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25/07/2021 às 01h11min - Atualizada em 25/07/2021 às 00h20min

Padrões estéticos atingem até mesmo os pets

Resultado da seleção artificial, diversas raças enfrentam problemas de saúde que prejudicam a qualidade de vida

Isabella Leandra - Revisado por Damáris Gonçalves
(Foto: Reprodução/ cuttiedoggys.com)

Desde meados do século XIX, os cães são utilizados em concursos de beleza. Por muito tempo, eles foram símbolo de nobreza e, muitas vezes, consideradas sagradas. Com isso, diversas mutações e cruzamentos artificiais foram feitos para manter linhagens puras. Por consequência, isso trouxe características próprias para cada raça, mas também novos problemas.
 
As Raças que Conhecemos Hoje
De acordo com a Organização Canina Mundial (FCI), atualmente existem cerca de 353 raças de cachorro ao redor do mundo. Inicialmente, os cruzamentos e seleções artificiais tinham como propósito o desenvolvimento de raças com maior força, agilidade e disciplina. Foi a partir de 1873 que a inglesa Kennel Club passou a “catalogar” as raças de acordo com seus objetivos e funções. Daí surgiu o conhecido registro pedigree.

Confira os grupos de cães e raças classificadas atualmente
 
Entretanto, com a ascensão dos concursos de beleza canina e essa possibilidade de selecionar as características físicas dos cães, a seleção artificial passou a ter um propósito meramente estético. Visando principalmente um visual mais “fofo” para os pets, diversas consequências para a anatomia e saúde desses animais podem ser vistas até hoje.
 
Seleção artificial e suas consequências
De acordo com a médica veterinária e doutora em Biologia Celular pela UFMG, Gleide Fernandes de Avelar (43), é importante diferenciar doenças de predisposição genética das alterações provocadas em pela seleção artificial.

 

“Nesse caso, são realizados acasalamentos que vislumbram o acentuamento de características consideradas estéticas, ou que buscam atender os interesses e anseios de possíveis futuros tutores, não respeitando a manutenção da função orgânica”, relata. 

 


Avelar ressalta o direcionamento para obter indivíduos com conformação cefálica arredondada, que já é comum em raças braquicefálicas (de “cabeça curta”), como é possível observar nas raças Boxer, Bulldog Francês, Pequinês, Shih-tzu e Pug. Nessas raças, a busca por um perfil cada vez mais “achatado”, provoca diversos problemas principalmente de respiração, e compromete sua qualidade de vida de forma severa.

Ela conta que características como o prolongamento de palato mole, hipoplastia de traqueia (que dificultam a passagem de ar), colapso de laringe e estreitamento de narina, são responsáveis pela dificuldade respiratória dessas raças. Além disso, apresentam grande dificuldade para parir. Isso ocorre devido a pelve estreita normalmente apresentadas nas fêmeas de "cabeça curta" e a grande circunferência da cabeça dos filhotes.

Só quem tem, sabe
Aos 19 anos, Arthur Hausmann relata como tem sido a experiência com seu pet Zara, uma Bulldog Francês de 1 ano e 6 meses. Ele expõe os problemas relacionados a sua respiração, em que, dependendo da posição da cabeça, pode aumentar os roncos. Por conta disso, sua disposição física é limitada.

Além disso, Hausmann salienta os cuidados redobrados que precisa ter com Zara. Ela trata um problema de pele com remédio manipulado dado diariamente, e seus olhos ficavam irritados facilmente quando filhote.
 

“A raça é muito propensa a obesidade e vários problemas de pele, por isso temos que tomar muito cuidado com o tipo de comida que ela ingere, pois qualquer alimento diferente do que ela está habituada a comer, faz mal”, conclui o estudante. 


Animal Doméstico Não é Acessório
O status de poder que muitas raças proporcionam e os concursos de beleza animal foram grandes contribuintes para aumentar a vaidade humana. A domesticação de cães trouxe a necessidade de um animal cada vez mais próximo de um “bichinho de pelúcia”, um mero acessório que vale apenas para ser fofo e posável. Obviamente há ressalvas, entretanto, o pensamento de que pode manipular vidas e raças por pura estética condenou diversos cães a condições de vida limitadas.

 
Gleide Avelar reconhece que muitas pessoas tem conhecimento das dificuldades das raças, e, mesmo assim, buscam por indivíduos com essas características cada vez mais acentuadas.

“O que motiva isso? Uma percepção equivocada de posição social, ‘modinhas’ da época ou simplesmente a ausência de empatia com o sofrimento do outro”, lembra a veterinária.


Ela ainda argumenta a necessidade da informação e conscientização para dificultar desejos por esses padrões. É importante ter uma legislação e fiscalização que, de forma eficaz, possam controlar os cruzamentos que colocam em risco a vida desses animais.
 
O cuidado para com a saúde dos bichinhos é essencial e deve ser colocada a frente de qualquer alteração estética por pura vaidade. Ao adquirir tais raças, atentar-se aos cuidados necessários, visando uma qualidade de vida adequada ao cão.
 
Saúde e Conscientização: O Futuro Pode Ser Diferente
Não é novidade a importância de uma adoção responsável para a manutenção de uma vida saudável para cachorros. Seja de raça ou SRD (sem raça definida, vira-lata). Perfis nas redes sociais como do delegado Bruno Lima e da defensora animal Luisa Mell denunciam, todos os dias, vários animais resgatados em canis clandestinos, isso somente no Brasil.
 
Desta forma, a reprodução irresponsável de cães prejudica não só a saúde deles, mas das próximas linhagens que continuarão prejudicadas por certas características físicas. “Raças-micro”, olhos muito grandes, focinhos e patas extremamente curtos, entre diversas outras características, dificultam uma vida saudável e proveitosa para muitas raças ainda vistas como um brinquedo de “trocar-peças”.
 
Para isso, a médica veterinária Avelar propõe que o controle dos acasalamentos poderá melhoras significativamente a qualidade de vida dos animais, evitando excessos. Assim, resgata-se o padrão original das raças.

 

“Para aqueles que já apresentam os vários problemas decorrentes dos fenótipos aberrantes, existem procedimentos cirúrgicos que podem minimizar os impactos negativos que essas características do padrão ‘estético’ trazem para a vida do animal”, conclui.



 


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