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13/06/2024 às 20h38min - Atualizada em 13/06/2024 às 20h05min

Assange na Mira da Censura Colateral

“A todos os líderes políticos e jornalistas que escrevem discursos (....) Vocês ainda podem salvar Assange. Se ficar em silêncio aqui, quando e onde você pode realmente influenciar o resultado, você nunca estará defendendo princípios. Estará apenas esperando por aplausos”, escreve Edward Snowden, ex-analista de sistemas da CIA, no X (antigo Twitter).

Maria Eduarda Torres Cavalcanti - Revisado por Paola Pedro
(Foto: Reprodução / Estadão)

Abril de 2019. O mundo esperava raiar como de costume. O cidadão médio de qualquer parte do globo coçava os olhos e cambaleava, tomado pela embriaguez de uma noite boa ou mal dormida, à procura de um estímulo para os nervos. Pela manhã, passara seu café — preto, para dias amargos e descafeínado, quando ainda lhe restara certo brilho nos olhos —  e deslizara o dedo pela tela do aparelho eletrônico. 

 

Mensagens, Adulações do Correio Eletrônico, Últimas Notícias. Era uma manhã de quarta-feira quando estampara nos jornais a figura de um homem grisalho, de barba longa e olhar atordoado. Ele firmara seus pés sobre o chão na tentativa de se livrar da reprimenda dos oficiais que o seguravam. Mesmo afastado do gabinete computadorizado, seu nome era digno de nota em letras garrafais e de repercussão internacional.

 

Julian Assange, jornalista e co-fundador do Wikileaks — organização transnacional e sem fins lucrativos responsável pela divulgação, on-line, de documentos de interesse público — fora algemado e arrastado à força da Embaixada do Equador, em Londres, até um veículo blindado da Polícia Metropolitana. O publisher australiano que estava, até então, em asilo político desde 2012, fora intimado pela Justiça dos Estados Unidos a responder pelo crime de conspiração e espionagem. 

 

Do Wikileaks ao Limbo Jurídico

 

A acusação de Assange parte do vazamento anônimo de centenas de milhares de arquivos confidenciais com informações diplomáticas e denúncias — que vão desde crimes de guerra a escândalos de corrupção — de atividades militares norte-americanas, em 2010, que foram fornecidos por Chelsea Manning, ativista trans e ex-combatente das forças armadas americanas. 

 

O grande volume de documentos revelou ao público boa parte de violações brutais da soberana entre as potências ocidentais, orgulhosa da sua política de “boa vizinhança”, ainda que esteja armada até os dentes: massacres de civis, lista de detentos da Baía de Guantánamo — importante base militar e complexo prisional americano, localizado em terras cubanas — e os abusos que foram submetidos, bem como casos de tortura e assassinato, foram, à posteriori, noticiados pelos maiores veículos de comunicação do mundo, a citar o The New York Times e o El Pais, parceiros do Wikileaks. 

 

Um episódio marcante da cobertura incansável do réu e seus colaboradores  — e que forçara, inclusive, o governo americano a romper o silêncio e enfrentar os maus lençóis com a opinião pública — foi transmitido por um helicóptero de ataque. Nele, soldados americanos atiram deliberadamente contra civis em Nova Bagdad, Iraque. Entre as vítimas, estavam Namir Noor-Eldeen, jornalista da Reuters, e seu motorista Saeed Chmagh, que morreram no ataque, em julho de 2007, quando ainda estava em posse o republicano George W. Bush. Até a presente data, os pilotos do helicóptero não foram, sequer, indenizados pelo crime. 

 

Detido há cinco anos na penitenciária de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, Julian Assange aguarda o julgamento da Corte Britânica sobre o pedido de barrar sua extradição aos Estados Unidos. Caso a apelação da defesa for negada, o ciberativista será condenado a 175 anos de sentença: o equivalente à prisão perpétua. 

 

Chelsea Manning, sentenciada a 35 anos de cárcere, cumpre a mais longa sentença por vazamento de informações secretas em quase cem anos da Lei de Espionagem. 

 

O Julgado é Assange, mas a ameaça mira, também, no Jornalismo

 

Em um mundo cada vez mais hiper mediado pelas tecnologias que o cercam — e que fizera da informação a mais valiosa moeda de troca — é exigido que nós, colegas de profissão e cidadãos, dentro e fora do nosso ofício, lutemos para que o sigilo das fontes e nosso dever de noticiar a verdade seja protegido. A perseguição de Assange, cujo “crime” fora publicar fatos de interesse público — que passam por um rigoroso processo de checagem de informações e estão respaldados, inclusive, nos princípios e práticas de jornalismo investigativo — é um alerta sombrio para a imprensa livre e aponta para uma crise irreparável na democracia.

 

Que segurança será concedida a nós se, ao bel prazer dos poderosos e de suas intermináveis letras miúdas, vivermos? É preciso lutar para que continuemos a gozar do direito — e dever — de expressar-se e vigiar aqueles que roem, compulsivamente, as brechas do aparelho jurídico sem justas equivalências. A luta de Assange também é nossa, pois ele não é o primeiro a quem o alto gabinete direciona esforços para silenciar e, certamente, não será o último. 

 

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