A relação familiar entre jovens que querem encontrar a sua tribo longe da família e pais que não compreendem seus filhos pode parecer uma narrativa clichê, mas na animação A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (2021), a temática é explorada de uma forma diferente. O abismo que divide gerações – analógicos e nativos digitais – no filme, é pautado na inserção da tecnologia no meio das relações familiares e demonstra como as interações interpessoais vêm sendo modificadas com o uso da internet. O filme mostra as peculiaridades da personalidade de cada membro da família Mitchell e como a união das partes pode salvar (literalmente) o mundo.
A animação acompanha a história de Katie, uma jovem criativa, moderna, que gosta de filmes e se sente deslocada no ambiente em que vive. A abordagem feita em relação ao desejo de Katie em ir embora em busca da sua tribo mostra que ela só quer um lugar em que é aceita e apoiada. Ela e seu pai, Rick, estão distantes dentro do próprio lar, para reestruturar o laço com a filha, Rick decide que irá levá-la à faculdade de carro junto com sua esposa Linda, o filho caçula Aron, e o cachorro Monchi.
A viagem será cheia de aventura por conta da revolta das máquinas – ou eu diria: a revolta da PAL, uma Inteligência Artificial que foi substituída por robôs multifuncionais e planeja acabar com a humanidade.
O longa-metragem produzido pela Sony Animation, é dirigido por Michael Rianda – diretor criativo e roteirista na primeira temporada de Gravity Falls (2012), e consultor criativo na segunda temporada. Na nova animação A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, o cineasta fez escolhas muito interessantes que estão interligadas com a história. Foram exploradas as técnicas 2D e 3D e utilizados recursos de linguagem moderna e da internet, incluindo a inserção de memes e até de vídeos do YouTube e do TikTok. A animação é ideal para todos os públicos: infantil, jovem e adulto.
Conexão com a internet, desconexão familiar
Atualmente, a internet está no meio das relações interpessoais e, inclusive, nos elos familiares. Esse tipo de história já é conhecido, mas isso foi inovado no filme, que surpreende o telespectador com a utilização de diferentes recursos audiovisuais. A cada nova cena há uma explosão de cores que evidencia um momento específico da família – close de tensão transformado em comédia. Mesmo entre as esquisitices dos Mitchell's dá para notar que existe um desejo em comum: reconexão.
A mãe, Linda, e o caçula, Aron, se unem com o objetivo de restabelecer a ligação entre Rick e Katie. É interessante como as tentativas são bem pensadas de modo que pai e filha não percebem como existe essa iniciativa dos dois para que a família fique unida.
Os filhos e a mãe, estão acostumados com a tecnologia, mas o pai, não procura se inserir e, de certa forma, compartilhar esse gosto pelas novas formas de comunicação – o que causa um conflito com Katie, nativa digital que se diverte com a criação de filmes e com a internet.
Ao longo da história, características de cada personagem são trabalhadas de uma forma diferente e demonstram que, apesar de terem gostos distintos e serem “esquisitos”, eles se complementam – mas demoram para perceber – e desejam que o elo seja restabelecido.
O filme é repleto de críticas sociais a respeito da tecnologia e como é crescente o distanciamento entre os indivíduos. O desenvolvedor da PAL, Mark, admite:
Parece que roubar dados pessoais e dar para uma Inteligência Artificial hiperdesenvolvida num monopólio desregulado era mesmo coisa ruim.
* O trecho acima é uma transcrição da dublagem brasileira.
Neste ponto é importante observar que a narrativa da A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas não é sobre o futuro, é sobre o presente, o que acontece hoje e agora. Assim que os robôs começam a capturar os humanos, Linda diz:
Quem diria que uma empresa de tecnologia não pensa no bem-estar dos clientes.
* O trecho acima é uma transcrição da dublagem brasileira.
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas perpassa sobre a importância de aceitar as imperfeições da vida individual sem comparar com o terreno do vizinho – via Instagram – outra crítica notável e demonstra que ser perfeito nas redes não adianta muita coisa.
Amor e aceitação
A produção possui uma dinâmica pensada para fixar a atenção em cada segundo e se envolver com a trama que é leve, cômica e desperta o pensamento crítico.
A PAL defende que relações são muito difíceis e que o melhor é ficar sozinho. Ela mostra que o amor e a parceria são desestruturados quando há uma quebra de confiança, é inegável que isso é verdade, mas para ela – uma IA hiperdesenvolvida – o amor é algo que ela não consegue aprender e nem compreender, pois não o sente (ela achava que sentia até se tornar substituível e ser abandonada). Katie descobriu o real sentido de amar e de compreender o outro – mesmo após tentar abandonar a família. O telespectador pode ver de que forma podemos notar esses elementos no cotidiano a fim de continuar lutando por algumas relações.
O longa é atrativo para públicos de diversos gostos e a trilha sonora ajuda no envolvimento de diferentes gerações. A animação mostra que não precisamos ser perfeitos, mas apenas encontrar nosso lugar no mundo e pessoas que nos acolham. A imperfeição, a oportunidade de errar, refletir e consertar o erro é uma atribuição dos humanos e deve ser utilizada. Viver sem cobranças, aceitar a sua imperfeição e não se comparar pode ser a chave para a felicidade.
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas foi feito baseado em pessoas reais para famílias reais – autêntico e frenético.
Confira o trailer da animação:
Trailer oficila de "A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas", dublado. (Reprodução: Netflix Brasil -YouTube)