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15/06/2021 às 21h11min - Atualizada em 15/06/2021 às 20h27min

Os Desafios de Viver de Música em Tempos de Pandemia

Artistas alagoanos que trabalhavam se apresentando em bares e eventos lutam para tentar se manter

Gustavo Domingos - editado por Luhê Ramos
Portal Metrópoles
No momento em que o mundo está em crise, decorrente da pandemia da Covid-19, profissionais das mais diversas áreas precisaram se reinventar para continuar colocando comida dentro de seus lares. Não diferente dessa realidade, a alternativa adotada pelos profissionais da música e do entretenimento foi optar pelas lives. A remuneração nessa modalidade de apresentação se dá através de visualizações e de anúncios no decorrer do show virtual. Mas esse é um desafio ainda maior para os músicos de pequeno poder financeiro.
 
Essa questão foi tão importante nesse momento atual, que foi realizada, de forma inédita, uma pesquisa sobre o mercado de música durante a pandemia. O estudo foi desenvolvido pela União Brasileira de Compositores (UBC) e pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Na pesquisa, foi divulgado que 86% dos 883 músicos, compositores, intérpretes, produtores e outros profissionais da música que responderam ao questionário sentiram o impacto da pandemia no bolso. Além disso, concluiu-se que as carreiras mais prejudicadas pela pandemia foram as de instrumentistas (49%), intérpretes (49%) e compositores (35%).


A pesquisa apontou ainda que 30% dos músicos perderam toda a sua renda devido à paralisação dos eventos e que 53% dividirão sua vida entre música e outra forma de renda, enquanto 30% confirmaram que irão continuar apenas no meio artístico.

Dessa forma, os dados levantados por essas pesquisas tornaram a difícil situação dos artistas independentes no Brasil ainda mais visível. Por um lado questões financeiras pesam na vida dos músicos, mas por outro, boa parte da população concorda com as restrições impostas pelo governo. Assim, conhecer os relatos e as situações dos próprios músicos é essencial para entender a dimensão dos problemas desses trabalhadores da cultura. Portanto, buscamos depoimentos de artistas alagoanos, especificamente os que cantam nas noites em Maceió.

Relatos dos profissionais

Seria impossível tentar contar a realidade dos profissionais de música em Alagoas sem dar voz a eles. Por isso, a reportagem buscou história de pessoas diferentes, que estão sofrendo pelo mesmo mal: a pandemia da Covid-19. Pessoas que viram, desde março de 2020, a realidade profissional e financeira mudarem de uma forma drástica, saindo da rotina de muitos shows numa mesma semana para o isolamento e o distanciamento social.

O cantor alagoano Thuca Martins segue carreira solo. Em sua banda, composta por sete músicos, seis deles sustentam suas famílias exclusivamente da música. “É impossível sobreviver de música nesses tempos. Muitos buscam fazer lives e tentam receber alguma doação, mas a situação está difícil pra todo mundo”, disse Martins, que vê de perto a situação difícil que afeta parceiros, profissionais e amigos.

Para o cantor, a situação se agrava ainda mais porque ele não tem outro trabalho além de cantar. “Eu larguei o meu emprego com carteira assinada pra viver da música, pois quando a gente estava tocando eu tinha no mínimo seis a sete shows na semana e estava ganhando mais do que com a carteira assinada”, conta.

Essa era a realidade até o início da pandemia. A solução tem sido apelar para a ajuda de familiares, que estão auxiliando o cantor com as despesas. O vocalista ainda contou que tentou obter auxílio do Governo Federal, mas não conseguiu.

E apesar de receber apoio financeiro dos parentes, Thuca pode ser considerado uma exceção. Ele disse que a casa não depende de sua renda mensal, mas que várias pessoas conhecidas tiram seu sustento dessa atividade e para conseguir colocar comida na mesa e pagar as contas tiveram que vender seus instrumentos, que são equipamentos de trabalho.

Mais um jovem que embarcou no mundo da música, João Paulo Peixoto é, além de estudante de biomedicina, cavaquinista e um dos responsáveis pelo grupo Papo Reto, banda de samba e pagode de Maceió. Junto a outros dois amigos, ele decidiu investir em um projeto próprio para colocar em prática a paixão pelas rodas de samba na adolescência.

O grupo fez sua estreia em novembro de 2020. Cerca de um mês depois já teve a primeira baixa: o decreto governamental voltou a proibir música ao vivo nos bares e restaurantes a fim de evitar aglomerações. Por isso, algumas apresentações foram canceladas. Poucos meses depois, medidas ainda mais restritivas: Alagoas retornou à fase vermelha do Plano de Distanciamento Social Controlado, onde não é permitido consumo nos bares, apenas o funcionamento por meio de delivery e “pegue e leve”, além da proibição de eventos de qualquer natureza, sejam eles públicos, privados ou pessoais.


João e outros integrantes responsáveis pela “administração” da banda precisaram comprar instrumentos, equipamentos de som e outros gastos imprescindíveis para o andamento do projeto. “Foi um investimento grande, financeiramente e em esforços. Para nós foi desmotivante”, desabafou o cavaquinista. A solução para manter uma fonte de renda foi buscar lucro como motorista por aplicativo. Apesar dos empecilhos, o jovem adota um tom esperançoso: “Acredito que dias melhores virão”.

Matheus Gama também é integrante do Grupo Papo Reto e falou sobre as dificuldades, mesmo diante de uma aparente ‘melhora’ na crise sanitária e das flexibilizações feitas pelo Governo do Estado.


Já Ezequias Araújo, percussionista, produtor e empresário do grupo Sempre Amigos, vê sua condição piorar a cada período que fica afastado dos palcos. Há um ano e meio vivendo apenas de música, com a pandemia, ele precisou sair de Maceió para eliminar uma despesa: o aluguel. Para tentar economizar, a solução foi voltar para a casa própria em União dos Palmares, no interior do estado. Sem carro, quando tem algum compromisso precisa fazer o trajeto de transporte público. Provedor do lar, sem emprego de carteira assinada, a única opção é depender da ajuda de amigos e familiares.

Assistência do poder público

Em Alagoas, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) foi responsável pela administração de parte do recurso da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Além da chamada para o auxílio emergencial, a Secult lançou 17 editais de fomento à cultura, que investiram R$ 33.078.500 em diversos setores culturais: música, artesanato, literatura, cultura e manifestação popular, projetos culturais, pontos, coletivos e espaços culturais, artes visual e digital, artes cênicas, patrimônio e audiovisual.

No estado, o Auxílio Emergencial, instituído pela União, beneficiou o total de 663 pessoas, que receberam parcelas de R$ 600,00 e R$ 1.200,00 (nos casos de monoparentais) totalizando R$2.028.663, enquanto os certames lançados pela Secult contemplaram outros 1.529 proponentes com mais de R$ 33 milhões. Mais de 90% do recurso já foram pagos, e o restante está em fase de conclusão.

 “A Lei Aldir Blanc foi uma medida emergencial que o setor cultural tomou para minorar os efeitos da pandemia na classe artística. Alagoas recebeu cerca de R$ 57 milhões, sendo R$ 33 milhões para o Estado e o restante direto na conta dos municípios, provenientes da nova lei federal de auxílio financeiro aos artistas informais do país durante o período de pandemia do novo coronavírus. Esta foi uma conquista construída com muitas mãos, um roteiro que uniu todo o país, proporcionando o fortalecimento do setor no estado durante a pandemia”, declarou a secretária de cultura de Alagoas, Mellina Freitas.


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