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11/09/2020 às 09h26min - Atualizada em 11/09/2020 às 09h10min

"Geografia da Fome"

Brasil pode voltar ao Mapa da Fome, avalia ONU

Franciele Rodrigues - labdicasjornalismo.com
Reprodução/Agência Brasil
112 ANOS DE JOSUÉ DE CASTRO
Josué de Castro, médico, pensador e ativista pernambucano faleceu em 1973, há mais de 40 anos, porém grande parte de suas reflexões ainda cabem para descrever e compreender o Brasil dos nossos dias. Entre as muitas contribuições do autor, que faria aniversário em 05 de setembro, destacamos o problema social da fome no Brasil.

Na obra “Geografia da Fome”, Josué de Castro elabora um mapa que nos permite vislumbrar os hábitos alimentares no Brasil, ou seja, o autor divide o país em cinco regiões geográficas e alimentares distintas. A constituição desse mapa é baseada por aspectos diversos como condições climáticas, fatores culturais, desenvolvimento econômico, entre outros elementos.

A primeira delas, a área Amazônica - à época, abrangia os estados do Amazonas e Pará, parte dos estados do Mato Grosso, Goiás e Maranhão e os territórios do Amapá e Rio Branco – sob grande influência das culturas indígena, apresentava como dieta básica o consumo de farinha de mandioca, feijão, peixe e rapadura. Para ele, a região era caracteriza pela “fome endêmica”, isto é, os indivíduos enfrentavam um plano alimentar de baixo consumo calórico, caracterizado por deficiências protéicas, vitamínicas e de sais minerais.

Nordeste Açucareiro ou Zona da Mata Nordestina - correspondia a todo o litoral nordestino, do estado da Bahia ao Ceará, a dieta básica era o consumo de farinha de mandioca, feijão, aipim e charque, revelando marcas das culturas negras. A região também foi vista por Castro como de “fome endêmica” marcada por carências de vitaminas e minerais como o ferro, levando, assim, a alta incidência da “anemia alimentar”.

Sertão Nordestino - correspondendo, à época, às terras centrais dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia tinham como base alimentar o consumo de milho, feijão, leite e derivados. Já o consumo de frutas e verduras era muito restrito. Nessa região, a fome foi compreendida de maneira divergente, especificada por surtos epidêmicos durante os períodos de seca e estiagem que acometiam toda a população.

No Centro-Oeste a dieta básica era o consumo de milho, associado ao feijão, carne e toucinho. Na análise do autor, os hábitos alimentares da região eram calcados por excesso calórico. Nesse espaço, o autor verificou que a fome estava restrita aos grupos sociais mais pobres.

A região do Extremo Sul, por ser a mais rica e dispor de solo e clima favoráveis para o plantio, possuía o consumo alimentar mais variado, porém arroz, pão, batata e carne estavam na maioria dos pratos. Aqui, como no Centro-Oeste, Castro notou que a fome era presente entre as camadas mais vulneráveis da população.
 
A LUTA CONTRA A FOME 
Supomos que com o avanço das tecnologias, o fenômeno da globalização e a intensificação das trocas culturais, desenvolvimento da indústria alimentícia, entre outros aspectos, tais hábitos alimentares foram modificados, diversificados. Porém, o problema social da fome ainda persiste.

Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), divulgados em julho de 2020, apontaram que entre 2017 a 2019, 43,1 milhões de pessoas viveram sob a situação de insegurança alimentar no Brasil. No período de 2014 a 2016, o índice era menor, cerca de 37,5 milhões de pessoas, ou seja, em termos percentuais a taxa subiu de 18,3% para 20,6%. Em contexto mais amplo, a entidade estima que aproximadamente 690 milhões de pessoas passaram fome no mundo em 2019. 

De acordo com a FAO, com a recessão econômica gerada pela pandemia do coronavírus, esses dados tendem a aumentar, projeta-se que pelo menos mais 130 milhões de pessoas passarão a compor o grupo daqueles que não dispõem de quaisquer alimentos. O aumento da fome em nível mundial torna ainda mais distante o cumprimento da meta que prevê a erradicação da insegurança alimentar até 2030. Outro elemento que perpassa o problema social da fome é a qualidade dos alimentos que são acessados pela população, diversas pesquisas têm indicado que alimentos com maior índices nutritivos possuem preços mais elevados ao passo que industrializados, ultra processados com baixos valores nutritivos são mais baratos.


Na última semana, ao chegarem aos supermercados, brasileiros deparam-se com a alta significativa nos preços de alimentos básicos como arroz e feijão. Estudo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) revelou aumento no valor da cesta básica pela maioria dos estados brasileiros, apenas no Distrito Federal não foi percebido crescimento. Em São Paulo, o preço médio da cesta básica ficou em torno de R$539,95.

Por outro lado, o governo federal anunciou que auxilio emergencial, única renda para mais de quatro milhões de brasileiros nos últimos meses, pagará mais quatro parcelas, porém o valor passará para R$300,00, ou seja, metade a quantia paga atualmente. O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, mas caminha a passos largos para retornar. Acho que avançamos um pouco desde 1946, quando Josué de Castro argumentou que a fome era um tema "delicado" e que recebia pouca atenção, porém ao que parece a negligência notada pela falta de políticas públicas, sobretudo, em períodos de crise sanitária como o que atravessamos, ainda persiste. 

 
Outro sociólogo fundamental para a compreensão da fome no Brasil foi Betinho, ele alertou "quem tem fome tem pressa". E se há pessoas passando fome não é por razões naturais, mas pela extrema desigualdade social que impede acessos múltiplos, do pão aos sonhos. 
 

 
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