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15/04/2021 às 00h00min - Atualizada em 16/04/2021 às 00h01min

Em meio à pandemia, quase 117 milhões de brasileiros sofrem com insegurança alimentar

ONGs e Projetos sociais estão se organizando para prestarem ajuda a essas pessoas

Meire Santos - Editado por Júlio Sousa
Crédito: Arte - site PT
Em meio à crise sanitária, social e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, a fome voltou a avançar no Brasil. Em 2020, 116,8 milhões de brasileiros foram identificados com algum grau de insegurança alimentar, eles representam 55,2% dos domicílios do país. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

A insegurança alimentar ocorre quando a pessoa não dispõe de quantidade ou qualidade suficiente de comida. Ela possui três classificações: leve, mediana e grave. Do total de pessoas identificadas, 73,4 milhões foram afetadas de forma leve, 24,3 moderada e 19,1 grave.

Na insegurança alimentar de forma grave, são enquadradas pessoas que estão efetivamente passando fome. O número de pessoas identificadas nessa categoria corresponde a 9% da população, essa é maior taxa desde 2004, quando chegou a 9,5%.

A pesquisa, que foi realizada entre 5 e 24 de dezembro de 2020 em 2.180 domicílios de todas as regiões do Brasil, também fez um mapeamento por região, gênero do chefe de família, raça e escolaridade.

Na análise regional, as regiões Norte e Nordeste foram as mais afetadas. Entre os 9% identificados com insegurança alimentar grave (fome), 18,1% foram no Norte e 13,8% no Nordeste. Com números bem menores, o Centro-Oeste aparece com 6,9% e o Sul e Sudeste com 6%.

Quanto ao gênero do chefe de família, a insegurança alimentar grave esteve presente em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres. Em sua classificação moderada, o percentual subiu para 15,9%. Nos domicílios que possuíam um homem como provedor, 7,7% deles foram afetados tanto de forma grave quanto moderada.

Na pesquisa racial, a fome atingiu 10,7% das pessoas pretas ou pardas, enquanto 7,5% eram pessoas brancas. Quanto à insegurança alimentar moderada, 13,7% eram pretas ou pardas e 8,9% brancas.

A escolaridade também impactou nos resultados, 14,7% dos lares identificados com algum tipo de insegurança alimentar eram chefiados por pessoas sem escolaridade ou ensino fundamental incompleto. Com o ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto, foram 10,7%. Por fim, 4,7% tinham como provedor pessoas com ensino médio completo.

Auxílio emergencial

No ano passado, após forte pressão da Câmara dos Deputados, o governo federal aprovou um auxílio emergencial de R$600 e R$1.200 para famílias que se encontravam em vulnerabilidade socioeconômica. O benefício teve duração de cinco meses e atingiu 67,2 milhões de famílias. Após esse período, o auxílio foi prorrogado por mais quatro meses, com um valor reduzido para R$300 e R$600

A pesquisa da Penssan engloba os meses finais de 2020. Portanto, o período em que o auxílio teve uma redução no valor pago. Para Leonardo Trevisan, economista e professor da ESPM, essa redução somada ao fim do auxílio nos meses iniciais deste ano afetaram diretamente na taxa de pobreza do país:

 
“O auxílio do ano passado teve uma forte incidência na redução da pobreza absoluta. Quando nós medimos a chamada taxa média de pobreza, que é agora de 10,9%, com o auxílio emergencial, no ano passado, ela recuou para 8.5%. Esses dados são do IBRE, Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, que é reconhecido nesta área de medida de pobreza absoluta no país. Há um cálculo deste mesmo IBRE de que, neste primeiro trimestre, a média de pobreza absoluta no Brasil já avançou para 12.8%”, explica.

Em março deste ano, uma nova rodada do auxílio emergencial foi aprovada, ela varia entre R$150 e R$375. Trevisan aponta que analisando os dados do IBRE, já mencionados, fica claro que esse valor é insuficiente para a manutenção da realidade brasileira.

Crédito: Reprodução/Linkedin

Crédito: Reprodução/Linkedin

Leonardo Trevisan, economista e professor


Outro fator que está diretamente atrelado à redução de renda é o alto índice de desemprego. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), 14,3 milhões de brasileiros estão desempregados atualmente. Para lidar com esse problema, o economista acredita ser necessário a criação de novas ações assistenciais pelo governo. “É uma situação em que a família vive de doações, vive de assistência, de órgãos de assistência, órgãos de caridade ou então de auxílio familiar. É evidente que, em uma situação assim, o governo federal deveria promover ações mais eficazes, não só as restritas ao auxílio emergencial, o auxílio emergencial virá acoplado a quem já recebe o Bolsa Família”.

Trevisan finaliza dizendo que essas ações também são responsabilidade dos governos estaduais e municipais, portanto, o ideal seria que houvesse uma ação coordenada entre as três entidades para o enfrentamento da pobreza. “Há uma necessidade de uma ação coordenada e organizada entre os três entes federativos para enfrentar a pandemia e enfrentar as consequências econômicas da pandemia, que é o crescimento muito forte da pobreza absoluta. Isso é uma ação que deveria ser prioritária em qualquer medida organizada tanto em estados e municípios quando no governo federal. Infelizmente, não é isso nós temos visto”, comenta.
 
Trabalho voluntário

Devido ao aumento no número de pessoas em situação de vulnerabilidade social, projetos e ONGs (Organizações Não Governamentais) estão se mobilizado para prestarem ajuda às pessoas carentes. No Distrito Federal (DF), a ONDAN (Organização Negra de Alcance Nacional) tem promovido campanhas e ações para amparar a comunidade negra e periférica neste período.
“A iniciativa ONDAN nasceu da necessidade de criar ações emergenciais voltadas para a população negra e periférica durante e após a pandemia da Covid-19. Neste momento, estamos com a campanha ONDAN solidária, arrecadando alimentos, cestas básicas, produtos de higiene e limpeza e também qualquer de quantia em dinheiro para compra desses itens que são entregues para famílias no DF e entorno”, explica Jusianne Castilho, membra fundadora do projeto.

Castilho conta que houve uma queda nas doações em meio à pandemia. Por conta disso, o projeto precisou recorrer a outros meios para arrecadar dinheiro para a compra de cestas básicas. “As doações diminuíram bastante, parece que as pessoas que estão em condições de doar acreditam que a pandemia e o isolamento acabaram. Nós continuamos com as arrecadações e agora criamos uma rifa solidária com o objetivo de levantar mais dinheiro para compra de cestas básicas”.

Para Castilho, as famílias periféricas são as mais afetadas pela fome e isso é preocupante. Para solucionar esse problema, ela acredita que é essencial que se crie políticas de combate à fome nesses locais. “O ideal seria criar políticas de base emergenciais de enfrentamento à fome nas periferias do país, de forma que houvesse acompanhamento estatal dessas famílias”, aponta a membra fundadora da ONDAN. “Através da solidariedade ativa é que podemos criar ações que busquem minimizar os impactos causados pela pandemia entre as pessoas mais vulneráveis, sejam a partir de doações diretas ou através de organizações coletivas”, complementa. Castilho finaliza dizendo que a contribuição da população é essencial para a manutenção e continuidade das campanhas, seja ela com doações de alimentos e dinheiro ou compra de rifas.

 Em Porto Alegre (RS), a ONG Misturaí, que desde 2018 promove ações em prol das comunidades carentes do município, diz ser perceptível o aumento no número de pessoas com insegurança alimentar. “O número de pessoas em busca de alimentos subiu de janeiro para cá. A partir da entrada do estado na bandeira preta, sentimos aumentar mais ainda”, conta Simone Otto, responsável pela comunicação institucional da Misturaí.

Otto também relata que a arrecadação de alimentos diminuiu. Para reverter a situação, além das campanhas, eles se uniram com outros voluntários para uma arrecadação conjunta. Além disso, ela ressalta que é necessário que o governo crie um plano que dê assistência a essas pessoas e, dessa forma, acabe com a insegurança alimentar:

 
“A gente teria que ter um plano de governo sólido e que conseguisse atender a tanta gente. Deveríamos ter um auxílio emergencial melhor, pois já era baixo e agora é impraticável. Sem emprego e sem ajuda, as pessoas não conseguem morar, comer e ter o mínimo de dignidade.”

Para maior segurança nesse período, a ONG optou por paralisar os projetos presenciais, além de seguir todos os protocolos de segurança para evitar a contaminação:
 
“Estamos praticando todas as recomendações do protocolo para Covid. Usamos máscaras, a maioria de nós a N95, lavamos e higienizamos as mãos com frequência, higienizamos superfícies. Distribuímos máscaras e álcool gel para quem não tem e quer ser atendido. Tivemos que reduzir número de pessoas na nossa sede, fazendo revezamento entre os voluntáries. Paramos projetos presenciais até que aconteça uma melhora na situação”, explica Simone Otto.

Nessa luta por prestar assistência às pessoas carentes e acabar com a desigualdade socioeconômica no país, também se encontra o Projeto Atados, que é responsável por unir ONGs e projetos de todo Brasil com pessoas que tenham interesse em prestar serviços voluntários. Hoje, eles atuam com uma rede de mais de 2000 OSCs (Organização da Sociedade Civil). Rosa Diaz, gerente de projetos do Atados, conta que, com o aumento no número de pessoas com insegurança alimentar no país, organizações de diversos segmentos estão se mobilizando para arrecadar alimentos:

 
“Desde o início da pandemia, é possível observar que houve uma mudança no eixo de atuação de diversas organizações para lidar com a questão da fome e da insegurança alimentar.  Organizações que antes atuavam no eixo de arte, cultura, esportes ou mesmo na área ambiental passaram a atuar diretamente na captação de recursos para distribuir o básico nos territórios onde atuam.”

Diaz
conta que no início da pandemia as doações foram altas, com o passar do tempo, no entanto, elas caíram na mesma medida em que a demanda aumentou. Hoje, as organizações parceiras do Atados estão passando por uma situação difícil por conta da baixa arrecadação de alimentos.
“O caso da UmRio, que viu a fome dos assistidos aumentar em 200%, é um exemplo do que muitas organizações têm passado. No ano passado conseguiram distribuir 17 toneladas de alimentos, mas neste ano, por falta de orçamento, não puderam distribuir cestas básicas. O mesmo com a Ação da Cidadania, organização referência no combate à fome e a miséria no Brasil, que recentemente lançou a campanha BrasilSemFome, viu as doações caírem de 80mil cestas por mês para 8mil”, conta a gerente de projetos.
Mesmo com as dificuldades, o projeto tem recebido apoio neste momento. Diaz afirma que o número de cadastros de voluntários aumentou em 28%, chegando a 172.340. O número de organizações cadastradas também aumentou em 36%, atingindo um total de 2913.

No momento, o projeto está promovendo a campanha Prato Cheio para uma Boa Ação, que visa arrecadar alimentos. “Nesta campanha, lançada há menos de um mês, mais de 100 organizações já se cadastraram como pontos de coleta e recebimento de alimentos, além de mais de 150 voluntários que estão mobilizando doações em redes próprias. A ideia é justamente despertar a sociedade para colaborar e participar ativamente, apoiando as organizações que estão na linha de frente”, explica a gerente de projetos. Além das campanhas, eles também fazem rifas, bazares, vaquinhas online, parceria com comércios, entre outros para conseguir recursos.

Diaz finaliza pontuando que a participação do governo no combate à fome é imprescindível para que esse problema seja solucionado. “Acreditamos que o voluntariado e as organizações da sociedade civil não se sobrepõem ao governo, eles são complementares e deveriam andar juntos. Pautar o tema da fome, da insegurança alimentar é urgente. Divulgar dados e formas de colaborar com as organizações que atuam na linha de frente do problema é o primeiro passo para solucionarmos uma situação que se agravou no último ano”.
 



Para mais informações ou realizar doações para as ONGs e projetos mencionados, seguem os canais de contato:

ONDAN 
Instagram: @ondan_br
WhatsApp: (61) 98251-6286
E-mail e chave pix: [email protected]
 
Misturaí
Instagram: @misturaipoa
WhatsApp: (51) 98023-3892
E-mail e chave pix: [email protected]
 
Atados
Instagram: @atados
Doações e grupo do WhatsApp: https://www.atados.com.br/dba

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