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09/04/2024 às 01h27min - Atualizada em 09/04/2024 às 00h21min

Legado, resistência e opressão: as comunidades indígenas rumo à liberdade

Em 1º de abril, foi celebrado o Dia da Abolição da Escravidão Indígena no Brasil

Paulo Marques Pinto - labdicasjornalismo.com
Foto: Reprodução/Deposit Photos

O episódio histórico a ser abordado neste texto é rodeado de controvérsias, a começar pela data: 1° de abril, justamente o Dia da Mentira. Além dessa, outras polêmicas: em que ano os indígenas alcançaram a plena liberdade? Foi aprovada alguma lei com essa demanda? O que dizem os arquivos históricos até então? Para responder a essas questões, Lab Dicas Jornalismo buscou referências como o historiador André Raimundo Ferreira Ramos.

 

Os povos indígenas foram escravizados pelos colonizadores portugueses?

 

"Os indígenas eram simples aliados comerciais da Coroa de Portugal e foram catequizados, mas não chegaram a ser escravizados". Isso foi o que aprendemos na sala de aula ou nos livros de História do Brasil. O problema é que nunca tivemos acesso a informações históricas que nos dessem uma comprovação satisfatória, principalmente acerca de como se deu a colonização da Amazônia. Sabe-se, no entanto, que Portugal enviou a expedição de Pedro Álvares Cabral para o Brasil, no dia 22 de abril de 1500. Ao chegarem ao litoral, encontraram muitas árvores de pau-brasil e perceberam em um corante produzido dentro da madeira uma oportunidade para lucrar. Por isso, iniciaram o processo de colonização por volta de 1530, escravizando primeiramente os indígenas e, depois, os africanos.

 

Os indígenas da Amazônia não aceitaram a escravidão

 

O imenso território amazônico era disputado entre Portugal e Espanha, cujos colonizadores queriam explorar a floresta e os indígenas, mesmo que tivessem de entrar em guerra. Ao mesmo tempo, aparecia o Estado do Grão-Pará e Maranhão, cujos governadores escolhidos pelo rei controlavam muitas terras até as fronteiras com os espanhóis, entre as quais a Capitania de São José do Rio Negro, fundada em 1755. A legislação indigenista tinha muitas particularidades. Desde o século XVI, quando começou a exploração da mão-de-obra indígena, até o século XVIII, em meio a táticas de guerra, essa política era variável.

Os colonizadores adotavam as seguintes estratégias: intermediavam conflitos entre povos indígenas e capturavam prisioneiros identificados como "índios bravos", com a participação dos missionários jesuítas. As leis ora beneficiavam as comunidades indígenas, ora lhes davam prejuízos. Apesar de avanços como o Diretório promulgado em 1757 pelo Marquês de Pombal para proteger os escravizados, as práticas exploratórias ainda não foram abolidas, o que acentuava o conflito entre colonos e religiosos.

 

E depois do Diretório?

 

No Brasil Colônia, muito se discutia sobre como os indígenas poderiam trabalhar sem perder a liberdade, o que gerou mais divergências. Apesar dos benefícios do Diretório Pombalino, havia resistência por parte dos poderosos, que insistiam nas práticas de escravidão. A situação da época estava presente nas anotações de cronistas como o Ouvidor Sampaio, que avaliou as plantações, o comércio de canoas e as condições de vida dos escravizados, e Alexandre Rodrigues Ferreira, que destacou a necessidade de desenvolvimento econômico na região, mesmo que suas observações fossem contraditórias, oscilando entre ações pacíficas e medidas coercitivas.

Depois que a lei pombalina foi revogada, foram aplicadas novas medidas repressivas que resultaram em conflitos armados contra os indígenas, como a guerra aos Botocudos, em Minas Gerais. As decisões sobre os indígenas envolviam as condições de trabalho, o poder regional e o controle sobre as terras.

 

Como os indígenas eram tratados pelos colonizadores no Brasil Colonial?

 

Nos grandes centros urbanos do Brasil Colonial, a luta era pela libertação dos africanos escravizados, mas o clamor dos indígenas na Amazônia era ignorado. Eles eram obrigados a trabalhar sem escolha e vendidos como se fossem mercadorias. As leis da época legalizavam o controle da mão-de-obra forçada. O Corpo de Trabalhadores, por exemplo, era submisso aos interesses do Estado e dos particulares. Sem autorização, aquelas pessoas não podiam sair de onde estavam. Mas nem todos aceitavam aquela situação. Sem considerar a intensidade, todas as formas de escravidão eram injustas. Por isso, alguns índios pediam para trabalhar, e outros fugiam.
 

Outras evidências dessa realidade eram o comércio de escravizados, que contava com o aval das autoridades, e o tráfico de crianças. Viajantes e naturalistas como Henry Bates, por exemplo, contam histórias de muitas mortes de crianças e revelam que o comércio humano ilegal era muito frequente em lugares como Ega, atualmente o município de Tefé, no Amazonas. Em suma, a Amazônia do século XIX foi marcada pelas tentativas de controlar a escravidão, o conflito entre senhores e o governo da época, as guerras autorizadas contra os indígenas, os confrontos entre diferentes etnias, os atos de rebeldia nos quilombos e a luta contra o tráfico humano.

 

Afinal, os povos nativos foram realmente libertos da escravidão?

 

Para responder à pergunta acima, vamos desmistificar alguns mitos, a começar pela data. Atualmente, o dia 1° de abril é uma data histórica comemorativa, mas nesse mesmo dia, em 1680, a demanda do padre Antônio Vieira não era libertar os índios, mas convocá-los para trabalhar ao lado dos jesuítas, desta vez por livre e espontânea vontade. A escravidão indígena só chegou ao fim em dois momentos: em 1755, inicialmente no Estado do Grão-Pará e Maranhão, correspondente hoje aos estados do Amazonas, Pará, Amapá, Roraima e Maranhão, e, em 1758, no restante do território brasileiro. 
 

Compreendemos, assim, que a história das comunidades indígenas da Amazônia entrelaça o passado nos tempos coloniais com a luta pela liberdade. Eles lutaram contra a escravidão e sofreram muito até que essa injustiça fosse reconhecida. Essa é uma história triste, mas que mostra coragem e resistência contra todas as formas de opressão.


Referências

RAMOS, André R. F. "A escravidão do indígena, entre o mito e novas perspectivas de debates". Revista de Estudos e Pesquisas, Brasília, v. 1, n. 1, p. 241-265, jul. 2004. Semestral. Disponível em: https://mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/populacao-indigena/artigos_teses_dissertacoes/artigo-7-andre-ramos.pdf.

 

SILVA, Leonardo S. Q. “Abolição da Escravidão Indígena: 1680 ou 1755?” Revista Educação Pública, vol. 7, no 13, abril de 2007. 

Disponível em:

https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/7/13/aboliccedilatildeo-da-escravidatildeo-indiacutegena-1680-ou-1755.

 

DIA da Abolição da Escravidão Indígena: mais de 340 anos de "liberdade" e resistência a exploração”. Portal Amazônia, 1 abr. 2023. Disponível em: https://portalamazonia.com/noticias/educacao/dia-da-abolicao-da-escravidao-indigena-mais-de-340-anos-de-liberdade-e-resistencia-a-exploracao.

 

Acesso em 8 de abril de 2024.


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