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24/02/2023 às 19h45min - Atualizada em 24/02/2023 às 19h09min

Telas vazias: a desvalorização do cinema nacional

Sofia Gunes - Revisado por Danielle Carvalho
(Foto: Reprodução/Shutterstock)

O título do primeiro filme gravado em solo brasileiro ainda é motivo de debate entre alguns historiadores. Acredita-se que a primeira produção cinematográfica brasileira é “Chegada do Trem”, um filme gravado em Petrópolis no ano de 1897. Outra produção que divide o título de pioneira no Brasil e que marcou o início do cinema nacional foi “Uma Vista da Baía de Guanabara”, realizada por Afonso Segreto e gravada em 19 de junho de 1898. Devido a essa gravação, o Dia do Cinema Brasileiro passou a ser comemorado nessa data.

Apesar de mais de 100 anos de história, o cinema brasileiro ainda é desvalorizado, principalmente pela própria nação. Danielle de Noronha, bolsista de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine/UFF/FAPERJ), acredita que “o cinema nacional já surgiu dentro de um contexto desigual de produção, tanto em termos de acesso a equipamentos e investimento como a janelas de exibição, dentro e fora do país”.  A pesquisadora avalia que essa desigualdade foi se intensificando e se tornando cada vez mais complexa com o passar do tempo.

A pesquisa “Hábitos Culturais II” realizada pelo Datafolha/Itaú Cultural mostrou que, de quase 1.800 pessoas entrevistadas, 19% nunca foram ao cinema assistir um filme brasileiro.


A pesquisa revela ainda que o consumo de filmes nacionais no cinema é mais comum entre pessoas com índice de escolaridade maior e de classes sociais mais altas. Danielle pontuou durante entrevista que a questão financeira é um dos principais fatores que elitizam o acesso ao cinema no Brasil. “É preciso considerar que o preço médio dos ingressos no país é alto [...] Por exemplo, durante o projeto “Semana do Cinema”, que reduziu os preços dos ingressos, houve um importante aumento de público, então há uma questão econômica evidente”.

Além do valor do ingresso, a pesquisadora ressalta que “na maioria dos casos, outros valores são agregados, como estacionamento e alimentação, devido à maior parte das salas estar localizada em shoppings, com poucos cinemas de bairro em operação, o que encarece e desestimula ainda mais pessoas de baixa renda a irem ao cinema”.

Esses fatores colaboram para que o consumo de produções nacionais, quando ocorre, aconteça principalmente por meio da televisão e não do cinema. Dados da Agência Nacional de Cinema, Ancine, revelam que de 2020 para 2021 houve uma queda de mais de 8 milhões de telespectadores para filmes nacionais,
o que ocasionou um baixo faturamento nas bilheterias.


Os cinemas de rua

O hábito de ir ao shopping para assistir um filme no cinema é comum para a maior parte da população atual, mas essa nem sempre foi a realidade. Os cinemas de rua, que, como o nome sugere, são salas de cinema localizadas nas ruas e não necessariamente dentro de outros estabelecimentos, já foram locais onde habitualmente se assistiam filmes. O cinema de rua surgiu como um local para socialização e permitia um acesso mais democrático às produções cinematográficas. A decadência desse modelo de cinema começou na década de 70 e não parou até hoje, limitando cada vez mais o acesso da população às telas, uma vez que precisa se locomover até um shopping para ir ao cinema.


A maioria dos cinemas de rua que existem hoje lutam por uma valorização do cinema nacional, priorizando filmes brasileiros em suas programações. É o caso do Cinema Vitória, inaugurado em outubro de 1934, que fica localizado no centro de Aracaju, Sergipe. O Cine Vitória, como é chamado pelos moradores da capital, resiste incentivando o consumo do cinema brasileiro.

Rosângela Rocha, colaboradora do Cinema Vitória, acredita que o problema da desvalorização do cinema nacional é político. “A Lei de Cotas de Telas é ineficaz sozinha, falta divulgação”, diz a colaboradora. Para uma possível melhora no consumo das produções brasileiras, Rosângela acredita que é necessário um incentivo desde a escola, na base, até a universidade, possibilitando assim uma mudança de hábito na população que leve a um aumento no consumo de interesse por produções brasileiras.
 
Lei de Cotas de Telas

A Lei de Cotas de Telas, aprovada pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados em 2021, continua sendo pauta de debate político em 2023. A Ancine declarou que dará prioridade
à cota de tela cinematográfica na Agenda Regulatória para o biênio 2023/2024. A ideia do presidente da Ancine, Alex Braga, é que a cota deixe de ser definida por decreto presidencial e passe a ser fixada pela própria Ancine. Com a cota de telas, a exibição de filmes brasileiros por um número mínimo de dias passa a ser obrigatória. O descumprimento da lei implica multa de 5% da receita bruta média diária do cinema, multiplicada pelos dias em que as cotas não forem respeitadas.

A lei é uma proposta interessante para ajudar a resolver o problema da desvalorização do cinema nacional, pois cria um espaço permanente para produções nacionais. Apesar de ser uma iniciativa válida, Danielle Noronha ressalta que sozinha, a lei não resolverá o problema “Algumas questões podem ser pontuadas. Primeiro, é preciso ampliar os diálogos entre a produção, a distribuição e a exibição. Em segundo lugar, são necessárias mais políticas públicas voltadas especificamente para a exibição, que atendam às produtoras e aos filmes de diferentes tamanhos, orçamentos e gêneros. Talvez alguns limites precisam ser pensados”, avalia a pesquisadora.

Para desenvolver uma valorização do cinema brasileiro, Danielle ressalta a importância do investimento em diferentes áreas, que juntas podem mudar a forma como o Brasil se relaciona com as produções nacionais atualmente. “É preciso investir em mais pesquisas, que ajudem a compreender o cinema e o audiovisual brasileiro em diferentes perspectivas, em publicidade, no sentido de divulgar mais a produção nacional, e em outras janelas de exibição, também pensando em políticas para elas”.


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