podendo levar a transtornos de imagem, e doenças como anorexias ou bulimias. Desse modo, também é preciso reconhecer que apesar de todas essas situações, algumas pessoas já estão “acordando” da alienação produzida pelas redes e percebendo essa problemática.

Recentemente, entretanto, viralizou uma trend no Instagram com as pessoas desacreditadas em como o filtro mudava completamente o seu rosto com um áudio que diz: "Eu estou realmente muito confusa, porque eu vi algumas pessoas usando esse filtro e eu não percebi que eles não se pareciam com isso, eu só gostei das cores do filtro e então eu pensei 'Ah, eu vou usar', e então eu ponho no meu rosto e esse não é meu rosto (com filtro), esse é o meu rosto (sem fitro)".

 


Além disso, algumas celebridades como Taís Araújo, Mariana Goldfarb, Paolla Oliveira e Preta Gil até aderiram ao movimento #NoFilter (sem filtro), barrando as ferramentas de suas publicações. A modelo Raissa Santana, miss Brasil 2016 disse que: “Não exagerar nos filtros nos ajuda a se conectar com quem está ali do outro lado. E é bom para a saúde mental. O importante é a gente entender por que está usando um filtro, e usar quando se sente confortável, não por obrigação”.

Desse modo, à luz dos fatos apresentados acima, é inegável os problemas que essa influência negativa faz nas pessoas e o aconselhável é filtrar os conteúdos que se consome na internet e acompanhar pessoas reais e com corpos reais que reforçam a representatividade plural das pessoas. Padrões são feitos para serem quebrados, ninguém é igual a ninguém, então não se compare, e siga pessoas que você se identifica.


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