“Havia muitos aristocratas que praticavam atos de beneficência, e Hope tinha certeza de que essas pessoas tinham bom coração. Infelizmente, porém, suas vidas eram diferentes demais da vida dos que se amontoavam em cortiços malcheirosos para entender que novas peças de roupa, uma refeição quente diária ou alguns xelins nunca resolveriam o problema. Que tudo isso só oferecia um conforto temporário."
No entanto, apesar do livro girar em torno de Hope, as personagens ao seu redor têm tanta importância quanto ela, especialmente porque possuem suas próprias histórias e não são colocadas ali sem propósito. A partir disso, vemos diferentes perspectivas e interpretações, além de entendimentos que trazem sentido a determinados acontecimentos dentro do enredo.
Como, por exemplo, Nell Renton, uma das irmãs adotivas de Hope e a grande responsável por levá-la para o lar de sua família. Tinha apenas 16 anos quando presenciou o nascimento de Hope e tinha sonhos como qualquer jovem. Mas, anos depois, estava em um casamento sem saber a razão de sua união com Albert Scott ser diferente do que imaginava. A situação de Nell, que não tinha escolhas legais de fugir de um matrimônio que a submetia às agressões diárias, traz o questionamento quase instantâneo de como isso não é muito diferente do que se configura para as mulheres da nossa atual sociedade – apesar de todas as transformações e lutas ao longo dos séculos.
“Legalmente, ela não tinha direitos; a esposa era propriedade do marido e devia lhe obedecer."
Lesley também traz a relação entre criados e a aristocracia. Qual era o limite em que andava a lealdade do aristocrata com seu criado? Enquanto um lado adicionava outro ser à sua família, que havia mais bocas para comer do que de fato possuía comida, por lealdade a sua senhora, o outro ignorava os problemas daquela que a servia, vestia e estava ali a disposição, faça chuva ou sol. Muitas das vezes não conheciam aqueles que empregavam, nem mesmo de rosto ou a própria história de vida.
“– (...) Mas, é claro, a senhora não vê nenhum de nós como gente, não é verdade? (...) Não imagina que tenhamos sentimentos, nem mesmo uma vida própria. Não se importa se estamos cansados, doentes ou angustiados, nem valoriza nossa lealdade."
Não deixando de lado, a autora aborda o período sombrio da Guerra da Crimeia (1853-1856), focando, no entanto, no papel de Hope nas enfermarias e, a partir disso, sobre a desvalorização da profissão, dos soldados rasos e das próprias mulheres de militares que, sob condições terríveis, contribuíam com refeições, limpeza, cuidados com os doentes etc. As descrições são difíceis, mas trazem uma visão reflexiva.
Além disso, como Lesley Pearse salienta na nota final do livro, muitos dos esforços para a transformar a profissão vem de Florence Nightingale – citada dentro da história, inclusive – e o seu papel no corpo de enfermagem nos hospitais militares, mas, novamente dito pela autora, houve muitos outros heróis e heroínas desconhecidas, cuja coragem também deveria ter sido honrada e lembrada.
“Seu desejo era que um dia os hospitais fossem lugares melhores, que os soldados rasos fossem tratados com humanidade e a enfermagem se tornasse uma profissão honrada."
A escrita imersiva de Pearse permite ao leitor sentir, emocionar e refletir sobre inúmeras situações que permeavam aqueles sob o glamour da nobreza e aristocracia, mas não abre mão de mostrar que também existia a vulnerabilidade entre estratos sociais mais privilegiados. “Esperança” é menina que nasceu, cresceu e caminhou por caminhos difíceis, mas, principalmente, foi a palavra que moveu muitos daqueles que viviam diante desses – e outros – obstáculos citados na história.