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16/07/2020 às 11h34min - Atualizada em 16/07/2020 às 09h28min

A (in)visibilidade da produção cultural no Norte do Brasil

Com o fechamento dos estabelecimentos culturais, artistas autônomos aguardam auxílio emergencial para o setor da Cultura

Kássia Tavares da Silva - Revisado por Renata Rodrigues
Junior Lima/Divulgação
As medidas de isolamento social, adotadas de forma global, para prevenir e conter os avanços do novo coronavírus reforçou ainda mais o sistema precário em que se encontra a produção cultural em todo território nacional. Com o fechamento dos teatros, cinemas, feiras e demais espaços de promoção de eventos, muitos artistas aguardam por medidas emergenciais do Governo Federal para assim, sobreviverem ao período de quarentena.

Hoje, o setor cultural e criativo é um dos principais segmentos da economia brasileira a sofrer impactos da recessão e será, conforme o alerta de especialistas, o último segmento a voltar à normalidade. Na economia, a produção cultural e de economia criativa foi responsável por 2,6% do PIB (Produto Interno Bruto), empregando mais de oitocentos trabalhadores formais no ano de 2017, conforme o levantamento realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

Umas das medidas, que ainda caminha a passos lentos, é a execução do auxilio emergencial por meio da Lei nº 14.017/2020, nomeada como Lei Aldir Blanc, em homenagem ao compositor e cronista Aldir Blanc, que faleceu vítima da covid-19. A verba, estimada em R$3 bilhões de reais, será dividida entre os estados e municípios brasileiros, conforme as regras gerais da legislação e baseado nos valores arrecadados pelos Fundos de Participação dos Estados (FPE).

O vírus nas políticas públicas
 
Francisco Rider (55), que trabalha no ramo artístico de forma autônoma a mais de 40 anos, e já foi premiado em Festivais Nacionais, conta que as políticas públicas do governo ainda são muito fracas para o setor cultural e que os representantes do segmento devem investir em editais públicos.

“Já fui contemplado com vários [editais], de circulação, de criação e isso fez com que nos últimos 15 anos eu viesse a fomentar, circular com meus projetos, minhas ideias, com as minhas poéticas. Então é através desses incentivos, desses editais, que são poucos na verdade, e são super necessários para nossa existência enquanto artistas autônomos”, explica o especialista.



Ainda conforme Rider, o público amazonense não tem o hábito de frequentar os espaços culturais, até mesmo espetáculos com entrada gratuita. “Raramente você um espetáculo com casa lotada. No Teatro Amazonas, mesmo quando as portas são abertas gratuitamente, mesmo assim não lota. É difícil falar sobre mercado em Manaus, se não existe público. Essa questão do mercado é bem melancólica aqui na cidade de Manaus, porque o público não prestigia, não vai nesse mercado comprar nossos produtos, nossas poéticas, nossas sensibilidades, nossos conceitos”, desabafa o artista.

O produtor cultural ainda faz uma reflexão sobre a atuação do governo frente aos desafios do ramo artístico em tempos de crise na sáude. “Sem a pandemia nós já erámos afetados, nós que trabalhamos a arte como processo, e não como produto um produto acabado. A pandemia, ela veio nos afetar não somente na nossa saúde dos nossos corpos, mas ela veio também mostrar pra sociedade o corpo social, o quão deficiente são as propostas de políticas culturais para as artes no Brasil. Não existem”, comentou.

Lives e máscaras: um novo jeito de sobreviver
 
Outra representação forte da Região Norte no mercado cultural é a artista Rosa Maria Santos Martins (52), a “Malagueta”. A atriz, nascida no município de Tabatinga, localizado no interior do Amazonas, atua na profissão a pelo menos 35 anos. Malagueta possui na carreira extensa no cenário televisivo, com participações em novelas de renome, como “A Força do Querer”, da Rede Globo, atuando também em comerciais e produções.

Com projetos cancelados, Rosa Maria vende máscaras para complementar sua renda mensal no período de quarentena. “No momento pra sobreviver, como eu não estou em Manaus, estou no Rio de Janeiro, vim pra um trabalho aqui, os trabalhos que eu iria fazer no Rio de Janeiro foram todos cancelados, como eu tenho uma prática e já figurino pros meus espetáculos, trabalhava com cenografia, sempre fiz isso, eu comecei a fazer máscaras pra vender e é com isso que eu to me mantendo aqui no Rio de Janeiro”, conta a atriz.



Já para o ator e produtor e dono da Associação Cultural Apareceu a Margarida (ACAM), Michel Guerrero (42), a internet serviu como aliada na complementação financeira.  “Com a pandemia a gente teve que parar obrigatoriamente por conta desse perigo que assola o mundo e o Brasil, então eu fiz duas lives com a minha personagem de humor a Lady Parker, uma dia 18 de abril e a outra dois meses depois, 20 de junho, onde eu pedi um cache solidário e consegui arrecadar algum dinheiro, isso foi bacana, me ajudou”, relata o artista.

Para Guerrero, a crise no setor cultural dificulta a criação de editais diversificados, necessitando de uma visão mais ampla das linguagens culturais."O formato desse bloco, desses editais [da última década], ele está um pouco engessado. Pouco estímulo pra diversidade. Essa fatia do bolo tá indo pra alguns sempre, mesmo no rito dos editais, e a diversidade, a maior amplitude em número de artistas tem se esvaído. Eu acho que tem que ter outros olhares”, completa.
 
 
 













Mapeamentos mostram a força da arte no norte 

Ações conjuntas entre representações estaduais e entidades ligadas ao setor cultural promoveram mapeamentos para visualizar, de maneira mais profunda, a situação econômica e profissional dos trabalhadores. Dentre elas, a pesquisa Covid-19 nos setores cultural e criativo do Brasil”, realizada no mês julho de 2020, com o apoio de entidades como o Serviço Social do Comércio (Sesc) e a  Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, mostra uma forte participação da classe artística, principalmente da região norte.
 
Os dados iniciais, analisados pelo o sociólogo Rodrigo Amaral, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), confirmam o cenário de tensão do segmento. “A preocupação das pessoas está muito negativa, de perda generalizada”, explica o sociólogo em entrevista a Agência Brasil. O boletim também evidencia que mais da metade dos artistas brasileiros atuam no setor autônomo ou de informais, totalizando mais de 56% das respostas individuais.


 
No estado do Amazonas, o formulário de “Mapeamento de artistas do Amazonas”, recebeu mais 4 mil respostas dos artistas locais. Segundo o secretário Marcos Apolo, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas (SEC/AM) as informações obtidas a partir do mapeamento ajudarão a compreender o fluxo da cadeia produtiva cultural do estado e nortearão a aplicação dos recursos financeiros provenientes da Lei Aldir Blanc. 

As medidas devem atender aos critérios expostos na lei. “O estado vai ficar com a parte do recurso emergencial, aquele no valor de R$600 pelo período de 3 meses e também o lançamento de editais. Os municípios ficarão com a parte dos espaços culturais, centros culturais, movimentos, e também uma parte destinada a editais.”, explica o secretário.

Conforme a projeção do FPE, o Amazonas receberá cerca de R$ 37 mil, o segundo maior valor destinado aos estados da região norte do país, atrás apenas do estado do Pará. Há dois anos à frente da SEC/AM, Apolo diz que os recursos para o estado são históricos. “A receptividade foi muito boa, é um valor histórico. Primeira vez na história que tem um valor tão expressivo destinado a cultura no país, e a gente ficou muito feliz com essa possibilidade de auxiliar na cadeia produtiva da cultura nesse momento tão difícil para todos”, afirmou.
 
Para o secretário, o objetivo é manter o diálogo com a classe cultura e continuar promovendo capacitação para os artistas amazonenses. “A Secretaria esta sempre aqui a disposição pra prestar uma série de suportes e apoios a toda a cadeia da cultura. Está sim no nosso planejamento a continuidade desse processo, desses diálogos, não só formação, capacitação, mas também diálogos sobre pautas e assuntos diversos pertinentes ao movimento cultural do estado do Amazonas”.
 
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