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11/10/2022 às 16h25min - Atualizada em 11/10/2022 às 12h33min

Cinema asiático e a busca pela pluralidade na academia do Oscar

A produção audiovisual de países do Leste e Sudeste asiáticos ganham força nos últimos anos, mesmo após décadas de elitismo da academia de cinema

Everton Antunes - editado por David Cardoso
Cineasta sul-coreano Bong Joon-Ho e elenco de 'Parasita' na 92ª edição do Oscar. (Foto: Reprodução/ Pinterest).



No dia 09 de Outubro de 2020, em Los Angeles, o longa sul-coreano Parasita (2020), dirigido pelo cineasta Bong Joon-Ho, fez história ao vencer 4 categorias do Oscar. Além da quantidade de premiações – melhor filme internacional, melhor roteiro original e melhor direção –, a produção do país asiático superou paradigmas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ao consagrar-se como a primeira produção de língua estrangeira vencedora do Oscar de Melhor Filme. 

 

O pesquisador e crítico de cinema Gabriel Pinheiro aponta que a premiação de Parasita simboliza um marco, uma vez que, até então, outros representantes do Leste e Sudeste da Ásia faturaram o Oscar, porém com produções em língua inglesa. Além disso, neste ano, o longa japonês adaptado de um conto do romancista Haruki Murakami se destacou ao conquistar o prêmio de melhor filme estrangeiro. 
 

É perceptível o recente destaque das produções orientais na academia. Entretanto, a representação de atores, atrizes e filmes asiáticos nos Estados Unidos foi, também, atravessada por condutas preconceituosas, como o Yellow Face, e a pouca visibilidade ao longo das décadas do festival. Diante disso, Gabriel aponta que este evento do cinema norte-americano passa por uma redefinição ao tentar incluir filmes e profissionais mais diversos nas produções, à medida que há um investimento maciço no cinema asiático.

 

Yellow Face

 

De acordo com a definição do Dicionário Cambridge, Yellow Face consiste na “prática de atores brancos mudarem sua aparência com maquiagem, a fim de representar personagens do Leste Asiático em filmes, peças, etc”. Geralmente, estas representações estão repletas de "estereótipos e caricaturas”, segundo o Consórcio de Teatros e Artistas Norte-americanos de Ascendência Asiática. 

 

Gabriel avalia que o Oriente “é caracterizado e recodificado de modo a denotar certas coisas: seja a sensualidade de uma mulher asiática, por exemplo. Ou seja, “o outro” sempre vai ser entendido pelo ocidente enquanto algo”. 

 

Alguns casos de Yellow Face derivados do cinema norte-americano podem ser citados ao longo de décadas: nos anos 30, o ator Warner Oland tornou-se famoso ao fazer o papel de um detetive chinês, Charlie Chan, em longas como A Astúcia de Chan (1931) e O Camelo Preto (1931); enquanto que, na década de 60, Mickey Rooney retratou a imagem caricata de um oriental ao interpretar o papel do Sr. Yunioshi, em Bonequinha de Luxo (1961).

 

Premiações 

 

De acordo com o levantamento realizado, ao considerar somente as principais categorias da premiação do Oscar – ou seja, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Atriz e Ator e Atriz coadjuvantes –, contabiliza-se sete galardões do cinema norte-americano conquistado por diretores e artistas asiáticos ou descendentes. O primeiro prêmio concedido a uma atriz oriental foi conquistado em 1958 pela atriz japonesa Miyoshi Umeki, na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, em Sayonara (1957). 
 

Três séculos depois, foi a vez do cambojano Haing S. Ngor levar o Oscar de ator coadjuvante pela atuação em Os Gritos do Silêncio (1984) e, em 2021, a atriz sul-coreana Yoon Yeo-Jung obteve a premiação na mesma categoria pela atuação no longa Minari (2020). Na categoria de direção, nomes como o do taiwanês Ang Lee – dois prêmios, no total –, do sul-coreano Bong Joon-Ho – em Parasita (2020) – e da chinesa Chloé Zhao – em Nomadland (2021) – figuram nas premiações.

 

Para o crítico de cinema, muito além dos critérios e aspectos cinematográficos, as edições do festival revelam um diagnóstico de “apagamento” de artistas orientais e enfatiza que a composição da Academia é bastante elitista e formada, majoritariamente, por brancos. Contudo, há uma “leve, simpática e minúscula” abertura por parte da academia ao longo dos anos, ainda de acordo com ele.

 

Oscar “plural”

 

A fim de promover a diversidade entre os profissionais do cinema – seja quem trabalha em frente às telas, seja os produtores, diretores, etc – e melhor retratar a “população global”, a Academia anunciou os “Critérios de Representatividade e Inclusão”, em agosto. Essas diretrizes contemplam somente a categoria de melhor fotografia do Oscar e passarão a valer efetivamente na 96º edição do evento, quando os filmes que concorrem deverão satisfazer a, no mínimo, dois dos quatro critérios previstos no regulamento. 

 

O crítico de cinema pondera que há um avanço ao adotar essa medida, já que “existem pessoas na cadeia cinematográfica que não são reconhecidas pelo seu trabalho simplesmente por serem quem são. E medidas como essa facilitam o acesso dessas pessoas a esse tipo de reconhecimento.”

 

Entre algumas medidas, está prevista a contratação de um elenco diverso, o encorajamento de temas e narrativas que contemplam minorias étnicas ou raciais, e a delegação de cargos de liderança, também, a estes grupos. Além da representatividade de etnias e raças, a iniciativa da Academia aprofunda a discussão ao incluir gênero, sexualidade e pessoas com deficiência, os quais garantem maior representatividade às telas e fora delas.

 

Investimentos 

 

A aclamação de Parasita, no entanto, não é fruto do acaso. Após diversas dificuldades ao longo dos anos – guerras e uma ditadura –, o país da península coreana soube identificar o potencial econômico do fomento à cultura nacional. Em 1994, o “caso Jurassic Park” chamou a atenção dos sul-coreanos, que viram suas salas de cinema dominadas pelo filme de ficção científica estadunidense e cuja bilheteria equivalia à venda de 1,5 milhão de carros da marca nacional Hyundai. 

 

O então presidente Kim Dae-Jung, conhecido como “presidente da cultura”, no fim da década de 90, investiu no incentivo maciço à produção audiovisual do país asiático, por meio de isenções, cotas de tela (que reservam uma porcentagem de exibição aos filmes nacionais) e atraiu investimentos dos grandes conglomerados sul-coreanos, ou Chaebols – Hyundai e Samsung, por exemplo – na área do audiovisual.

 

Gabriel Pinheiro ressalta que o êxito do filme de Bong Joon-Ho vem de uma conjunção de fatores. A academia do Oscar passa por reconfigurações e tentativas de alinhar-se ao público por meio da inclusão, mas o incentivo dos países asiáticos à produção cultural – como a Coreia do Sul – elevaram a produção do país a outro nível, o que foi suficiente para garantir a inserção de filmes asiáticos ao status de prestígio nos festivais de cinema internacional.  

 

Rumos da premiação

 

Pinheiro enfatiza que, antes de tudo, a premiação do Oscar é um festival do cinema norte-americano, portanto é natural que a Academia dê preferência aos filmes em língua inglesa. No entanto, segundo ele, o festival tem um claro viés político: “se você for olhar os vencedores do prêmio de melhor filme estrangeiro, entre os países asiáticos, o grande ganhador é o Japão. Então, temos um país que, durante muito tempo, é aliado econômico dos Estados Unidos, assim como hoje em dia é a Coreia do Sul.”

 

Por outro lado, “a China dificilmente aparece, sendo que há uma produção enorme, principalmente nos início dos anos 2000, com o [diretor chinês] Wong Kar-Wai. Esses filmes simplesmente foram esnobados pela academia, mesmo na categoria de filme internacional, argumenta Gabriel. No entanto, o crítico de cinema avalia que o festival passa por um momento de “transição”, no qual há uma mudança substancial no corpo de membros do Oscar, a fim de buscar mais inclusão e diversidade – entre eles, encontra-se o diretor Bong Joon-Ho.

 

O futuro do Oscar, bem como do cinema estadunidense, é visto com otimismo pelo pesquisador, uma vez que há uma vontade de promover uma celebração mais diversa, o que é positivo para estas produções invisibilizadas ao passar pela “grande vitrine" que o festival representa. "Acho que com o tempo a gente vai começar a ver mais esse tipo de produção por ali e, por conseguinte, uma mudança no cinema norte-americano, no geral. Esperamos que isso aconteça”, comenta Pinheiro.

 

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