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28/02/2023 às 22h09min - Atualizada em 23/02/2023 às 19h04min

Resenha | The Bear: gastronomia, luto e ansiedade

A série estadunidense da FX/Hulu, que conquista pelo estômago, é muito mais do que sobre a cozinha.

Júlia Vasconcelos - Revisado por Joyce Oliveira
Liza Cólon-Zayas, Edwin Lee Gibson, Jeremy Allen White, L-Boy, Ayo Edebiri e Ebon Moss-Bachrach em cena de 'The Bear'. (Foto: Reprodução/ Star+)
"The Bear" ou O Urso, em tradução literal, trata da cozinha ao contar a história de Carmem “Carmy” Berzatto, interpretado por Jeremy Allen White, o aclamado chef de cozinha que assume o pequeno restaurante do irmão suicida, em Chicago.

Observando por outro prisma, no entanto, a série conta a história do próprio The Original Beef of Chicagoland, o pequeno e à beira da falência  restaurante deixado por Michael "Mike" Berzatto para o irmão caçula.


Nessa perspectiva, The Bear tem como tema central o luto com o qual não só a personagem de Allen White precisa lidar, mas quase todas as figuras inseridas na narrativa. É o caso de Natalie “Sugar” Berzatto, Richard “Richie” Jeremovich e Tina, por exemplo, e também do restaurante em si. Afinal, o que é o luto senão a dor ocasionada pelo vazio deixado por aqueles que partem?

Ausência sem vácuo: o luto em The Bear

 
Com bastante frequência, a morte de Michael é casualmente mencionada ao longo da série quase como se fosse um assunto indiferente. Os sentimentos acumulam-se e não são processados conforme sua profundidade, de modo a produzir a sensação de que Mike está sempre ali, embora as aparições da personagem sejam raras e breves.

O irmão mais velho de Carmem exerce forte presença através das personagens, nas entrelinhas da narrativa e na história, como se estivesse suspenso no ar. Sua ausência, de certa forma, é o fio condutor da narrativa envolvente criada por Christopher Storer.

 
Além das pessoas, os lugares ficam impregnados da presença de pessoas que já não estão mais entre nós. Carmy e Sugar perderam o irmão, Richie perdeu um grande amigo e parceiro de trabalho e The Original Beef perdeu o próprio dono.

O restaurante também está tentando, aos trancos e barrancos, sobreviver ao vazio deixado por Michael. Todos os sentimentos acumulados se dispõem naquele espaço, tornando-o denso e bagunçado.

Não é por acaso que a única personagem que não tem qualquer ligação com o falecido é a única que consegue ter uma visão mais ampla acerca do restaurante, mesmo estando imersa ali. Sidney oferece novas perspectivas ao estabelecimento e faz um contraponto importante na trama.

O protagonista de "The Bear", por sua vez, busca preencher o mesmo vazio deixando-se consumir pela árdua labuta do restaurante da família, enquanto tenta substituir as turbulências da própria mente pela absorção no transtorno do lugar que, na verdade, mais parece ser uma personagem.

 
O tempo da cozinha é correr contra o tempo

Panelas, fogo, diálogos atravessados, brigas, falas sobrepostas, gritos, óleo fritando, água fervendo; tudo isso sob o fundo cinzento de uma cozinha meio triste, mas absurdamente agitada. Muito mais que ter um protagonista que poderíamos inferir como alguém que sofre de ansiedade, The Bear é em si mesma uma série ansiosa.

Aderindo a “estética ansiosa” à forma da produção como um meio de representar o frenesi das cozinhas na vida real, Storer cria quase que uma boneca russa de pressa, constituindo a estética e a narrativa do seriado em uma desordem propositada.


A cozinha, um tanto quanto claustrofóbica, é o principal cenário das discussões barulhentas e por vezes indecifráveis que constroem a série em sua característica mais sobressaliente: o caos completo. O ritmo frenético do seriado de, até então, oito episódios é certamente um ingrediente essencial para a conquista do espectador logo nos primeiros minutos do piloto.

Como uma bomba relógio em um ambiente muito propício para fazê-la explodir, inevitavelmente, esse momento chega. Carmy chega ao ápice do estresse no último episódio, com uma recém-adquirida máquina expedindo pedidos como se não houvesse amanhã.
 

​Depois da descarga emocional agressiva, a reflexão. É também no oitavo episódio que vem o quinto estágio do luto: a aceitação.

 
Richie confessa ao “primo” seu sentimento de culpa pelo suicídio de Mike e o chef abre o peito em um monólogo que joga luz na incrível performance de Allen White no papel de Carmem. Ele decide tomar a palavra em uma reunião de Alcoólatras Anônimos, recomendado por Sugar em uma de suas tentativas em fazer o irmão tratar o luto.

O processo de encarar a dor culmina na entrega da carta de suicídio deixada a Carmy, que havia sido adiada por Richie, na tentativa de evitar a completa aceitação de que Michael havia partido. Daí parte o gancho para o intrigante plot twist final, representando a possibilidade de uma virada de página da história e de seus personagens, que deve vir na já confirmada segunda temporada de The Bear.

A carta sela a cura; nela, há a receita para o desfecho que a alma de Carmem buscava e para a saída que o restaurante precisava.

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