Apesar de parecer só mais uma série para crianças, ao apresentar duras problemáticas ligadas à nossa realidade, a animação deixa claro que quer transmitir uma mensagem e não apenas entreter. E ao mesmo tempo, apresenta uma saída para que nós, espectadores, saibamos lidar com difíceis circunstâncias. Por exemplo, ao sermos apresentados a dinâmica dos irmãos Katara e Sokka, da Tribo da Água, ainda na primeira temporada, é perceptível a natureza misógina de Sokka em relação a irmã. Durante uma discussão, ele afirma que “mulheres são melhores para costurar e cozinhar” enquanto homens foram “feitos para serem guerreiros”. Katara passa por esse tipo de situação algumas outras vezes, como quando ela é impedida de treinar com um mestre da Tribo da Água do Norte, apenas por ser mulher. Durante toda a série, a personagem se estabelece como resistente a essa sociedade patriarcal e nos leva a debater toda essa sistemática.
Ainda no começo da série, percebemos os efeitos da guerra iniciada pela Nação do Fogo e seu regime opressor. Acompanhamos o Aang diante de uma dolorosa descoberta: o seu povo, os Nômades do Ar, foram vítimas de genocídio. Aang é o único do seu povo que restou, o que o torna conhecido como: o último dominador de ar. O poderio bélico proporcionado pelo principal antagonista da animação, o Senhor do Fogo Ozai, é utilizado para oprimir as outras nações e dominar a todos. Se baseando em vários elementos da cultura oriental, a Nação do Fogo pode ser assimilada na vida real, ao Japão durante seu período Imperial, quando o país se tornou uma potência nos quesitos imperial e bélico. Da mesma forma como essa guerra culminou no genocídio dos dobradores de ar, outras consequências são sentidas ao longo da série, como a criação de campos de concentração para prender rebeldes do Reino da Terra, o agravamento da desigualdade social, a luta de refugiados para sobreviver e a xenofobia contra qualquer um que fosse da Nação do Fogo.
Fechada para o resto do mundo, Ba Sing Se, a capital do Reino da Terra, vive em uma realidade completamente diferente. Na sequência de episódios que se passa na cidade, Katara, Sokka e Aang percebem que a população da cidade não pode discutir assuntos de fora, e se comportam como se tudo estivesse bem o tempo todo. Ao longo dos episódios descobrimos que aqueles que moram em Ba Sing Se, passam por um tipo de alienação, que os impede de discutir os problemas que acontecem lá fora e também os que assolam a própria cidade. O Reino da Terra é em sua boa parte uma referência ao território da China, mas pode ser percebida também como uma representação do governo norte coreano que pode ser descrito como ditatorial.
Ainda falando de manipulação política e psicológica, entendemos que a arte funciona como um tipo de propaganda, é só observar o marketing e o cinema alemão durante o período nazista. E na animação, temos um exemplo muito pertinente desse uso do entretenimento para fins políticos. Na última temporada (ou livro), nós assistimos junto com os protagonistas uma peça, desenvolvida na Nação do Fogo, que mostra as aventuras de Aang, só que ele e seus amigos são representados como vilões, que impedem o desenvolvimento da nação. Esse episódio funciona também como uma retrospectiva, mostrando tudo que os personagens viveram, antes do momento da batalha final.
Avatar: A Lenda de Aang é uma série que nos expõe a uma narrativa tão próxima da realidade que machuca. Nos vemos refletidos naqueles personagens, sobrevivendo a uma crise fora de nosso controle. Infelizmente, ainda estamos diante de um contexto muito similar aquele percebido e representado há 15 anos. E é por isso que a animação permanece relevante até os dias de hoje.
REFERÊNCIAS
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ROLLINGSTONE.UOL.COM.BR. 6 vezes que Avatar discutiu sobre políticas de governo do mundo real: Do fascismo à democracia. Rolling Stone. Disponível em <https://rollingstone.uol.com.br/noticia/6-vezes-que-avatar-discutiu-sobre-politicas-de-governo-do-mundo-real-do-fascismo-democracia/>. Acesso em 13/07/2020.