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01/07/2022 às 20h16min - Atualizada em 01/07/2022 às 19h34min

O que os olhos não veem: essência e sensibilidade na fotografia de Alex Silveira

Vida e carreira de um dos nomes mais significativos do fotojornalismo brasileiro

Por Alice Vasconcelos, Diego Souto e Nathália Aguiar - Editado por Andrieli Torres
Alex Silveira - Foto: Sérgio Silva/Ponte


Natural de São Paulo e criado em Três Pontas, interior de Minas Gerais, Alex atribui seu vínculo artístico aos pais, Glauce e William. Como artista plástica, Glauce preocupou-se em apresentar ao filho suas interações com a arte. Seu pai, apesar de não ser artista, sempre o incentivava a ver cinema, documentários e até mesmo conteúdos como os da National Geographic. O que ele não imaginava é que o filho, alguns anos mais tarde, teria suas fotos publicadas na revista que tanto admirava.

Mesmo tendo um forte vínculo com os pais, Alex sempre prezou por sua independência e com apenas 13 anos saiu de casa para estudar em outra cidade, considerando-se uma pessoa “do mundo”.


Sou um cara simples com uma máquina fotográfica que é uma paixão e extensão domeu corpo e uma chinela havaiana, morando em qualquer mato ou cabana mundo afora.


Apesar dos seus 30 anos de carreira no fotojornalismo, as câmeras não foram a primeira paixão do fotógrafo. Formado em cinema, Silveira não seguiu carreira na área por falta de oportunidades — ao contrário da fotografia, segmento em que várias portas se abriram para ele. Ainda assim, muitas vezes precisou manter empregos paralelos para conseguir se sustentar, especialmente nos seis anos que passou nos Estados Unidos “Já fui engraxate, fiz mudanças, fui vendedor em loja de sapato, garçom… de tudo um pouco”, contou.

Foi durante essa estadia nos EUA que o fotógrafo teve uma das suas melhores experiências profissionais. Alex começou a fotografar artistas e
shows, iniciando com ninguém menos que os Rolling Stones. Depois disso, fotografou várias apresentações ao longo dos últimos dois anos que passou em terras americanas, só parando após ser chamado para trabalhar com a Folha de São Paulo e, assim, retornar ao Brasil.

 

Nos anos 2000, Alex foi atingido no olho por uma bala de borracha disparada por um policial militar em meio a uma manifestação feita por professores na Avenida Paulista, em São Paulo, enquanto estava fotografando. Com isso, ele perdeu cerca de 90% da visão e, por ter uma doença de nascença chamada ‘atrofia do nervo óptico’ no outro olho, hoje em dia não enxerga mais do que 10% nos dois olhos. Hoje, Alex não consegue enxergar detalhes, mas as luzes, cores e formas que seus olhos veem, associados a sua memória corporal, instintos e seu inegável talento, fazem suas fotografias serem únicas em identidade, sensibilidade e personalidade.
 

Estando ou não com uma câmera na mão, fotografo o tempo inteiro. Eu tinha que me virar, então dei um jeito de fazer isso.


Porém, o processo foi longo e doloroso. Após o acidente, Silveira entrou com processo contra o Estado. Por mais absurdo que possa parecer, em 2014 o TJSP entendeu que a culpa pelo ocorrido era do próprio fotógrafo. Não aceitando a decisão, Alex recorreu aos tribunais superiores e ganhou o processo, depois de 21 anos de disputa judicial. O fotógrafo destaca que acontecimentos como o dele são esquecidos diariamente e não acredita que consigo vai ser diferente, mas se mostra esperançoso que a jurisprudência deixada após o seu caso ajude outros companheiros de profissão.

Depois do ocorrido, Alex passou por uma depressão. Sem perspectiva do que fazer em seguida, cogitou parar de fotografar e chegou a pedir demissão após retornar ao trabalho, 6 meses depois do episódio. A Folha de São Paulo, onde trabalhava na época, não aceitou o pedido de demissão do fotógrafo e deu-lhe um mês de folga. Nesse período, Alex tomou a decisão de seguir com sua carreira, escolhendo se adaptar a mudar de profissão. Durante aquele mês de férias, Alex fez a viagem que deu vida ao que ele considera ser o trabalho mais significativo e belo da sua carreira. Junto à FUNAI, organizou uma expedição para à terra indígena Krahô, Tocantins, onde passou 30 dias. As fotos que fez nesse período lhe deram não só uma publicação na
National Geographic como também esperança de dias melhores.

Voltou ao trabalho, onde passou mais 1 ano. O único motivo para ter saído, segundo ele, foi se sentir limitado: “Não me deixavam mais fazer o que tinha me levado até lá, que era a parte
hard, então decidi sair”.

O fotógrafo destaca que situações como essa se tornaram recorrentes após o acidente, mesmo tendo se adaptado bem a sua nova realidade. Após se demitir de mais um trabalho com carteira assinada, Alex decidiu investir na carreira de
freelancer, onde confessa ter maior retorno financeiro.
"A partir daí fiz muitos trabalhos importantes: foram mais de 40 expedições na Amazônia, todas com mais de 20 dias. Fotografei para WWF, Concervichin, International, National Geographic, IBAMA, Insane Bio, Discovery, vários. Com esses nunca tive problemas, porque como não existia uma contratação empregatícia e sim de serviço, eu sempre dei conta. A partir daí nunca mais procurei assinar carteira", revelou.

As 40 expedições na Amazônia, porém, cobraram seu preço. Alex compartilha que passou por poucas e boas durante as viagens: “peguei 3 malárias, tive uma apendicite no meio do mato e precisei passar dois dias dentro de um barco, já quebrei a clavícula… tudo isso trabalhando.” 
 

Em 2021, Alex ganhou o prêmio “Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos”, na categoria Carreira. O prêmio foi dado porque ele ganhou a causa na justiça e por sempre defender a imprensa livre, sendo não só um reconhecimento da sua luta como também um agradecimento da categoria.
 

É óbvio que  preferia ter ganhado esse prêmio por alguma foto que eu tivesse feito, mas gostei muito mesmo assim. E, também, se o Brasil e o resto do mundo fossem decentes esse prêmio nem precisaria existir! Para quê ter um prêmio de direitos humanos se todo mundo tem seu direito?

 Hoje, Alex estuda oceanologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), no Rio Grande do Sul e, após se formar, planeja fazer um trabalho na Península de Valdés, no litoral da Patagônia. Ao ser questionado sobre o que torna a pessoa que é hoje, ele explana “Respondo com uma frase que escutei de um Ancião Krahô antes dele falecer, chamado Pedro Penon: ‘A alguns é dado o poder material de transformar a natureza e a outros o dom espiritual de preservá-la.’ Eu acho que estou no segundo grupo”.


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