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22/04/2023 às 19h22min - Atualizada em 19/04/2023 às 20h44min

A distorção do Matrix com movimento misógino

Os 'redpills' são formados por coaches da masculinidade e tese faz relação com o filme

Cláudia Xavier - Revisado por Flavia Sousa
(Reprodução: Filme Matrix)
Recentemente um assunto vem gerando repercussão e diversos debates nas redes sociais, que é chamado de ‘Redpill’, um grupo formado por “coachs de masculinidade”. O movimento do masculinismo, é formado por homens que tem como tese, colocar mulheres em uma posição inferior à do homem, disseminando conteúdos com discursos de ódio e que espalha expressões, por exemplo, de que alguns “tipos de mulheres” valem menos e outras mais. Mas afinal, qual a relação desse movimento misónigo com o filme Matrix? E por que o sentido foi distorcido?

Sobre o filme Matrix

Estreado em 1999 e dirigido pelas irmãs Lana Wachowski e Lilly Wachowski, a cinematografia é uma ficção cientifica que se tornou um ícone dentro do mundo distópico e cyberpunk – subgênero de ficção cientifica que se caracteriza pelo avanço da tecnologia e a precariedade da vida.

O longa-metragem acompanha a aventura de Neo (Keanu Reevs), um adolescente hacker que é chamado para o movimento de resistência liderado por Morpheus (Laurence Fishburne), em uma luta contra a dominação dos humanos pelas máquinas, que acaba lhe oferecendo dois comprimidos: uma pílula vermelha, que faria com que Neo adquirisse consciência sobre a natureza da realidade que o cercava; já a pílula azul, o permitiria segui vivendo em um mundo de ilusões.

Assim que o filme saiu nas salas de cinema, muitas pessoas imaginavam que o duelo das pílulas era uma critica ao sistema mercadológico, ou seja, a política de alienação da população seria a pílula azul que continuaria mantendo a população no ‘escuro’ e isso acabava favorecendo o lucro, já a pílula vermelha seria a famosa ‘consciência de classe’. Mas recentemente, as irmãs diretoras da dramaturgia durante uma entrevista ao Netflix Filme Club sugeriram outra interpretação para o filme. Segundo elas, a intenção original de Matrix era ser uma alegoria ao processo de transição de gênero vivenciado por pessoas trans, inclusive por elas. 
 
Porém o que observamos hoje é a deturpação da metáfora da pílula vermelha por causas muito distantes e longe do sentido original, como os “Red Pills”. Levando ao sistema de Matrix, esses homens se opõem a um sistema que “favorece” mulheres e que o feminismo os colocaria em desvantagem. Já os “blue pills” continuariam vivendo em uma ilusão, sendo enganados e usados pelas mulheres.

Segundo a atriz que interpretou a Lexy em “Matrix Resurrections”, Eréndira Ibarra, alguns grupos como os de extrema-direita estão passando a utilizar as referências e metáforas da franquia de uma forma totalmente desvirtuada e que o recente filme (Matrix 4) vem para reverter essa situação. “O novo filme pega de volta a narrativa. Por muito tempo, Matrix e a pílula azul e vermelha se tornaram uma espécie de ‘meme’ para a ultra-direita. Eram pessoas que não acreditavam na diversidade e usavam a metáfora das pílulas a favor deles, mas não é” finaliza.

Inclusive, as diretoras Wachowski já expressaram a sua total desaprovação com as apropriações das ideias das pílulas por grupos conservadores e de extrema-direita. Lilly Wachowski já chegou a responder certos comentários de figuras publicas como o bilionário Elon Musk e o ex-ministro brasileiro da educação, Abraham Weintraub, após algumas publicações em suas redes sociais fazendo referências aos Red Pills.

Afinal, quem são os redpillers?

De acordo com um artigo publicado em 2021, na Revista Eco Pós, os pesquisadores Gracila Vilaça e Carlos d'Andréa, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresentam o conceito da “machosfera”. Segundo eles, “trata-se de uma das subculturas da internet mais expressivas da contemporaneidade” e é formada sobretudo por homens cisgênero, heterossexuais, brancos e de classe média/alta.

Ainda segundo eles, a machosfera se organiza em prol dos “direitos dos homens” e nesse sentido, utilizam da violência para abraçar uma ideia de “masculinidade tradicional” e, assim, responder à “misandria” e ao “racismo reverso” que eles alegam sofrer. Esses sujeitos ainda destilam ódio contra a comunidade LGBTQIA+, em especial transgêneros, transsexuais e travestis.
 
Portanto, os seguidores dessa ‘filosofia’ usam o anônimo em seu favor de modo a se libertarem de limitações físicas e criar para si uma presença exagerada em múltiplas plataformas, performando suas interações no que eles dizem ser um equilíbrio entre emoção e razão.

Ou seja, estar “consciente” é o sinônimo de ter “tomado a pílula vermelha”, ou ser um "redpiller".

Os representantes do Red Pill sistemizam o seu modo de viver em dicas de como ser atraente, como tratar a mulher no primeiro encontro e viver como um "homem de valor". Nas redes sociais, esses disseminadores utilizam como marca registrada, um emoji de taça de vinho acompanhado de uma escultura Moai, da Ilha da Páscoa. Para eles, essas figuras trazem traços masculinos a serem cultuados, com a mandibula bem torneada e o queixo protuberante. 

É assustador pensar que movimentos como esse sejam aplaudidos e reverenciados na internet e na nossa sociedade, ou seja, um reflexo sistêmico de guerra entre os sexos em pleno 2023. O que esse grupo quer? Igualdade? Com certeza não. Quem faz parte desses pensamentos, crêem que a mulher deve ser “escolhida” e tratada por categorias. Afinal, são meninos feridos pelas suas expectativas frustradas ou que tiveram uma figura paterna ausente? Ou até misoginia mesmo, fruto do sistema patriarcal que ainda perpetua na nossa sociedade.

Segundo a especialista em comportamento e liderança, Ana Lisboa, para o site BAZAR, a imagem de fraqueza do pai diante da ‘fortaleza’ da mãe, algo extremamente comum hoje em dia, cria homens sem identidade masculina que exigirão de suas companheiras o mesmo que receberam das mães e isso também pode criar um caráter desequilibrado.

Segundo o levantamento com base nos indicadores da Central Nacional de Denúncias da Safernet, em 2022 foram registradas cerca de 7096 notificações de misoginia, ou seja média de 40 denúncias por dia contra mulheres na internet. 

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