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23/11/2019 às 17h20min - Atualizada em 23/11/2019 às 17h20min

Na lista dos mais vendidos: por que lemos tantas distopias esse ano?

A revista Veja publica, semanalmente, os livros mais comprados nas livrarias pelos brasileiros. Em 2019, o destaque foi da literatura distópica.

Gabriela Carneiro - Editado por Socorro Moura
https://www.bbc.com/news/magazine-38764041, https://veja.abril.com.br/livros-mais-vendidos/, https://www.britannica.com/list/8-banned-books-through-time
Insider

“Eu avisei” - protesto nos EUA em 2013 contra espionagem. Fonte: Insider

O Conto da Aia, 94 semanas não consecutivas na lista. A Revolução dos bichos, 72. E 1984, 33. Nenhum outro gênero de ficção está fazendo tanto sucesso na lista de livros mais vendidos no Brasil, da revista Veja, quanto as distopias. E não é mera coincidência: os livros que escolhemos ler dizem muito mais sobre os momentos que vivemos do que parece.

Distopia é o nome dado, na ficção, a sociedades conturbadas, geralmente em decorrência de algum regime autoritário ou da luta pela sobrevivência pós-apocalipse. É antônimo de utopia, nome cunhado pelo escritor inglês Thomas Morus. Em seu livro de mesmo nome, Utopia era um país perfeito, onde todos viviam felizes e em harmonia. Tanto as distopias quanto as utopias costumam estar ligadas à ficção científica, e hoje aparecem não só na literatura, mas também na música e no cinema.

Literatura distópica. Fonte: Vowelor

Vivemos, hoje, tempos de incerteza e instabilidade na política. Especialista em best-sellers na UFRJ, a professora Eliane Paz acredita que pode haver um diálogo entre nosso consumo de literatura distópica e esse atual momento social. “Distopias dialogam com os conflitos da sociedade, e por isso são atuais em qualquer época. O tema da opressão, da falsa normalidade, entre outros, são recorrentes nesse gênero”, comenta. “Nós, leitores, lemos por diversos motivos: um deles é porque precisamos fugir da realidade; o outro, porque queremos entender a realidade de outro ponto de vista. Controle, censura, polarização — características do que vivenciamos atualmente — são o cerne das narrativas distópicas.”

Assim como os brasileiros estão lendo mais obras distópicas em 2019, os Estados Unidos viram o mesmo fenômeno acontecer em 2016, após a vitória do presidente Donald Trump. 1984, de George Orwell, teve um aumento de 9500% nas vendas, de acordo com a editora americana Signet Classics. E Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, estivera há dois anos fora até dos 100 livros mais vendidos na Amazon, mas conseguiu chegar ao top 10 depois das eleições.

Porém, para a professora, não apenas as obras distópicas são reflexo de momentos conturbados, mas também o aumento na venda de livros de autoajuda, amor, humor e fantasia, em movimento contrário. “Muitas vezes o leitor busca a literatura para pensar sobre o mundo em que vive; noutras, justamente pelo oposto”, diz Eliane. Um exemplo são os livros de autoajuda A Sutil Arte de Ligar o F*da-se, de Mar Mason, e Seja F***!, de Caio Carneiro, que somam, respectivamente, 96 e 98 semanas não consecutivas na lista dos mais vendidos. 

Ao longo dos anos, muitas obras distópicas sofreram censuras de governos autoritários ao redor do globo. As obras de George Orwell 1984 e A Revolução dos Bichos foram banidas na União Soviética pelo ditador Joseph Stalin na época de seus lançamentos. Hoje, a China baniu menções a esses livros nas redes sociais, além de impedir a venda de livros de autores chineses considerados anti-governo. E, ironicamente, é justamente essa a crítica que as distopias ficcionais fazem à sociedade: 

“Então, vê agora por que os livros são tão odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida. As pessoas acomodadas só querem rostos de cera, sem poros, sem pêlos, sem expressão.”

citação de Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.


 

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