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04/10/2021 às 18h13min - Atualizada em 04/10/2021 às 17h21min

Mito da beleza | Os impasses sociais no envelhecimento da mulher

Como a indústria da beleza e a pressão estética tornaram o envelhecimento algo indesejável e temido pelas mulheres

Isabella Leandra - Revisado por Isabelle Marinho
(Foto / Reprodução: Conhecimento Científico)

O medo de envelhecer assola os pensamentos de boa parte das mulheres até hoje. O crescimento da procura por procedimentos estéticos, a fim de camuflar os traços da idade, aumentam gradativamente e os fios brancos são motivo de vergonha para todas aquelas que ainda não perceberam a força que tem por trás da experiência e dos anos de vida.

O mito da beleza

Dentro de culturas ocidentais, a mulher foi socialmente ensinada a se manter dentro de padrões e ritos para permanecer sempre bela e desejada. A beleza era atribuída como a principal preocupação na vida de uma mulher. Sem ela, estariam todas fadadas à tristeza, angústia ou, Deus a livre, da solidão. A partir disso, criaram-se ideias que colocam a mulher ideal dentro de um padrão branco, magro, e condena-se a mulher a sempre estar insatisfeita com o próprio corpo. Por consequência, se dissemina uma cultura de auto-ódio, distorções de imagem, obsessões com o físico e o pânico do envelhecimento.

De acordo com a jornalista Naomi Wolf, em O Mito da Beleza, “as mulheres prósperas, instruídas e liberadas do Primeiro Mundo, que têm acesso a liberdades inatingíveis para qualquer outra mulher até agora, não se sentem tão livres quanto querem ser”. Isso acontece, pois, tal padrão de constante insatisfação leva milhares de mulheres a realizarem diversos procedimentos estéticos e cirurgias plásticas.

Em pesquisas divulgadas pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), apenas em 2019 foram mais de 1 milhão de cirurgias realizadas somente no Brasil. Tudo isso numa busca desenfreada pela beleza e o ideal que tanto lhes são cobrados, além de uma juventude que jamais quer ser perdida. Isso também é dito por Naomi Wolf, que brinca que “o cirurgião plástico é o símbolo sexual divino da mulher moderna, atraindo para si a adoração que as mulheres do século XIX professavam pelo homem de Deus".

Em busca da juventude eterna

Além das cirurgias plásticas, os procedimentos estéticos não-cirúrgicos se tornam cada dia mais comuns na vida das mulheres. Ao abrir o Instagram, você se depara com uma enorme enxurrada de harmonizações faciais, preenchimentos labiais, levantamento de pálpebra, lipo de papada, drenagem, entre outros. O que se vê são mulheres cada vez mais insatisfeitas e vergonhosas com os próprios traços, mas também, com a própria idade.

De acordo com um mesmo levantamento da SBCP, além dos índices de cirurgia plástica, em 2019 foram registrados mais de 969 mil procedimentos estéticos não-cirúrgicos, a grande maioria realizada por mulheres. Conforme dito por Naomi Wolf, “nós reivindicamos a liberdade de envelhecer e manter nossa sexualidade, mas ela acabou se cristalizando na condição de envelhecer ‘permanecendo jovem'."



Pensando nisso, a dermatologista Amanda de Araújo levanta os riscos de uma procura exagerada por tais procedimentos, principalmente ao levar em conta o que é visto no Instagram e a influência do merchandising de grandes contas na plataforma. Para a médica, a busca por procedimentos estéticos se tornou patológica e até mesmo irresponsável. “Penso que a Dermatologia se tornou comercial, então o paciente ‘doente’ procura um médico que o indica milhares de tratamentos desnecessários para ganhar dinheiro, e isso infelizmente é o que mais tenho visto”, relata Amanda. Além disso, a dermatologista pondera que a problemática não está nos procedimentos em si, mas na falta de indicação e momento certo para realizá-los.

A busca por médicos com base em número de seguidores colabora mais ainda para uma escolha irresponsável, visto que, na maior parte das vezes, o médico acaba pensando mais no retorno financeiro do que na saúde mental e física da paciente. Dessa forma, trabalha-se e lucra em cima de mulheres com baixa autoestima e pressionadas por tais padrões de beleza. “A mídia prega um corpo e rostos perfeitos. A estética do avanço, e a pressão na cabeça das pessoas é enorme. Mas veja bem: o comércio está ai. O paciente virou cliente”, ressalta a médica. E salienta: “O golpe tá aí, cai quem quer.”

Grisalho é o novo preto

Socialmente, o cabelo é uma das partes do corpo que mais mexem com a autoestima da mulher. Por ser o “cartão de visita”, é a primeira coisa que se repara, e, dessa forma, o que mais gera inseguranças. Dessa maneira, no menor sinal de fios grisalhos, boa parte das mulheres se desespera e corre para tingir os cabelos, para que assim possam camuflar esse símbolo do envelhecer.

Indo em contramão a essa ditadura dos cabelos tingidos, algumas mulheres atualmente criaram um movimento de assumir os cabelos grisalhos e a identidade dos fios, numa transição que envolve empoderamento, autoconhecimento e autoconfiança.

Soraia Monteiro, de 47 anos, já tinha fios brancos desde a faixa dos 20 anos, e nesse tempo sempre procurou tingir com diversas cores e camuflar o símbolo que comumente associam ao envelhecimento. A enfermeira conta que o desconforto com o cabelo tingido vinha há um tempo, e que a pandemia funcionou como um empurrão na decisão de passar pela transição e assumir de vez os cabelos grisalhos. “Eu olhava no espelho e não me reconhecia. Eu queria ver e saber como e quem eu era”, relata.

Ela conta que esse processo veio, principalmente, através da busca pelo autoconhecimento que já estava presente em sua vida, independente do cabelo, e que a transição tornou esse processo mais “palpável”. Para isso, Soraia explica que primeiramente teve que trabalhar sua autoestima muitos anos antes e de se aceitar como era, sem se importar com críticas externas. Para ela, se não fosse isso, talvez não teria dado conta de assumir os grisalhos, e essa autoconfiança colaborou, inclusive, na sua posição decidida e incisiva, que não se abalava com a opinião alheia.

Atualmente, Soraia completou sua transição e sua aceitação é total. Ela relata como sua experiência acabou se tornando inspiração para outras mulheres, que perceberam que o grisalho pode ser bonito também, que envelhecer é um processo natural da vida, e ressalta que o cabelo grisalho não deveria ser atribuído a idade, pois é algo que surge em diversas faixas etárias, não tem um padrão.



Além disso, ela assume que em alguns momentos da vida, sobretudo na chegada dos 40, se viu numa insegurança de assumir a própria idade, mas que com o tempo isso foi mudando: “Fui trabalhando e amadurecendo que valemos mais do que um número ou idade. Cada fase tem sua beleza e temos que nos amar e nos aceitar sim. Se o outro quiser aceitar, bem, e se não quiser, ok também”, conta.  

Por outro lado, Soraia confessa que há momentos em que ela se pergunta se é isso o que realmente quer e que não vê problemas em tonalizar o cabelo algum dia se for do seu desejo, mas que preza pela liberdade de sua escolha, sem pressões. Ela assume que realmente não é fácil se colocar contra uma cultura da “juventude eterna”, mas reconhece a importância de se impor e fazer o movimento contrário em relação àquilo que nos pressiona, no que não acreditamos, principalmente devido ao fato de que essa pressão cai completamente em cima da mulher. Esse movimento ajuda não somente na autoconfiança, mas também no futuro das próximas gerações.

“Acho que quanto mais as pessoas verem cabelos grisalhos pela rua, mais será aceito. Mulheres felizes, contentes com sua idade, sem precisar disfarçar, e belas bonitas na sua faixa etária pois cada faixa etária tem sua beleza”, ressalta. “E é isso que a gente precisa reconhecer em nós mesmas e valorizar. Não existe um padrão de beleza estático, ele existe pra cada idade e fase de vida”, aconselha.

Por fim, Soraia salienta a importância de não se forçar num processo em que ainda não lhe cabe. Ela entende que, assim como não deve haver uma ditadura da juventude, também não deve haver uma ditadura do grisalho. “Acho que toda mulher tem seu momento, e quando ela se sentir preparada e desejosa de fazer isso, que faça e não se preocupe com a opinião dos outros. A vida é muito curta, e a gente passa preocupando com o que os outros vão pensar. E esse é um dos benefícios da maturidade, que é linda também”, conclui.

Cada fase tem sua mágica

Naomi Wolf trabalha a ideia de uma ideologia que é imposta inclusive na publicidade, que influencia a visão das mulheres em relação a elas mesmas. Num discurso meritocrata, é trabalhado que a mulher não se esforça ou merece o suficiente para ter o corpo dos sonhos, atribui responsabilidade pelos seus traços ou pelas marcas da idade e envelhecimento. “Não se tem um corpo maravilhoso sem esforço” e “as rugas estão sob o seu controle” são expressões utilizadas para trazer um sentimento de fracasso para aquelas que não tem o corpo de capa de revista.

Entretanto, é importante enxergar que cada fase da vida tem sua beleza e singularidade. A juventude realmente não é eterna, mas o envelhecimento ou até as linhas de expressões e fios grisalhos não devem ser um medo, mas marcas de uma vida. Por fim, salienta Wolf em sua obra que “uma vida inteira de beijos, palavras e lágrimas aparece expressiva em volta de uma boca raiada como uma folha em movimento. (...) Quando o cinza e o branco aparecem em seu cabelo, isso poderia ser chamado de um segredo sujo, ou poderia ser chamado de prata ou luar.(...) A maturação de uma mulher que não parou de crescer é algo bonito de se ver”

Envelhecer é uma delícia e aceitar esse processo com naturalidade e ternura é o primeiro passo.

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