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10/06/2019 às 21h09min - Atualizada em 10/06/2019 às 21h09min

Criatividade, arte e empreendedorismo: um bate-papo com Jussara Sartori

No segmento das artes há mais de 30 anos, a empreendedora criou o projeto Clube A, que fomenta e valoriza o artesanato em Cuiabá

Éverton Campos Anunciação
Jussara Sartori dentro do Clube A (Foto: Mack Levino da Silva)

Jussara Sartori, 53, atua no segmento de artes há mais de 30 anos. Gaúcha, mãe de três filhos, casada, amante das artes. Com toda a vivência adquirida nesse segmento, ela cresceu e se tornou consultora de empresas como a Pincéis Tigre. Viajou por vários lugares do Brasil e do mundo, e nessas viagens desenvolveu técnicas e habilidades artísticas, porém o que mais ganhou foi a visão empreendedora e a compreensão de como agregar pessoas em torno da arte do comércio local. Sendo assim, decidiu idealizar o projeto "Clube A", em Cuiabá, tendo como finalidade fomentar e valorizar o artesanato do estado. Sartori é empreendedora e segue uma linha de artesanato sustentável, buscando reaproveitar os descartes, transformando-os em novas peças para uso. Apaixonada por Cuiabá, se considera uma “cuiabana de coração” e amante da gastronomia local. Em entrevista, ela conta mais sobre sua trajetória e o cenário da arte.
 

Éverton Campos: A senhora nasceu em Campo Novo, interior do Rio Grande do Sul, onde viveu até os seus 10 anos de idade. Poderia nos contar uma pouco dessa sua vivência?

Jussara: Bom, eu sou de uma família de cinco irmãos, sendo três homens e duas mulheres. Resumindo, sou a mais velha. Lá no Sul, os estudos eram muito diferentes do que é hoje. Estudei na rede pública e tínhamos aulas de artes na prática. Eu lembro que era pobre a escola, mas, nós tivemos marcenaria, artes manuais e pintura. Sempre gostei da parte de pintura e marcenaria. Durante o ano era realizado um grande bazar com as peças produzidas pelos alunos. Sempre me destacava por ter um trabalho diferenciado das demais crianças, as minhas artes eram as que mais vendiam. Desde pequena fui motivada pela minha mãe para o mundo artístico, enfim, gosto muito.

      

Éverton: E quando se mudou para o Paraná?

Jussara: Meus pais se mudaram para o Paraná quando eu tinha 10 anos. Lá continuei me dedicando ao mundo das artes. Aos 14 anos estudei na Casa da Cultura de Toledo, no Paraná, onde realizei a minha primeira exposição de tela. Casei aos 24 anos e, logo após, abri juntamente com meu marido uma empresa de confecções de peças infantis. Em 1992, o governo municipal de Toledo fez um incentivo fiscal para que as pessoas abrissem lojas desse segmento. Nessa mesma época realizei um curso de estilista. Lá tínhamos 28 funcionários. Além disso, contávamos com representantes que vendiam em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso. Com o crescimento conseguimos expor nossos produtos na Fejuk, a maior empresa de moda de São Paulo. A nossa empresa ficou aberta durante cinco anos.

 

Éverton: Você já havia imaginado vir para Cuiabá?

Jussara: Nunca, por sonho, pensei em vir para cá. Mas ao final de 1994, com o Plano Collor, muitas empresas fecharam as portas e uma delas foi a nossa. Devido a isso meu esposo recebeu uma proposta para vim trabalhar em uma seguradora aqui em Mato Grosso. Cheguei aqui e fui bem recebida e acolhida, me senti em casa. Havia muitos artistas, alguns nem moram mais aqui. Um deles é o Victor Hugo. Vim para cá pensando em continuar sendo estilista, mas os planos foram outros.

 

Éverton: Continuou atuando como estilista?

Jussara: Não consegui atuar no meu ramo e nem encontrava emprego. Um dia acordei muito “azeda” decidi colocar o cavalete de frente para a rua, para que não houvesse perturbação. Eu sempre pintava de costas. Estava assim porque não conseguia achar um emprego de estilista para ajudar o meu marido. Neste dia eu tive a sensação de ter alguém me olhando e, levantei e olhei. Bem na grade tinha uma “garotinha” abaixada e perguntei a ela o que estava fazendo ali. Ela me respondeu “tia a senhora pinta tão lindo por que a senhora não dá aulas para crianças?”. Naquele momento eu flutuei! E decidi dar aulas na Pequeno Polegar, no Coophamil. Eu fiz toda divulgação. Na época, ainda usava máquina de datilografia. Fiz os papeizinhos e distribuí de porta em porta pelo bairro.

 

Éverton: Antes de ser artesã havia pensado em seguir outra profissão?

Jussara: Sim. Eu queria ser arquiteta, digo que isso é o meu sonho frustrado porque na época que fui cursar a faculdade, não tinha esse curso na minha cidade. Então, não tinha condições de sair da minha cidade para cursar e isso me deixou triste. Se não fosse artesã, seria uma grande arquiteta.

Éverton: Como era o incentivo do governo para o artesanato quando chegou a Cuiabá?
Jussara: Antigamente, por incrível que pareça, eu via mais investimentos por parte do governo. Nós tínhamos aqui em Cuiabá uma Associação chamada “Acubá” à qual me filiei. Participei de vários salões de Artes. Ah! Tempo bom que hoje não vemos mais. A presidente Heleninha Botelho incentivava e fazia uma grande exposição, e trazia muitos artistas de fora. Em muitos, fui premiada, como, por exemplo, no Salão dos Mestres e ganhei várias menções honrosas. De 1994 até 2000 eu via que o incentivo à Arte era maior do que é hoje. É impressionante, mas é a realidade. Esses trabalhos traziam a união dos artistas. Foi uma grande perda o fechamento dessa organização.

Éverton: Quais são as dificuldades que a senhora acredita que o artesanato enfrenta aqui no estado?
Jussara: A primeira barreira que vejo é a não valorização do artesanato. O governo e as pessoas lidam com essa questão como se fosse “badulaque”[ caixinhas de MDF], frase dita pelo ex-governador Maggi que não me esqueço. Daí, vemos que a pessoa não sabe nem o que é artesanato. Outro é cultural, em outros estados vejo o pessoal vestindo a camisa. Infelizmente, em Mato Grosso não temos uma base cultural firme e definida, onde os artistas vestem a camisa. Sou gaúcha, mas, amo Cuiabá, tenho o maior prazer de falar “Eu visto a camisa”. Falta muito esse embasamento cultural.

 

 Espaço do "Clube A" ajuda a fomentar a arte. (Foto: Mack Levino).

Éverton: Jussara, qual é a sua visão sobre o artesanato?

Jussara: Hoje, se confundem muito manualidade com artesanato. O artesanato tem que ter cultura, ou seja, embasamento cultural, que vem da história regional e da identidade de um povo.  Tem muitos que vão a “feirinha” e vê um chinelo bordado e diz que é artesanato, isso não é artesanato, é manualidade. A manualidade é uma coisa industrializada. O que buscamos é essa diferença, valorizar a cultura de Mato Grosso. Não estou criticando. Só estou querendo dizer a diferença que muitos aqui em Cuiabá confundem.
 

Éverton: Por que uma loja de artesanato dentro de um shopping e não em outros espaços da cidade?
Jussara: Na minha visão o artesanato não é pobre, mas essa é a imagem que muitos têm. O conceito do artesanato estar dentro do shopping, valoriza, ele é uma vitrine para a arte, daí a escolha do Shopping Estação para trazer o meu projeto. Na rua você não sabe quem passa na frente da sua loja, aqui você sabe. Mensalmente passam milhares de pessoas pela loja. Aqui estamos vendendo, mostrando o nosso trabalho, pagando as nossas contas. Isso prova que devemos estar dentro desse espaço. Hoje as artesãs e eu vivemos desse trabalho. Eu não sobrevivo do artesanato, e sim, vivo dele. Digo a elas “você tem que viver daquilo que você ama fazer”.

Éverton: Como é conciliar a sua rotina profissional com a família?
Jussara: Não é fácil. Eu levanto muito cedo e levo a minha filha de 09 anos para o colégio. Com muita dedicação e disciplina concilio tudo isso. Tenho horários bem definisos definidosdefinidos para poder cumprir o planejado. Diante disso, tiro tempo definidos para estar junto e almoçar com a família e, a noite nem sempre consigo estar para jantarmos, devido à demanda da loja.

Éverton: Como você analisa a importância da arte na sua vida e, da mesma maneira, na sociedade?
Jussara: Eu não fiz outra coisa e não faço a não ser isso. Atualmente, eu vivo e respiro arte. Você também quer que outras pessoas estejam bem, e tenham uma qualidade de vida. Arte para mim é viver e viver fazendo aquilo que eu amo, não tem explicação.  A arte cura, transforma, inspira. Ela cria uma proposta das pessoas se sentirem úteis. Por exemplo, nós temos milhões de idosos, muitos depressivos, se sentindo inúteis e, a arte é uma forma de você mostrar a eles que podem realizar o belo, e isso desperta o sentimento de utilidade e realização. Além de transformar, te traz felicidade! Quando você tem esse prazer com as mãos e coração, toda essa vivência e experiência vêm como uma missão.
Editado por Alinne Morais


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