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27/02/2023 às 04h18min - Atualizada em 27/02/2023 às 03h58min

Amor, beleza, negritude e resistência

Exposição "No verbo do silêncio a síntese do grito" faz retrospectiva da carreira do fotógrafo carioca Walter Firmo

Giulia Mignone - Revisado por André Pontes
Vista da exposição "No verbo do silêncio a síntese do grito". (Foto: Reprodução/ Contemporary And).


Walter Firmo entrou pela primeira vez no prédio do jornal Última Hora, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, em 1955. O garoto de 18 anos, nascido no Irajá e criado nos subúrbios da cidade, trazia consigo uma câmera fotográfica Rolleiflex. À portaria, anunciou que queria falar com o chefe de fotografia. Após ser comunicado pelos funcionários, Roberto Maia apareceu no intermezzo que separava o primeiro e segundo andar e se dirigiu a Firmo: “O que é? O que você quer, menino?”, perguntou.
 
Firmo tinha concluído recentemente o curso de fotografia da Associação Brasileira de Arte Fotográfica (ABAF) e sua Rolleiflex era, então, considerada uma excepcionalidade. “Se o senhor me der chance de me ter como aprendiz, dentro de seis meses eu estou igual a um desses profissionais seus”, disse. Maia chamou Demócrito Bezerra, o grande fotógrafo de esportes da época, e contou-lhe a proposta de Firmo. Olhando de cima para baixo para o jovem aspirante a aprendiz, os dois trocaram uma gargalhada. “Sobe”, ordenou Maia a Walter Firmo. 

Quase 70 anos depois, a trajetória de Walter Firmo como um dos mais importantes fotojornalistas brasileiros é homenageada na exposição "No verbo do silêncio a síntese do grito". Aberta para visitação no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro, a mostra reúne 266 fotografias produzidas entre os anos de 1950 e 2021. O acervo chegou ao Rio de Janeiro após ser sucesso de público no Instituto Moreira Salles em São Paulo (IMS).

“O interesse em montar a exposição surge porque é uma forma de compartilhar [o acervo do Walter Firmo] com um público maior”, explicou Janaina Damaceno, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenadora do grupo de pesquisa Afrovisualidades: Estéticas e Políticas da Imagem Negra. “A obra do Walter Firmo é especial”, completa. Damaceno divide a curadoria da exposição com Sérgio Burgi, coordenador de fotografia do IMS.


 

A mostra exalta a população e a cultura negra de diversas regiões do país. São registros de ritos, festas populares e religiosas e do cotidiano. “O aspecto que mais evidencia a obra do Walter como ato político é o engajamento e compromisso dele com a história e a vida de pessoas negras”, explicou Damaceno. Filho de pai negro ribeirinho do baixo Amazonas e de mãe branca nascida em Belém, Walter Firmo expressa, por meio de sua fotografia, sua vivênvia de homem negro suburbano. “Acabei colocando os negros numa atitude de referência no meu trabalho. A vertigem é em cima deles. De colocá-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem”, disse. 


O ativismo visual de Firmo se tornou marcante em sua obra após o fotógrafo sofrer um episódio explícito de racismo em Nova York, onde trabalhava como correspondente da revista Manchete em 1967. Sua indignação se traduziu na adesão ao movimento Black is Beautiful (Preto é Lindo), que expressou tanto no seu corpo, com a adoção do penteado afro, como em sua fotografia. Janaina Damasceno, ainda aponta “O racismo tem pacto com a morte e a luta antirracista, primordialmente, tem pacto com a vida, esse pacto, que é expresso na obra do Walter Firmo”.



A exposição 

A mostra está dividida em sete núcleos temáticos, ao longo dos quais o estilo do fotógrafo se altera. Estão presentes imagens icônicas de sua carreira profissional e artística, que cobrem desde os primeiros anos de sua atuação na imprensa ao distanciamento do fotojornalismo documental. As fotografias feitas para a reportagem "100 dias na Amazônia de ninguém", publicada em 1964 no Jornal do Brasil, que rendeu a Firmo o Prêmio Esso de Reportagem, são complementadas por outras de caráter experimental. As imagens em cores vibrantes tornam Walter Firmo digno do apelido “Mestre da Cor”. Por último, há um acervo totalmente em preto de branco, ainda pouco conhecido e na maioria inédito, do trabalho do fotógrafo.

O acervo traz também retratos de grandes nomes da música brasileira como Cartola, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Dona Ivone Lara, entre outros. Um dos destaques é a icônica fotografia do maestro Pixinguinha, que segundo Firmo, consagrou sua carreira de fotógrafo. A estudante Maria Eduarda Nascimento contou sua experiência após visitar a exposição. “Fala sobre amorosidade, amar a sua negritude, amar e ver beleza. Ele transmitiu muito isso com o trabalho dele”, afirmou.




No verbo do silêncio, a síntese do grito” aponta para a busca por um maior diálogo com a descolonização e com a inclusão de artistas à margem do sistema tradicional de arte no país, empreendida por museus de todo Brasil nos últimos anos. “É necessário que a gente tenha a circulação de pessoas negras tanto como sujeitos a serem visualizados na cultura brasileira, quanto como sujeitos que constroem o discurso visual sobre o mundo, é uma questão de necessidade para a construção de um país mais justo: que essa parcela que constitui mais da metade da sua população tenha direito a se olhar”, ressaltou Janaina Damaceno.

Serviço


A exposição fica em cartaz até o dia 27 de março. O CCBB está localizado na Rua Primeiro de Março, 66, no Centro do Rio de Janeiro. A entrada é gratuita, e os ingressos podem ser retirados pela internet. Com patrocínio do Banco do Brasil, a exposição segue para os CCBB Brasília e Belo Horizonte.
 
 

 

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