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14/09/2023 às 18h53min - Atualizada em 07/09/2023 às 17h26min

Constituição e Literatura: como se deu a inserção das mulheres nos círculos literários

Mesmo com os avanços na Constituição Federal as mulheres tiveram e ainda têm dificuldades para publicar seus livros e tê-los valorizados

Ana Beatriz da Silva Mariano - Edição: Mayane Humeniuk
Foto: Unsplash
Seja qual for a área do conhecimento, o homem foi o responsável por representar a seu próprio modo a figura da mulher, que vivia silenciada e a exercer o único papel a ela designado: os afazeres domésticos.
No âmbito da literatura não foi diferente. Apagadas e excluídas dos espaços públicos, não sendo mencionadas na Constituição de 1891 como seres de direitos tal como eram os homens, as mulheres, entre 1701 e 1900, tiveram sua inserção nos círculos literários dificultada, sendo consideradas intelectualmente inferiores aos homens. Suas publicações eram tratadas com descrédito, em suma pelo fato de seus textos retratarem a vida da mulher em seu espaço privado e familiar, referindo-se, portanto, a uma escrita mais íntima.

Aos poucos as mulheres começaram a ter consciência do quadro de desigualdades que as cercavam e, com o primeiro movimento feminista, na segunda metade do século XIX, a escrita de figuras femininas começou a se disseminar, com publicações sendo feitas de maneira mais intensa. Pode-se citar Nísia Floresta, uma das primeiras mulheres do Brasil a publicar textos em jornais da grande imprensa. Vale ressaltar que, apesar de obras escritas por mulheres estarem sendo mais divulgadas, ainda assim, a desvalorização da literatura feminina continuava presente na sociedade da época.

E aqui, caros leitores, vale um adendo: o descrédito e desvalorização dado a literatura feminina também ocorria por parte das próprias mulheres, como era o caso de Lúcia Miguel Pereira, que excluiu as contribuições das escritoras ao publicar a obra A História da Literatura.

Devido ao desapreço pelas obras de figuras femininas, muitas autoras utilizaram-se de pseudônimos, como forma de terem seus livros apreciados e uma chance igualitária de publicação. Além disso, a maioria das mulheres que se utilizavam dos pseudônimos, o faziam porque não queriam se expor publicamente. Maria Firmina dos Reis é um exemplo de escritora que utilizou do pseudônimo “uma maranhense” para publicar seu romance Úrsula.

Passando pela Constituição de 1934, com a previsão de igualdade de salários, até chegarmos à Carta Magna de 1988 garantindo cidadania a todos os brasileiros, com a mulher podendo fazer parte dos espaços públicos tal qual o homem, é possível visualizar um avanço no que diz respeito às conquistas jurídicas femininas. Mas, apesar desse progresso, a participação das mulheres na literatura é ainda hoje relativamente baixa e desvalorizada.

Rachel de Queiroz, a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras, só foi aceita em 1977, dez anos depois da Constituição de 1967, que já previa a obrigatoriedade do voto e outros direitos às mulheres. A discrepância ainda é grande, visto que hoje, das 40 cadeiras, apenas 5 são ocupadas por mulheres.
 
De acordo com a pesquisadora Regina Dalcastagnè, as editoras Rocco, Recorde e Companhia das Letras publicam mais autores do que autoras. A pesquisadora aponta que, entre 1990 e 2014, quase três quartos dos autores publicados foram homens. Em 2019, o estudo Retratos da Leitura no Brasil mostrou que o número de obras femininas publicadas continua baixo, comprovando que ainda é preciso buscar equidade nessa área.
Como se não bastasse, as mulheres ainda necessitam se libertar dos estereótipos literários que lhes foram impostos. Textos com discursos machistas e patriarcais em relação a como a mulher deveria ser e o que deveria dizer, escritos desde o século XIX e que ainda hoje contribuem para rotulá-las. Portanto, “antes de definir o seu lugar como escritora, a mulher precisou (e vem precisando até hoje) redefinir o seu lugar como sujeito cultural, lutar continuamente contra estereótipos literários empobrecedores do papel feminino e desmistificar as teias ideológicas subjacentes aos discursos autorizados – tão poderosos em suas prescrições que levam as próprias mulheres a se verem sob o olhar masculino, o olhar que as exclui” (CASTANHEIRA, 2011, p. 5).

Entender a trajetória de escritoras que perpassaram obstáculos para conseguir publicar e veicular suas obras e que, depois de 34 anos de uma Constituição que garante igualdade entre homens e mulheres, ainda enfrentam dificuldades nessa área, gera reflexão sobre como é possível quebrar esses estereótipos e colaborar com uma sociedade que valoriza a literatura feminina e não se sujeita ao universo masculino, com discursos que colocam a mulher em um nível de não merecimento de estima e respeito.

Cora Coralina, Ana Cristina César, Clarice Lispector, Ligya Fagundes Telles, Adélia Prado, a lista de escritoras para se conhecer é enorme e é impossível falar sobre literatura sem falar das mulheres que a fizeram ser o que é hoje.
 

Referências: 
CASTANHEIRA, Cláudia. Escritoras brasileiras: momentos-chave de uma trajetória. Revista Diadorim / Revista de Estudos Linguísticos e Literários do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade do Rio de Janeiro, volume 9, p. 1-12, julho 2011. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/diadorim/article/view/3917. Acesso em: 4 set. 2023.
DALCASTAGNÈ, R. Ausências e estereótipos no romance brasileiro das últimas décadas: Alterações e continuidades. Letras de Hoje[S. l.], v. 56, n. 1, p. e40429, 2021. DOI: 10.15448/1984-7726.2021.1.40429. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/fale/article/view/40429. Acesso em: 14 set. 2023.

5a edição Retratos da leitura no Brasil A P R E S E N TA Ç Ã O. [s.l: s.n.]. Disponível em: https://prolivro.org.br/wp-content/uploads/2020/09/5a_edicao_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_IPL-compactado.pdf. 


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