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12/02/2023 às 22h57min - Atualizada em 12/02/2023 às 21h26min

Anayde Beiriz: a “phantera negra” brasileira como símbolo de força e ousadia

Em uma sociedade onde a participação da mulher era quase nula, existiu uma pessoa com ideais fortes que não se contentava com a submissão feminina, mas a sua voz foi silenciada. A história de Anayde Beiriz se assemelha com a história de muitas mulheres que, tanto no passado quanto no presente, foram punidas e inimizadas com justificativas em cima de padrões morais sexuais.

Vitória Barbara - Revisado por Danielle Carvalho
História de Anayde Beiriz. (Fonte: Reprodução / G1 - Globo)


Apelidada de "panthera negra" devido aos seus olhos negros, Anayde Beiriz foi uma mulher jovem a frente do seu tempo, de cabelos curtos, com talento incrível para poesia, além de ter sido professora. Ela nasceu em João Pessoa, no dia 18 de fevereiro de 1905, sendo filha do tipógrafo José da Costa Beiriz, que trabalhava no Jornal A União e da dona de casa Maria Augusta de Azevedo.

A sua história começa desde cedo, quando os seus pais conseguiram colocar Anayde para estudar em uma escola estadual, onde só estudavam as moças de classe média da sociedade paraibana. Durante os seus estudos na Escola Normal Oficial do Estado da Paraíba, Anayde se destacou por ter uma nitidez na fala e destreza para proclamar os seus pensamentos. Nas atividades escolares, era sempre a indicada para participar, como nos festejos do final do ano em que Anayde recitava poesias para todos.

Em peças teatrais, sempre tinha um papel de destaque. Terminou o curso de magistério aos dezessete anos de idade, sendo a primeira aluna de sua turma. Lutou para conseguir uma vaga de professora primária na capital, porém foi discriminada pela própria escola em que estudou,
pois não permitiu a presença de Anayde como professora, justamente por ser conceituada como uma mulher com ideias de liberdade e de emancipação feminina, sendo avançada demais para o seu tempo.

Depois de se formar,
Anayde foi convocada para lecionar em uma escola na colônia de pescadores em Cabedelo, que fica a 16 km da capital João Pessoa, local em que passou a trabalhar em dois turnos: durante o dia, educava as crianças e, à noite, alfabetizava os jovens e adultos da vila de pescadores.
 


Participação Social

É na história das mulheres que Anayde se faz presente. Na época em que viveu (1905-1930) o feminismo começava a ganhar representatividade no Brasil. A própria construção estética de Anayde era capaz de revelar a sua força. O corte de cabelo ganhou destaque quando pareceu novidade um cabelo tão curto em modelo francês.

Anayde chegou a ganhar um concurso de beleza em 1925, promovido pelo “Correio da Manhã”. Sua beleza se destacava, mas seus ideais progressistas e seu comportamento, que iam contra o pensamento conservador da década de 20, também eram uma marca pessoal.

Ela
mostrava para todos a sua insatisfação de não poder representar a própria voz em uma eleição. Escandalizou a sociedade paraibana que até então era muito antiquada. Usava pintura, cabelos curtos, saía às ruas sozinha, fumava, não queria casar nem ter filhos, escrevia versos que causavam um choque na intelectualidade paraibana e escrevia para os jornais.
 

 

Para compreender o que viveu Beiriz nesse período, é preciso saber qual o papel da mulher na Sociedade Paraibana dos anos 1920. A Paraíba ainda demonstrava a presença do patriarcalismo. A mulher era submissa aos homens, seu papel limitava-se apenas ao de esposa dedicada e, por esse motivo, não podiam ter profissões que fugissem das “prendas domésticas” (costurar, bordar, entre outras). Também era permitido o magistério para crianças, de preferência meninas.

As escolas eram divididas em duas categorias: para meninas e meninos, sendo proibido qualquer contato entre eles. Essa separação não ficava apenas nos colégios, se expandia para festas, igrejas e até mesmo em espaços públicos.
Anayde não se contentava com a participação da mulher apenas nas qualificações dadas pela sociedade da época. Ela defendia publicamente que a mulher deveria ter independência econômica e participação na política, o que a fazia ir às ruas, mostrando força em suas opiniões que não deixavam escondidas.
 

Jovem vanguardista, ela assumia a defesa dos direitos das mulheres, principalmente do voto feminino, da liberdade de expressão e do direito de amar sem restrições. Uma artista de vanguarda que já se pronunciava publicamente. Foi através de sua poesia em favor das mulheres que ela se tornou uma precursora do feminismo. Por conta de Anayde, as marcas do movimento de 1922, o modernismo, chegavam à "Parahyba".


Os seus textos com características do modernismo foram publicados enquanto colaboradora em circulares como a “Revista da Cidade” de Recife e a “Era Nova” da Paraíba. Um dos caminhos utilizado por Anayde Beiriz na luta em que abraçou foi o uso da comunicação por meio da imprensa escrita. Ela aproveitava o espaço para redigir matérias sobre as circunstâncias sociais, questões políticas e culturais em que se encontravam as mulheres daquela época.

É impossível falar de Anayde e não citar o seu espírito indomável, a sua capacidade literária, a sua visão do futuro que buscava a igualdade para as mulheres e da libertação das correntes da escravidão social e familiar a que as mulheres da sua época eram obrigadas a vivenciarem. Uma visionária da liberdade, Anayde sonhava com um mundo novo para as mulheres fortes e corajosas. Apelava para que elas não se submetessem à força dos preconceitos e da hipocrisia
através da palavra e da poesia.


Discretamente, conseguiu consolidar-se num espaço público que era totalmente masculino, através de publicações de artigos harmônicos com o espírito emancipatório das mulheres. Nessa época, iniciavam-se as lutas por mudanças comportamentais e da adoção de novos hábitos na sociedade. Em todo Brasil e na Paraíba convivia-se com lutas políticas e de mudanças de poder. 

Vida amorosa conflitante

Vida amorosa de Anayde.

Vida amorosa de Anayde.

(Foto: Reprodução / G1 Paraíba)

 

Nos relacionamentos amorosos, Anayde não nutria os costumes que eram comuns para a época. Ela era adepta do “amor livre”, que Del Priore descreve como, “[...] manifestação das emoções entre homens e mulheres. Em lugar do contrato de casamento efetuado diante da igreja e do Estado [...]” (2006; p.259).

O romance de Anayde e João Dantas a leva para história do Brasil e da Paraíba. Os acontecimentos vividos por eles culminaram com a Revolução de 30. No entanto, antes da sua relação com João Dantas, Anayde se apaixonou por outro rapaz de nome Heriberto Paiva, a quem chamava por apelidos carinhosos em cartas, como amor, maridinho, querido e trocava com ele palavras que se baralhavam em romance.

Depois disso, Anayde iniciou um romance com João Dantas, em 1928. Um advogado solteiro, que era contra os projetos políticos de João Pessoa e, por isso, passou a ser seu opositor. Na cidade de Princesa Isabel cultivavam-se as medidas coronelistas através do chefe político, o fazendeiro José Pereira.
 
Antes de entrar na história de Anayde e de João Dantas, é importante contextualizar sobre o que estava acontecendo com o nosso país naquela época.

Já no finalzinho de 1920, o Brasil estava passando pelo que hoje é conhecido como a "Política do Café com Leite". Os políticos dos estados de São Paulo e Minas Gerais se revezavam na presidência, mas no ano de 1929 o presidente da República Washington Luís, que era paulista, resolveu apoiar a candidatura de Júlio Prestes, o que desagradou os políticos mineiros que se aliaram ao Rio Grande do Sul, em apoio à candidatura de Getúlio Vargas.

Vargas tinha como vice João Pessoa, governador do Estado da Paraíba, que enfrentava uma revolta comandada pelo Coronel José Pereira, da cidade de Princesa. O Coronel alegava que seu comércio tinha sido prejudicado pela tributação imposta pelo presidente João Pessoa entre as cidades da Paraíba e Recife.
 
João Dantas era aliado do Coronel José Pereira e ambos apoiavam o candidato Júlio Prestes, que acabou sendo eleito, ocasionando maiores conflitos entre os aliados do Coronel e João Pessoa. Os conflitos se tornaram constantes na cidade de Princesa e João Dantas se viu obrigado a se refugiar em Recife, mas ainda mantendo o seu relacionamento com Anayde através de cartas.

No auge do conflito, João Pessoa determinou que as forças estaduais invadissem as casas de seus “inimigos” em busca de armas, dentre elas o escritório do advogado João Dantas. Os policiais não se deparam com armas, mas conseguiram abrir o cofre e encontraram as correspondências trocadas por Dantas e Anayde Beiriz.

Alguns livros de história relatam que essa correspondência foi publicada no jornal, mas os relatos de familiares afirmam que elas circularam de mão em mão. Essas cartas e poesias se tornaram polêmicas para a sociedade.

Diante desses fatos, João Dantas aproveitou que João Pessoa estava em Recife e na companhia do seu cunhado Augustus Caldas, foi até confeitaria Glória e disparou contra João Pessoa. Após o assassinato de João Pessoa, a comoção tomou conta de todo o Brasil e os revoltosos conseguiram chegar até o poder que, por consequência, ajudou o Getúlio Vargas assumir o cargo de Presidente do Brasil.

Anayde Beiriz passou a ser perseguida moralmente e politicamente e por isso, decidiu ir morar em um abrigo na cidade de Recife. Ela visitava João Dantas na prisão, mas logo ele foi encontrado morto em sua cela.

Beiriz é encontrada morta no dia 22 de outubro de 1930, supostamente a causa foi envenenamento. Ela foi sepultada no cemitério de Santo Amaro. Esses acontecimentos acarretaram na destruição de alguns documentos da poetisa.

 

 Anayde é mais que um caso amoroso


 

Apesar de sua história esteja muito ligada ao episódio entre João Dantas e João Pessoa, as características mais marcantes de Anayde estão na inteligência, na ousadia vivida através da escrita, por cartas e poemas, na sua estética com cabelos curtos e roupas da moda que demonstraram uma diferenciação das demais.

Foi uma mulher à frente de seu tempo, com um senso de responsabilidade e justiça. A sua história não se resume apenas ao seu relacionamento com João Dantas, ela teve e ainda tem o que oferecer para a nossa sociedade.

A sua história foi protagonizada no filme “Parahyba, Mulher Macho”, da cineasta Tizuka Yamasaki, devido a sua resistência, atuação política e liberdade de amar, enfrentando preconceitos e julgamentos. Anayde também foi personagem de alguns livros, entre eles clássicos da sua história, escritos pelos autores Marcus Aranha e Jose Joffily.

Dentro do projeto Primeira Leitura, com apoio da Energisa, a professora, poetisa, escritora e feminista ganhou vida em quadrinhos. A proposta foi voltada ao resgate histórico sobre a vida e obra de paraibanos que construíram ou constroem o universo desta terra e desta gente.

Sua morte foi consequência do patriarcado, da intolerância, do falso moralismo e das desigualdades
. Apesar da breve vida que Anayde teve, o seu exemplo permanece. Por várias décadas, seu nome foi excluído da história da Paraíba, porém, sua memória vem sendo recuperada pelas mulheres, de várias formas, em vários espaços.

A história de Anayde se coincide com as de outras mulheres da sua época. Ela estava inserida em uma sociedade que vivia fortemente o conflito entre a preservação das tradições e o medo que os tempos modernos pareciam trazer consigo. Conhecer e compreender a história de Anayde Beiriz, colocando em um lugar de memória e de patrimônio, de certa forma, provoca a importância de fazer lembrar o conhecimento sobre a história de mulheres, não só na Paraíba, mas no Brasil inteiro.

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