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12/02/2024 às 18h56min - Atualizada em 12/02/2024 às 17h46min

Retrato de vida: a mídia e o autismo

Paulo Marques Pinto - Edição por Mayane Humeniuk
Foto: Acervo pessoal/Paulo Marques Pinto
Desde que nasci, sou fascinado pela comunicação. Incrivelmente, eu aprendi a ler com apenas dois anos de idade. Não apenas o idioma brasileiro, o português, mas em outras línguas, como inglês, espanhol, francês e até japonês. Parece fantasia, mas minha mãe, quando se lembra da minha infância, faz questão de narrar esse episódio. 
 
Além disso, meus tempos de criança eram preenchidos pela programação da TV. Eu assistia a todos os tipos de programa: novelas, desenhos animados, filmes, programas de culinária e artesanato, game shows, programas de auditório e até noticiários. Sim, na tenra idade eu assistia a telejornais, mesmo sem entender o contexto das notícias apresentadas.

Eu era um telespectador mirim diferente: apreciava vinhetas, trilhas sonoras e caracteres como se fossem obras de arte. Também prestava muita atenção à roupa e à linguagem dos apresentadores. A mesma coisa para outros formatos elaborados pela indústria televisiva. Era o primeiro do que hoje consideram hiperfoco, algo comum para quem está no Espectro Autista.

Outro hiperfoco meu eram jornais e revistas. O elemento que mais me seduzia eram as imagens. Havia uma explosão de luzes, cores e brilhos a cada página publicitária, a cada desenho com ares realistas. A tipografia, ou popularmente o formato da letra, era muito diversificado e arrojado.

Por fim, fascinavam-me os programas de rádio. Quem nunca sonhou em conhecer o locutor com aquela voz grave atraente ou aquele locutor descontraído e influenciado pelas músicas que tocavam naquela emissora? Sinceramente, havia canções melhores, mais inspiradas e com letras muito mais inteligentes. Essa é uma das explicações para a resistência do já centenário rádio diante dos avanços tecnológicos e da possível queda da qualidade no conteúdo cultural.

Passou o tempo, e encontrei numa faculdade confessional a realização do meu sonho infantil. Aproveitei todas as lições teóricas e participei de todas as atividades práticas. Participei de eventos dentro e fora da faculdade, como seminários, palestras, simpósios e semanas acadêmicas, sempre com agenda e caneta, como um verdadeiro profissional. Mesmo afastado da sala de aula durante a emergência da Covid-19, continuava empenhado no meu ofício em casa e com poucos recursos, mas com muita criatividade e estilo próprio.

Por outro lado, não foi nada fácil conviver como autista. Afinal, recebi o diagnóstico na infância e, a princípio, não me agradei dessa condição, isto é, considerava-me um estranho em meio aos ditos “normais”, um inválido, alguém invisível. Curiosamente, esse era a narrativa dos meios da comunicação naquela época: havia pouca informação, mas muito preconceito. Até que, depois de um ano e meio, voltei aos estudos com mais disposição. Além disso, fui premiado com um estágio que, perante meus erros e acertos, evoluiu para o emprego atual.

Em maio de 2023, os avanços no Departamento Comercial daquela faculdade, minha “segunda casa”, chamaram a atenção dos colegas de uma emissora independente, com quem fiz um passeio pelos corredores. No mesmo período, mais uma entrevista, desta vez para o canal vizinho Rede Amazônica, cujo repórter me consultou diretamente do “quartel-general” de captação de matrículas. Por fim, participei de um programa de rádio como convidado especial por pelo menos 15 minutos. Aos poucos, aquela figura profissional, sempre digna da minha inspiração, vem até mim para dar visibilidade à história que estou escrevendo.

No fim do ano passado, o mesmo canal vizinho encaminhou outro repórter até minha casa. Pela primeira vez, fui assim visitado pelos amigos da imprensa. Uma simulação de como eu sairia de casa preparado para ir trabalhar mostra a dificuldade que os autistas enfrentam para ingressar e se manter no mercado de trabalho. Por isso, os amigos da imprensa me adotam como protagonista para suas reportagens sobre o cotidiano das pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), especialmente as crianças.

Outrora, as pessoas me consideravam um louco por simplesmente estarem sempre apegados a um protótipo de perfeição social, mas alguns que me veem nas ruas contam que assistiram a uma daquelas reportagens e mudaram de convicção ao me conhecer melhor. Acabei descobrindo, conhecendo melhor e até convivendo com pessoas parecidas comigo nas redes sociais, por também serem autistas diagnosticados. Aos poucos, vou me acostumando com a fama, apesar de ainda não saber o que a palavra significa.

Assim sendo, aquele sonho inocente e colorido se transformou no desafio diário de manter minha essência numa época em que a sociedade se despedaça por falta de comunicação, de alcançar a liberdade em que os poderosos tentam impor o silêncio e a opressão, de enfrentar as dificuldades com sorriso sempre aberto e autêntico humor. Esse é o clamor dos que desejam ser aceitos na sociedade como realmente são, mesmo que não sigam nenhum padrão: os autistas.

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