Em 1972, durante um dia quente de Agosto, dois veteranos da guerra do Vietnã assaltam um banco no Brooklyn, Nova Iorque, e mantêm os funcionários do local como reféns. Baseado em um artigo da Life Magazine, o filme Dias de Cão (1975) – sob direção de Sidney Lumet e roteiro de Frank Pierson – retratou o caso verídico de dois bandidos amadores, que foram incorporados pelos parceiros Al Pacino e John Cazale, e rendeu o oscar de melhor roteiro.
Parceiros de outrora – cabe citar Pacino e Cazale em O Poderoso Chefão, do diretor Francis Ford Coppola –, o duo uniu-se mais uma vez para interpretar personagens voláteis e à margem da sociedade neste longa de Lumet. Sonny Wortzik (Al Pacino) e Salvatore ‘Sal’ (John Cazale), movidos por motivos que, mais tarde, surpreendem o telespectador, revelam muito mais que um crime contra uma instituição financeira: questionam o conservadorismo e o preconceito nos Estados Unidos da década de 70.
Preconceito
Em Dias de Cão, o “sonho americano” – que coincidentemente é criticado em O Poderoso Chefão, no qual a dupla Pacino-Cazale também contracenou – torna-se uma mera ficção, à diferença da história retratada no filme e a realidade norte-americana dos anos 70. O racismo, a xenofobia e a homofobia são visíveis em situações secundárias, mas relevantes para a composição do longa.
O segurança do banco, um senhor de meia-idade e negro que estava entre os reféns da dupla, imediatamente é confundido com um dos assaltantes e detido pelos agentes. Sob a prerrogativa de que Sonny informou que havia somente reféns mulheres no banco, o delegado justifica o ato de preconceito. Mais uma vez, os estereótipos contribuem para construir o arquétipo do “criminoso”.
Personagens “marginais”
Marcados por estereótipos e expectativas em relação aos papéis de um indivíduo na sociedade, Sonny e Sal têm muito a contar sobre as angústias que lhes cabem, a qual se origina do estigma que ambos sofrem. Sonny, veterano de guerra, pai, marido e filho, se encontra exausto ao lidar com as diversas funções que deve desenvolver enquanto homem (paternidade e casamento, por exemplo).
Cabe citar a atuação de Al Pacino ao interpretá-lo, uma vez que o estado constante de inquietação e desgaste – tanto físico, quanto emocional – são notórios na performance. Além disso, a perspicácia do personagem ao conduzir a opinião do público e negociar com a polícia, demonstra a naturalidade do ator para desenvolver o papel.
“Eu ladro, aquele homem morde!”, diz Sonny sobre seu parceiro. Sal, por outro lado, é um sujeito frio e silencioso. John Cazale interpreta o personagem inconstante e acometido por traumas e distúrbios psíquicos – o qual, prontamente, torna-se alvo da polícia. Diante disso, nota-se que, independentemente do crime cometido pela dupla, sob o ponto de vista funcional da sociedade, Sonny e Sal são descartáveis e “marginais”.
Memória: Attica
“Viu o que fizeram em Attica? Quarenta e duas pessoas mortas. Os inocentes com os culpados”, diz Sonny. Após os desdobramentos do assalto ao banco, que resultou em uma força-tarefa policial de Nova Iorque e do FBI a fim de capturar os bandidos, a truculência policial na resolução dos conflitos é evidente. Diante disso, o caso dos protestos de Attica, que ocorreram um ano antes, são evocados pelo personagem de Pacino e comovem a multidão de curiosos.
Na prisão de Attica, localizada em Nova Iorque, mais de 1200 presidiários revoltaram-se contra as péssimas condições do sistema carcerário norte-americano e mantiveram 39 agentes prisionais como reféns. Entre as demandas, exigia-se alimentação decente e condições básicas de higiene. Houve tentativas de negociação, mas os protestos foram contidos com violência e belicismo.
Esse caso é evocado diversas vezes pelo personagem de Sonny, quem o utiliza de maneira perspicaz a fim de comover a plateia de curiosos que observa a negociação dos reféns. A comoção das massas evoca a memória de episódios da violência policial, que é uma realidade nacional, e incide com frequência em grupos minoritários da sociedade.
Conclusão
Sob a primorosa atuação de Al Pacino e John Cazale, o filme inicia-se com um dia quente de agosto, em um bairro de Nova Iorque, e desdobra-se em um caso policial de proporções inimagináveis. O roteiro digno de Oscar – e, realmente, o foi – traz à tona um crime que suscita diversas questões dignas de discussão, mas diverte, emociona e – brincadeiras à parte, te faz torcer pelo criminoso Al Pacino, quem não cansa de surpreender.