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06/07/2023 às 22h20min - Atualizada em 01/07/2023 às 22h26min

"Obrigada e boa noite!": o grande ato de Amy Sherman-Palladino chega ao fim

A quinta temporada de The Marvelous Mrs. Maisel marca a conclusão da série este ano. A produção é o maior sucesso de Amy Sherman-Palladino desde "Gilmore Girls".

Júlia Vasconcelos - revisado por Joyce Oliveira
Rachel Brosnahan como Miriam 'Midge' Maisel em 'The Marvelous Mrs. Maisel'. (Foto: Reprodução/ Magazine HD)
The Marvelous Mrs. Maisel ganhou um Emmy por Melhor Série de Comédia, além de outras categorias, em 2018 e virou figurinha repetida na premiação desde então. Aclamada pela crítica, a série é responsável por tornar Amy Sherman-Palladino a primeira mulher a levar o prêmio de melhor roteiro e direção na categoria de comédia.

A vitória histórica para a premiação é ainda mais emblemática pelo enredo da narrativa que a conquistou. A Sra. Maisel do título da série é uma mulher jovem que teve sua vida virada de ponta-cabeça e, a partir daí, abraçou o caos e perseguiu uma carreira na comédia.

Criadora de Gilmore Girls e Bunheads, a história de Amy Sherman-Palladino com o gênero não começa com A Maravilhosa Sra. Maisel. Além de seu pai, Don Sherman, ter sido comediante, as produções da criadora audiovisual têm sempre uma dose cavalar de humor.

E essa não é a única marca registrada de Sherman-Palladino. Gilmore Girls e Bunheads, série produzida e exibida mais de 10 anos depois da primeira, carregam um estilo que The Marvelous Mrs. Maisel ostenta em sua superprodução, perceptível da fotografia à direção de arte.

As falas longas e aceleradas – inspiradas, assim como as cenas perfeitamente coreografadas, em filmes clássicos da era de ouro de Hollywood como Levada da Breca e O Grande Escândalo – que preenchem páginas e mais páginas de um roteiro desafiador a qualquer atriz ou ator que esteja no universo peculiar de Amy Sherman-Palladino carregam o timing perfeito da comédia.

Os movimentos da câmera dançante que já faz parte do carimbo de criação à la Sherman-Palladino e os figurinos de encher os olhos enriquecem o roteiro sólido que ela traz em termos de narrativa e de construção de personagens. Esses, muito bem desenvolvidos independentemente da faixa-etária a qual pertencem, compõem mais um traço característico de sua criadora.

Amy Sherman-Palladino transita com facilidade entre os mundos distintos de adolescentes, jovens adultos, idosos ou pessoas de meia idade. Essa diversidade geralmente é impressa em conflitos geracionais e familiares, pelos quais ela parece ter certa inclinação a retratar.

As personagens da criadora são irritantemente divertidas, e suas protagonistas, as belas morenas carismáticas e autocentradas, são hipnotizantes de tão afiadas. Sempre com a resposta na ponta da língua e piadas mais eficazes que um show de stand-up comedy completo, elas dominam a tela.

Midge Maisel, a última protagonista de Sherman-Palladino até então, é uma dona de casa cujo mundo se resume ao nobre Upper West Side, um marido, dois filhos e, claro, incontáveis chapéus e vestidos deslumbrantes.

A família formada pelos Weissman e pelos Maisel, unidas pelo casamento entre Midge e Joel Maisel, compõem um grupo riquíssimo em matéria de caos e conteúdo para stand-up comedy. Todos, diga-se de passagem, interpretados por atores e atrizes que parecem ter sido encomendados para os personagens aos quais dão vida.

Como todo episódio piloto de uma criação de Amy Sherman-Palladino, a vida da protagonista de The Marvelous Mrs. Maisel sofre uma reviravolta e toma rumos tão inesperados quanto irreversíveis já no primeiro episódio.

Trailer da primeira temporada de 'The Marvelous Mrs. Maisel'. (Reprodução: Prime Video/ TouTube)

Traída e deixada pelo marido Joel Maisel, que tenta a carreira de comediante plagiando profissionais reconhecidos no ramo e tem tudo para ser um vilão, mas seu imenso arco de redenção não permite, Midge afoga as mágoas em uma garrafa de vinho e conhece o poder inebriante do microfone no palco do Gaslight, a casa noturna onde Joel já havia se apresentado algumas vezes.

De pijamas, a Sra. Maisel, sempre delicada e feminina, desabafa sobre todo o drama de sua vida para o reduzido – e indesejável a qualquer comediante de longa data – público da madrugada do clube chinfrim onde Susie Myerson trabalha, localizado no não tão nobre centro da cidade de Nova York.

A apresentação tem desfecho com a prisão da respeitável senhora Maisel por indecência pública, entre outras queixas. Assim como Lenny Bruce, célebre comediante da vida real e desta ficção, Midge desenvolve problemas com a polícia por falar. Era a década de 50, afinal de contas.

Susie é a principal responsável por plantar em Midge o que vem a ser o seu maior sonho e trabalho de vida. Na noite em que a vê no palco, Susie identifica de imediato o potencial da futura comediante, que, apesar dos seus esforços para evitar apegos emocionais, torna-se sua melhor amiga.  A relação das duas tem início quando Susie paga a fiança de Midge e a convence a tomar a comédia como profissão.

A dupla dinâmica, ligada pela comédia, é a alma da série. A parceria bem-sucedida entre Rachel Brosnahan e Alex Bornstein, atrizes que interpretam brilhantemente Midge e Susie, se dá pela química das duas em cena e pelo perfil das personagens: opostas e complementares. Susie vive uma realidade que Midge, do alto de seu apartamento no Upper West Side, jamais teria acesso, produzindo uma interseccionalidade que expande os horizontes do mundo uma vez restrito da protagonista. 

 
Para a sociedade, Midge representava a mulher ideal para os padrões da época, que, aliás, continuam em vigência. O arco da personagem, contudo, representa a ruptura com esses ideais, configurando a primeira narrativa feminista de uma autora que recorrentemente centraliza suas narrativas no universo feminino e não tem predisposição total pelo politicamente correto.

Como vida perfeita não alimenta uma trama, não existe espaço para pacifismo e linearidade na vida de uma protagonista de Amy Sherman-Palladino. Lorelai Gilmore e Michelle Simms que o digam.

A primeira, protagonista de Gilmore Girls, faz uma visita aos pais no episódio piloto da obra para fazer um empréstimo a fim de pagar a escola particular da filha, criando uma dívida pela qual ela começa a pagar no mesmo episódio.

Mais sobre Gilmore Girls: A maternidade em Gilmore Girls

Já Michelle, a protagonista de Bunheads, ganha a vida como dançarina de uma boate em Las Vegas e, repentinamente, aceita o pedido de casamento de um cliente assíduo da boate. Uma vez casados, ela se muda para a cidade fictícia onde o esposo mora, mas ele morre no mesmo dia da cerimônia.

Em The Marvelous Mrs. Maisel não existe Stars Hollow nem Paradise, as esquisitas e aconchegantes cidades fictícias de Amy Sherman-Palladino. Ainda assim, a série não escapa das personagens peculiares nem da sensação reconfortante, embora se passe na grande e fria Nova York. Em parte, isso se deve à trilha sonora e aos rostos já conhecidos que compõem o elenco da série.

A história de Midge Maisel, de certa forma, converge com a de Amy Sherman-Palladino. Após assistir à sua vida desmoronar, Midge torna-se a única personagem da criadora a buscar uma carreira de sucesso sendo guiada pela ambição. Não basta tornar-se comediante, ela quer ser a maior.

Michelle e Lorelai, ao contrário, recalculam a rota dos grandes sonhos que uma vez tiveram. Devido à gravidez precoce, Lorelai Gilmore começa a trabalhar em um hotel e cresce no ramo até tornar-se gerente e, posteriormente, proprietária de hotel na pequena cidade de Stars Hollow. Rory Gilmore, seguindo os passos da mãe, sonha em ser uma grande repórter e acaba por ter os sonhos frustrados.

Michelle Simms tentou uma grande carreira na dança e, apesar do potencial, foi engolida pela cidade e precisou conformar-se como atração de clube noturno. Depois, encontra felicidade em Paradise trabalhando como professora de dança de balé.

Amy Sherman-Palladino e Daniel Palladino no Showbusiness


Bunheads é possivelmente uma tentativa falha de emplacar uma narrativa semelhante a Gilmore Girls, já que, por divergências contratuais, a série não teve o desfecho idealizado por Amy e Daniel Palladino, seu companheiro de vida e trabalho. Por isso, a série recebeu um revival na Netflix com quatro episódios que revivem os personagens e concretizam o final cíclico idealizado desde o início pelos Palladino.

Trailer legendado do revival 'Gilmore Girls: A Year in the Life'. (Reprodução: Gilmore Girls Brasil/ YouTube)
Com o fim de "A Maravilhosa Sra. Maisel", foi anunciado o próximo passo de Amy Sherman-Palladino: uma série que, assim como Bunheads, se passa no universo da dança, elemento que sempre marca presença de alguma forma nas produções da criadora. Esperançosamente, ela poderá enfim homenagear apropriadamente os seus tempos de dançarina, que, para a infelicidade de Maybin Hewes, sua mãe, foram deixados no passado.

A sétima temporada de Gilmore Girls não conta com a presença do casal na produção, e Bunheads foi cancelada por limitação de orçamento. The Marvelous Mrs. Maisel é quase que uma reparação aos Palladino – além de dispor de verba suficiente para a execução da exuberância visual da obra, a série serviu para consolidar o nome de Amy Sherman-Palladino na indústria por vezes satirizada em A Maravilhosa Sra. Maisel, que é assinada por ela do início ao fim.



Como Amy Sherman-Palladino não dá ponto sem nó em suas narrativas, a última temporada da produção mais bem-sucedida da criadora apenas arremata a trajetória de ascenção profissional de Susie e Midge delineada desde o primeiro episódio.

Os flashfowards que constroem a última temporada da série formam o panorama completo da história de The Marvelous Mrs. Maisel de maneira dinâmica, ao mesmo tempo em que funcionam como ferramenta para enfatizar o discurso da obra.

A escolha de abrir o primeiro episódio com Esther, filha de Midge, já crescida revelando-se um gênio com os mesmos trejeitos da mãe, expõe a genialidade que corre, para espanto de Abe, avô de Esther, nas veias das mulheres da família Weissman e o caráter circular da obra. Esse arco resulta na autocrítica do carismático e intelectual Abe Weissman, que mais parece um inteligente alerta à sociedade, instrumentalizado por uma figura masculina.

Quando Abe finalmente se dá conta da grandeza da filha e imagina quão longe ela poderia ter chegado se ele não tivesse medido esforços para que ela desenvolvesse seu potencial, tal como fez com Noah, Midge consegue o reconhecimento da família, pelo qual ela lutou durante cinco temporadas  para conquistar. Assim, a obra é amarrada em todas as suas esferas.

Dificilmente, seriam encontrados furos de roteiro ou pontas soltas deixadas em narrativas cuja criação é assinada por Amy Sherman-Palladino. Ao contrário, suas estórias se desenrolam sob avisos e pistas que vão sendo deixadas desde o episódio um, por mais que obras longas como Gilmore Girls e The Marvelous Mrs. Maisel tenham tendência a serem moldadas ao longo do tempo.

Avisada já na primeira temporada que para construir algo grande na vida é preciso abrir mão de todo o resto, a maternidade, o casamento, o lar e a família são preteridos na vida de Midge em nome da comédia. É uma escolha tão consciente quanto a de Don Draper pelo trabalho e pelas amantes.

O final, que pode ser lido como ambíguo no que tange à ideia de felicidade, é representativo da escolha e consequente concessão que Midge decidiu fazer na vida. Ciente do ônus e do bônus que a chegada ao topo lhe traria, ela finalmente chegou onde queria.

E tem sido um absoluto deleite acompanhar a maravilhosa senhora Maisel em sua longa e caótica trajetória permeada por dramas familiares e românticos e incontáveis perrengues de artista iniciante, representando a história de milhares de mulheres dentro e fora da cruel indústria do entretenimento, possivelmente até a de sua própria criadora.

No Gordon Ford Show, maior programa de televisão do horário nobre, Midge finalmente recebe o reconhecimento pelo qual lutou durante cinco temporadas: o da indústria, o do público e o da família.

Em uma cena filmada de modo a transportar o espectador para dentro de um sonho, Midge Maisel faz a última performance da série. Depois do último "obrigada e boa noite!", criadora e criatura são sacramentadas pela apresentação de Gordon Ford, em cena digna da finalização da obra que entra para a história da TV com potencial para tornar-se um clássico: "Deixe-me apresentá-los a magnífica, a mágica, a maravilhosa sra. Maisel".

 

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