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23/10/2023 às 01h29min - Atualizada em 30/10/2023 às 16h40min

Saiba quem é Ailton Krenak: a primeira pessoa indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras

Catharinna Marques - Revisado por Nildi Morais
(Foto: Reprodução/Estadão).

No dia 5 de outubro Ailton Krenak, ativista indígena, filósofo e escritor foi eleito a ocupar a cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL). A vaga pertencia ao historiador José Murilo de Carvalho, falecido em agosto. O pensador é a primeira pessoa indígena à integrar a instituição cultural e venceu a disputa com 23 votos, ficando na frente da historiadora Mary Del Priore, que recebeu 12 votos e do antropólogo Daniel Munduruku, com 4.

A eleição de Ailton Krenak tem um peso para além da representatividade indígena em uma das maiores e tradicionais instituições da literatura nacional. O espaço a ser ocupado pelo ativista carrega o simbolismo da necessidade de mudanças estruturais em espaços acadêmicos e de poder da sociedade brasileira. Ailton carrega consigo não apenas a força do povo Krenak, mas também a urgência das demandas das mais de quatrocentas etnias indígenas que resistem no país.

O ineditismo de uma figura indígena ocupar uma cadeira na ABL marca com euforia a eleição de uma referência pela luta da defesa dos povos originários e do meio ambiente. A eleição do ativista indígena é um olhar esperançoso para o futuro rumo à justiça social e de respeito à pluralidade e aos diferentes conhecimentos tão válidos dos povos indígenas.

A Academia Brasileira de Letras simboliza a vanguarda da literatura do país. A instituição existe desde 20 de julho de 1897 e de certo modo, reforça parâmetros que valorizam o conhecimento científico eurocentrado frente aos outros saberes. São quarenta membros efetivos e perpétuos e 20 sócios correspondentes estrangeiros. A ABL é uma organização fundada por figuras públicas como Machado de Assis e Ruy Barbosa. Em 126 anos de existência, é a primeira vez que uma figura indígena ocupa uma cadeira na instituição.

 A ocupação de Ailton Krenak como imortal na cadeira cinco da ABL demarca o esforço coletivo de movimentos progressistas, sobretudo, indígenas de reivindicação de conhecimentos indígenas em espaços de poder. De olho no futuro, o recém eleito membro da instituição revela planos para criar a Biblioteca Ailton Krenak, que terá como objetivo a valorização da cultura oral e do trabalho coletivo de resgate linguístico das línguas indígenas nativas.

Quem é Ailton Krenak?




Da etnia Krenak, Ailton nasceu na região do Médio do Rio Doce, em Itabirinha, Minas Gerais, no ano de 1953. Até a adolescência permaneceu na região, porém aos 17 anos se mudou para o Paraná com a família. Por formação, Ailton Krenak é jornalista e produtor gráfico.

A vida de Ailton Krenak é caracterizada pelos seus feitos enquanto ativista pelas causas indígenas e do meio ambiente. Em 1985, ele fundou a organização não-governamental “Núcleo de Cultura Indígena” localizada na Serra do Cipó, em Minas Gerais. O escritor, filósofo e pensador indígena é uma das grandes referências da luta dos povos originários no Brasil e participou de modo ativo do processo de elaboração da Constituição de 1988, um marco na história da redemocratização do país.  

 

O discurso do ativista ambiental na Assembleia Constituinte de 1987 é forte e potente, uma vez que em tom de denúncia, Ailton critica as violências e os abusos que as populações indígenas têm sofrido com o decorrer da história. As palavras de Ailton Krenak problematizavam a valorização do ideal de progresso econômico que não respeita a autonomia territorial e ancestral dos povos originários. À época, o ativista enquanto discursava pintou o seu próprio rosto com jenipapo, em forma de protesto aos desrespeitos à natureza e aos povos indígenas.

A implementação da Constituição cidadã, assim popularmente conhecida em 1988 também tem como contemporânea daquele ano a fundação da União dos Povos Indígenas, organização que visa defender os interesses dos povos originários em âmbito nacional. Em 1989, Ailton Krenak participa da Aliança dos povos da Floresta, movimento de defesa de reservas naturais composto por comunidades ribeirinhas e indígenas da Amazônia.

O reconhecimento do trabalho e da importância da figura de Ailton Krenak para o Brasil lhe renderam título de Doutor Honoris Causa pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) em 2016. Já no ano de 2021, o título é concedido pela Unb (Universidade de Brasília). A atribuição de instituições públicas de grande prestígio social reconhece o esforço do ativismo de Ailton Krenak para a sociedade e tudo o que a figura dele enquanto uma pessoa indígena representa para a esfera dos direitos humanos e da educação. Atualmente o escritor e ativista mora na Reserva Indígena Krenak, em Resplendor, Minas Gerais. Tal lugar encontra-se situado em meio às ações de extração por mineradoras.


Os escritos de Ailton Krenak



As obras de Ailton Krenak são da editora Companhia das Letras e tem como temáticas principais os discursos: as possibilidades de futuro em respeito à natureza como parte integrante dos seres humanos, o amor e respeito ao meio ambiente, os impactos da pandemia de Covid-19 nas populações indígenas e um chamado para alternativas sustentáveis de vida.

“Ideias para adiar o fim do mundo” é um compilado das conferências dadas por Ailton Krenak em Lisboa, Portugal, em 2017. No livro, o ativista provoca o deslocamento de representação da humanidade autointitulada pelos brancos frente ao apagamento e silenciamento de minorias sociais como os povos indígenas.

Por uma outra visão de mundo, que tem como consideração o todo, Ailton Krenak questiona a divisão entre Terra e Humanidade, que pauta a separação burocrática entre razão e emoção. Ainda por essa perspectiva, em “O amanhã não está à venda”, o autor foca mais no cenário de pandemia e de crises socioambientais. Já no livro “A vida não é útil”, o autor dá mais ênfase no existir dos seres humanos, das lógicas de consumo e das crises provocadas pelo sistema capitalista. As produções de Ailton Krenak dão um alerta para os leitores e os chamam para agir perante a um modelo de vida e de produção fadado ao “fim do mundo”.

 




 


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