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13/11/2023 às 21h35min - Atualizada em 13/11/2023 às 20h23min

Fato ou boato? As histórias que marcaram a infância e a adolescência de diferentes gerações

Do homem do saco à rasga-mortalha, entrevistados de diferentes gerações compartilham as histórias que ouviram ou vivenciaram durante a infância, numa linha tênue entre ficção e realidade.

Gabrielly Leopold - Revisado por Danielle Carvalho
Ilustração representando como as histórias mexem com o nosso imaginário. (Foto: Reprodução/@noveliciouss - Twitter).

 

A infância é o momento mais mágico das nossas vidas, quando podemos ser heróis, princesas e até mesmo dragões. É também durante esse período, assim como na adolescência, que ouvimos as melhores histórias e, por serem justamente tão boas ou até assustadoras, fica difícil saber se são verdade ou não passam de lendas populares. Talvez na vida adulta poucas delas façam sentido, mas não importa a geração à qual você pertence, sempre vai haver uma crença que movimentou essa fase tão gostosa da vida. 

Pensando nisso, entrevistados de diferentes gerações se divertem ao compartilhar aquilo que foi um verdadeiro marco para elas. Se são reais ou apenas “histórias da carochinha”, isso é o seu imaginário que vai decidir.

 

A moradora do apartamento 44

Carla tem 36 anos, atualmente é fotógrafa e mora com o marido e os filhos, mas para contar sua história ela volta no tempo e nos transporta para a infância e adolescência num condomínio em Santo André que, por se tratar de um lugar relativamente novo em uma cidade não tão grande assim, grande parte dos vizinhos se conheciam e acabavam se tornando amigos facilmente. A vizinhança era realmente muito amigável e unida, ela conta que eles tinham o costume de almoçar juntos pelas escadas do prédio, faziam festas e conversavam na entrada, andavam de bicicleta. 

O clima harmônico foi interrompido por uma nova moradora do prédio, que a princípio foi bem recepcionada até mostrar seu lado nada amigável em pouco tempo. Tudo começou com as implicâncias pelo cinzeiro que ficava no 4º andar, pois na época as pessoas ainda podiam fumar em espaços fechados. Esse era um cinzeiro grande, daqueles de madeira, onde os moradores do prédio podiam depositar suas bitucas de cigarro. A senhora não admitia que aquilo ficasse no seu andar e tanto implicou com os vizinhos até que foi tirado de lá. 

Aquele foi apenas o início de um ciclo de implicâncias bizarras, até ser “carinhosamente” apelidada pelas crianças do condomínio como “velha louca”. Carla, que tinha apenas 6 anos quando a senhora se mudou, compartilha que a infância e adolescência do grupo dos vizinhos tão unidos passou a ser cercada de ameaças infundadas: ela não gostava que as pessoas ficassem conversando em frente ao prédio, gritava com as crianças que decidiam brincar pelo condomínio, implicava com seus vizinhos de porta por serem os mais festeiros, afinal, era no famigerado quarto andar onde se reuniam para almoçar e jogar baralho. Aos poucos, o clima de festa foi substituído pela histeria da moradora.

Ninguém sabia exatamente qual era o problema da senhora, mas muitos especulam que ela tinha algum tipo de distúrbio mental, afinal, qualquer pequeno barulho ou agitação — não só dos condôminos, mas dos visitantes também — era motivo para que ela começasse com seus xingamentos que podiam ser escutados de todos os apartamentos, quando ela pedia para que as pessoas saíssem do prédio como se aquele fosse um espaço somente dela. E não, ela não se limitava às ofensas. A entrevistada relata que a mulher jogava água quente e sal grosso pela janela para espantar quem estivesse na entrada do local, além de tirar muitas fotos das pessoas, resultando em processos aos quais ela comparecia e utilizava das fotografias como argumento para dizer que seus vizinhos a maltratavam. 

Quando era mais nova, a entrevistada imaginava perfeitamente um caldeirão dentro do apartamento da mulher, pois seu imaginário já a compreendia como bruxa. Carla e seus amigos do condomínio cresceram com uma porção de lembranças bizarras da moradora do apartamento 44, que certamente foi um marco na infância e adolescência de todos eles. São tantas histórias envolvendo a senhora que essa matéria poderia facilmente ser apenas sobre ela, mas para fechar o relato da entrevistada, ela compartilha a sua última lembrança relacionada à mulher. Dessa vez, já passava dos seus 20 anos e agora uma de suas amigas, Laís, havia se mudado para o famigerado 4º andar.

Se tudo o que foi relatado antes não bastou para te fazer acreditar que havia algo de muito errado com a moradora do 4º andar, essa lembrança de Carla tem potencial para mudar a sua perspectiva e, quem sabe, temer a mulher. Já era tarde da noite quando Carla, Clayton e Laís chegaram em casa, como sempre procurando fazer o menor barulho possível para não incomodar os vizinhos e, principalmente a vizinha do apartamento da frente, a “velha louca”. Os três estavam deitados fumando e conversando praticamente aos sussurros, querendo evitar qualquer tipo de alarde, no entanto, quando menos esperavam a velha começou a resmungar. Sabendo que ela morava sozinha, já era suspeito o suficiente que ela dissesse qualquer coisa num horário daqueles.

Como o trio não era bobo e nem nada, logo se aproximaram da porta para escutar com mais clareza e não demorou para que desconfiassem de que ela estava falando com eles, embora obviamente não pudesse vê-los. Quanto mais ouviam, mais aumentavam os olhares assustados entre si, desconfiados: “Quando a gente terminou de se perguntar: ‘Será?’, ela falou: ‘Vocês três mesmo que ficam aí fumando maconha! Menina, a gente deu um pulo, saímos correndo pro quarto da Laís, com tanto medo.” Carla relembra o momento mais bizarro dentre os episódios da moradora do apartamento 44 e conta que nenhum de seus amigos até hoje consegue encontrar uma explicação para o que ouviram naquela noite. E aí, será que a mulher era de fato uma bruxa ou tudo não passou de uma alucinação?

Depois de alguns anos, a mulher foi levada embora por sua família e nunca mais ouviram falar da “velha louca”, mas é fato que qualquer um que tenha morado naquele condomínio entre os anos 90 e 2000 tem uma história pra contar sobre a mulher. 

Rasga-mortalha: o terror das crianças desobedientes

Em cidades como Pernambuco, histórias e lendas estão por toda a parte, há sempre uma nova para ser contada e você sempre se surpreende com o quão real elas parecem ser. Maria Gabrielly tem 20 anos e ouvia muitas delas quando era mais nova, porém a mais marcante foi a da rasga-mortalha. Como a criança geniosa e que adorava aprontar, sua avó precisava fazer ela se comportar de alguma forma e essa criatura foi a ameaça mais eficaz para lidar com a neta desobediente.

Gabrielly tinha 4 anos e estava na casa dos avós, ela teimava muito para fazer sua lição de casa, por mais que a avó tentasse convencê-la isso parecia impossível para uma criança que não conseguia parar quieta. Cada birra aumentava mais o estresse da senhora, que já não tinha ideia de como a garota poderia cumprir com o seu dever, foi então que se lembrou da história da rasga-mortalha e não poderia ter sido mais eficiente. A entrevistada explica que se tratava de uma bruxa que tinha o poder de se transformar em coruja e o grito ensurdecedor era uma de suas características mais marcantes, ela era parte do folclore da região onde morava e quando criança esse era um dos maiores medos de Gabrielly. 

Ela sempre acreditou na existência desses seres místicos para a proteção do meio-ambiente, mas sabe que eles não aparecem para qualquer pessoa, por isso quando a avó ameaçou chamá-la ela já ficou extremamente horrorizada só com a hipótese. Como se não bastasse a ameaça, no momento em que a senhora disse aquilo a porta da cozinha bateu e a criança escutou um grito agudo, semelhante ao da criatura que tanto temia. Tremendo de medo, ela deixou a desobediência de lado e voltou a se concentrar na lição de casa, relatando que nunca mais ousou desobedecer os avós. 

“Eu sempre fui muito medrosa, até hoje. Na vida adulta mesmo, eu tenho muito medo do escuro e até um medo bobo como o do velho do saco, porque a minha mãe falava pra mim que ia chamar ele e também falava sobre a velha debaixo da cama, que tinha uma música tenebrosa que não lembro a letra agora, mas minha avó cantava.”

Com certeza criaturas como a rasga-mortalha, o velho do saco e até a velha debaixo da cama marcaram a infância de muita gente. Lendas ou não, o fato é que suas ameaças sempre serviram para colocar limites em crianças levadas.
 

A história do Sassá 

Eduardo Rocha compartilha uma história um pouco mais macabra, que aconteceu com uma amiga de sua mãe e até hoje serve como lição para ter cuidado com o que se diz em voz alta, afinal, as palavras realmente têm poder e, se você acha que isso é exagero, esse relato talvez te deixe minimamente reflexivo.

Aquele tinha tudo para ser mais um dia comum de trabalho, a mãe do entrevistado trabalhava numa empresa de costura e uma de suas amigas era realmente explosiva, tudo o que dava minimamente errado em sua vida já era motivo para xingar com palavras do tipo: “diabo”, “satanás”, ao invés de usar palavrões comuns, causando um certo incômodo em quem escutava. Sua rotina já saiu do comum quando se deparou com essa moça que chegara com o rosto inchado de tanto chorar, os olhos vermelhos em completo desespero. A princípio, tudo o que sua amiga dizia era que não havia dormido direito.

Como aquela resposta não tinha nada de convincente, no horário de almoço das duas a mãe de Eduardo foi conversar com a amiga, na tentativa de obter explicações melhores e ajudá-la, no entanto, o relato era diferente de qualquer coisa que pudesse imaginar. Ela conta que acordou no meio da noite com as luzes da casa acesas e quando levantou ela viu o temido “Sassá”, que era uma criatura bem pequena, feia e amedrontadora, semelhante ao que era mostrado nos filmes e desenhos.

A mulher rapidamente fechou os olhos bem forte, torcendo para que quando eles fossem abertos novamente o bicho já tivesse ido embora, mas não foi o que aconteceu. Ela estava agoniada, olhava para todos os lados e a criatura continuava ali, a encarando fixamente, enquanto tentava gritar a qualquer custo mas a sua voz simplesmente não saia. Pensou em chamar a mãe que estava dormindo, mas simplesmente não conseguia chegar até ela, ela não era ouvida de jeito nenhum.

Ela torcia para que tudo não passasse de uma ilusão, mas o medo que sentia era a prova contrária, enquanto o bicho não deixava sua casa. Algumas horas depois, em desespero, pensou que havia se livrado da criatura e se dirigiu até a cozinha para apagar a luz, mas ele estava lá, debaixo da mesa. Ele não fazia nada, mas a forma como a encarava era o suficiente para amedrontá-la para sempre. 

“Sassá” só foi embora quando o dia estava prestes a amanhecer, não se sabe se a criatura chegou a dar as caras novamente, mas daquela madrugada pavorosa em diante, a mulher prometeu nunca mais usar tais xingamentos, com medo de atraí-lo.

Será que o bicho era real ou tudo não passou de um pesadelo extremamente assustador?

A bruxa da árvore seca

A infância de Ana, hoje com 61 anos, foi repleta de histórias contadas por sua mãe para que ela e os seus irmãos, sempre ativos e bagunceiros, pudessem finalmente dar um pouco de sossego para ela. Com a imaginação fértil de uma infância sempre lúdica e carregada de boas memórias, Ana sempre acreditou em todas elas.

A entrevistada conta que morava numa casa simples em São Caetano do Sul, com telhas improvisadas com papelão e a construção inteira feita de madeira, foi ali que cresceu com os irmãos brincando e, diga-se de passagem, aprontando na mesma proporção. Ela se lembra claramente de uma árvore completamente seca que ficava de frente para a janela do quarto da mãe, desde que nasceu aquela árvore era do mesmo jeito: sem folhas e sem vida. Quando criança, a apelidou de “árvore de taturanas”, pois acreditava que os insetos que tanto temia vinham de lá.

Conforme a noite avançava e a hora de dormir se aproximava, Ana era o tipo de criança que dava trabalho e vivia “brigando com o sono”, então o único jeito de resolver essa situação era com chantagem. Pensando nisso, a mãe dizia que uma bruxa morava na fatídica árvore seca e seu prato predileto eram crianças desobedientes, por isso, se a mais nova não dormisse logo ela seria a próxima vítima da feiticeira, que entraria pela janela e a levaria pra longe.

Ana, por sua vez, tinha certeza que a moradora da árvore era a responsável pelas taturanas, então sabia que se a bruxa a sequestrasse sofreria em dobro: por seus feitiços e pelos insetos, então é claro que não pensava duas vezes antes de obedecer a sua mãe e se comprometer a pegar no sono o mais rápido possível. Não sem antes espiar pela janela pra se certificar de que não tinha ninguém na árvore.

 

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