A Lei Rouanet, que tem como intuito incentivar a cultura no país, tem sido alvo de muitas críticas nos últimos anos, principalmente por conta do atual governo. Muito conhecida como a “mamata” dos artistas que usam dinheiro do governo, a falta de informação e fake news disseminadas ao redor dessa lei fez com que muitos artistas fossem alvos de ataque e, por isso, a lei é muito criticada. Desse modo, é muito importante entender a lei e para que e como ela é utilizada pelos artistas.
A Lei Nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991 é oficialmente a Lei Federal de Incentivo à Cultura. Ela foi sancionada pelo então presidente Fernando Collor de Mello e, a partir daquele momento, ficou instituído o PRONAC (Programa Nacional de Apoio à Cultura) e desde então a regulamentação ficou conhecida como Lei Rouanet devido a uma homenagem ao criador Sérgio Paulo Rouanet, na época Secretário da Cultura da Presidência da República.
"A Lei Rouanet é um instrumento de fomento público à cultura, como a gente tem em vários outros países do mundo. [...] Ela é uma forma de captação de recursos junto à iniciativa privada que implica a redução dos valores de impostos a pagar por empresas privadas", explica Vitor Rhein Schirato, professor doutor do DES (Departamento de Direito do Estado) da FD-USP (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo).
A base de suas diretrizes é o exercício dos direitos culturais e o livre acesso às fontes de cultura com ênfase na promoção, proteção e valorização das expressões culturais nacionais. O grande destaque da Lei Rouanet é a política de incentivos fiscais que possibilita empresas (pessoas jurídicas) e cidadãos (pessoas físicas) aplicarem uma parte do imposto de renda em ações culturais.
A lei surgiu principalmente para motivar as empresas e cidadãos a investirem na cultura nacional, que é tão importante para a identidade do país. O benefício no recolhimento do imposto de renda proporciona estímulo às pessoas físicas e à iniciativa privada no sentido de patrocinar projetos culturais, uma vez que o patrocínio, além de fomentar a cultura, valoriza a marca das empresas junto ao público.
De acordo com um estudo realizado em 2018 pela Fundação Getúlio Vargas, durante os 27 anos de existência dessa lei, a cada R$ 1,00 do que foi investido por patrocinadores em projetos culturais por meio da Lei Rouanet, R$ 1,59 retornou para a economia do país. Ou seja, teve um grau de alavancagem financeira de 59%, e seu impacto reverberou em 68 atividades econômicas diferentes, do transporte ao turismo, do setor alimentício às finanças.
A principal crítica a essa lei inclui a possibilidade de os fundos serem desviados inapropriadamente.
@verifatodigital No vídeo de hoje, vamos falar sobre a Lei Rouanet, iniciativa cultural que têm sido alvo da disseminação de informações falsas.#jornalismo #leirouanet #politica #cultura #arte #ufpel She Share Story (for Vlog) - 山口夕依
No entanto, a partir de 2019 as coisas mudaram um pouco. Com a extinção do Ministério da Cultura no ínicio mandato do governo Bolsonaro, não foram surpresas as reformas feitas para negligenciar a cultura do país. A principal alteração na lei refere-se ao valor máximo por projeto incentivado que caiu de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão.
Em 2022, novas mudanças foram feitas e, de acordo com o ex-secretário de cultura Mario Frias, a nova Instrução Normativa que fez uma série de mudanças na Lei Rouanet tem o objetivo de tornar a lei "mais justa e popular".
Foi novamente reduzido pela metade o valor máximo de isenção fiscal para o financiamento de projetos culturais por parte de empresas, de R$ 1 milhão para R$ 500 mil. Também surgiu um novo teto autorizado para o financiamento livre de impostos do cachê de apresentação de um artista solo de R$ 45 mil para R$ 3 mil, uma redução de 93%.
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Esses mecanismos dificultam cada vez mais o acesso a Lei Rouanet e a democratização da cultura. Os tetos são absurdamente baixos e é impossível fazer um filme ou construir um museu hoje em dia, por exemplo, como já foi feito no passado. Alguns dos filmes mais conhecidos produzidos com auxílio da lei são Carandiru, Castelo Rá-Tim-Bum, Chatô - O Rei do Brasil, Olga e muitos outros.
Polêmica recente
Artistas contrários à Lei Rouanet e críticos ao incentivo à cultura, rotineiramente recebem cachês pagos com verba pública, principalmente por prefeituras. Inclusive, há um contrato feito por uma modalidade chamada de "inexigibilidade", permitida por lei e que deixa o poder público celebrar contratos sem licitação.
Mas existe um porém, que é a incapacidade, na maioria das vezes, de se rastrear a verba utilizada, já que não há controle específico.
Desse modo, esses contratos podem ser muito perigosos pela falta de transparência, e isso sim deveria ser revisto pelo governo. Sobre o valor que a prefeitura paga para um empresário de um determinado cantor, não se sabe se esse dinheiro volta pro gestor público ou se tem algum tipo de esquema ilícito por trás.
"Ao contrário da Lei Rouanet que tem um processo público, que é transparente, que todo mundo sabe quem investiu, quanto investiu, no que investiu e como é que foi gasto o dinheiro, esses cachês pagos por prefeitura são um buraco negro, ninguém sabe. Eu sei que a prefeitura XYZ pagou quinhentos mil reais, seiscentos mil reais para a empresa que agencia a carreira de um determinado artista. Porém ninguém sabe o que aconteceu depois daí", acentua o professor Vitor Rhein Schirato.
“Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa fazer tatuagem no 'toba' para mostrar se a gente está bem ou mal”, disse Zé Neto no show.
O cantor se referiu a uma tatuagem que Anitta disse que tem na região íntima como um ataque a cantora. Com a repercussão de sua fala, Zé Neto se pronunciou e disse que “o engajamento está top” e para continuarem comentando.
Gusttavo Lima faz live para se defender de ataques e se emociona. (Vídeo: Instagram - @gusttavolima)
Toda essa polêmica iniciou uma investigação do Ministério Público sobre a revelação de que boa parte dos shows realizados pelo Brasil teriam sido pagos com dinheiro público, muitas vezes sem licitação, tudo isso apenas por falar mal da Lei Rouanet.
Desmistificando
A partir das inúmeras fake news a respeito dessa Lei é importante entender de fato como ela funciona, a quem se destina e de onde vem o dinheiro.
Na tentativa de frear as mentiras que se alimentam da intepretação errônea da lei, o advogado Ricardo Brajterman, mestre em Direito e professor de Processo Civil e Direito Autoral da PUC-Rio, explica didaticamente tudo o que precisamos saber.
Primeiramente, é importante destacar que qualquer pessoa física ou jurídica pode se beneficiar da Lei Rouanet, não só os artistas. É um ponto importante, porque a sociedade muitas vezes acha que só o artista pode captar verba.
Levantar o dinheiro para um projeto não é fácil e nem de um dia para o outro. Existem muitas burocracias e fiscalizações que fazem uma análise criteriosa do projeto para ele ser aprovado.
Os projetos aprovados têm que se enquadrar em forma, quantidade e prazos. Portanto, não é uma bagunça como muitos pensam. Quem recebe verba por incentivo fiscal tem que prestar contas e é tudo é auditado pelo governo. Se houver algum erro reconhecido, existem penas severas.
As empresas renunciam a uma ínfima parte do imposto para incentivar projetos culturais. Mas é um dinheiro que, se não fosse para a cultura, não iria para nenhum outro setor.
Por possibilitar recursos privados, os críticos à lei pensam que existe alguma participação de verba pública, o que não ocorre. Porém, se chegaram a ocorrer alguns desvios e, realmente tiveram alguns problemas na fiscalização da aplicação da lei Rouanet, isso significa então que é preciso melhorar os mecanismos de fiscalização e de cobrança dessa prestação de conta e não simplesmente fazer cortes a lei negligenciando a cultura, o que acaba afetando todo um setor.
Também é importante destacar que o setor cultural emprega muito mais gente do que o automobilístico, o bancário ou o elétrico, que têm muito mais incentivos. Além do mais, cortar da cultura é não desenvolver o senso crítico da sociedade.
Os projetos têm, muitas vezes, caráter mais educativo do que comercial. Eles procuram focar em representatividade e incentivar as minorias, além de terem o foco de democratizar o acesso a leis de incentivo.
Desse modo, é importante ressaltar que leis como a Rouanet ou qualquer outra que incentive o patrocínio à cultura e as artes proporcionam um retorno "imensurável". É impossível medir o ganho para a sociedade e para gerações de ter acesso as tradições culturais de um povo. Além do ganho financeiro, o ganho simbólico que permanece para a sociedade é muito maior.
"O retorno que a Lei Rouanet dá é fomento à cultura, difusão de obras culturais, maior abrangência de audiovisual. Todo mundo fica feliz quando um filme brasileiro é indicado ao Oscar. Só que nunca nós vamos ter filme indicado ao Oscar se não tiver dinheiro pra fazer filme", finaliza o professor Schirato.