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17/07/2020 às 12h30min - Atualizada em 17/07/2020 às 12h16min

Cinco obras para conhecer o New Journalism brasileiro

O Jornalismo Literário tem sua importância histórica devidamente conhecida, no Brasil é chave para explicar mais detalhadamente desde revoluções até o cotidiano comum

Bárbara Contiero - Editado por Bruna Araújo
Explicação sucinta sobre a importância do New Journalism

Durante anos o jornalismo foi chamado de Quarto Poder (paralelo aos três poderes de um estado democrático: Executivo, Legislativo e Judiciário), justamente por funcionar como uma ponte entre grandes cargos políticos e seus leitores. Apesar de ser uma nomenclatura descontinuada com o surgimento de tecnologias modernas, se tornaram realidade novos formatos de noticiar e contar histórias paralelas aos grandes acontecimentos, e renovações assim trouxeram a possibilidade de expandir esses recortes na história, em especial, através do New Journalism, ou Jornalismo Literário.

 

Entre os especialistas do meio literário há uma discussão sobre quem começou o New Journalism, levando em consideração a publicação de livros e matérias que se encaixam no modelo, mas devido a repercussão e popularidade, a grande maioria dos especialistas aceita como a estreia oficial, o Grand Opening desse gênero que estreita o relacionamento entre literatura e jornalismo, a publicação da reportagem e perfil do ator Marlon Brando para o New Yorker, intitulada O duque em seus domínios (1956), pelo jornalista norte-americano Truman Capote. A maestria de Capote o tornou conhecido mundialmente, principalmente com sua obra mais conhecida A Sangue Frio (1965). Muitos outros autores surgiram e criaram renome através do Jornalismo Literário, entre eles Tom Wolfe, Gay Talese e Hunter S. Thompson (conhece o jornalismo gonzo? Foi esse senhor que o inspirou).

 

O jornalismo brasileiro também é prolífico contribuinte para o New Journalism. Um país tão grande tem histórias e narrativas a serem contadas, abordando os mais diversos pontos de vista e consequências de revoluções ou acontecimentos regionais.

 

A história nunca é composta por um só acontecimento surgido do ar, revoluções não se iniciam da noite para o dia. Todo conflito é consequência de uma série de eventos antecedendo, estes que são permeados por narrativas paralelas das quais são pouco documentadas em livros de história. Personalidades, relatos e aventuras são perdidos quando não há quem os dê voz.

 

Conheça cinco livros para conhecer o Jornalismo Literário brasileiro:


“Os Sertões” por Euclides da Cunha

 



Começando pelo começo, como já era de se esperar, voltamos muitos anos na história, 118 anos, em 1902 para ser mais específica. Euclides da Cunha, um repórter pelo A Província de São Paulo (hoje chamamos de Estadão), havia designado para cobrir a Guerra de Canudos no interior do sertão baiano. O conflito que durou entre novembro de 1896 e outubro de 1897 rendeu um capítulo triste para a história do Brasil, no entanto, ele inspirando Os Sertões, uma obra literária considerada até os dias atuais como o “primeiro livro-reportagem” nacional. 

 

Em 1897, Euclides da Cunha pisou no árido chão de terra do sertão baiano e iniciou o processo de pesquisa para uma reportagem sobre a Guerra de Canudos. Apesar de ter estado à par dos acontecimentos envolvendo a cidade Canudos, pouco sabia sobre o conflito em si. Politicamente, até mesmo escrevia artigos, mas só entendeu - de fato - a guerra ao se juntar aos sertanejos e conhecer a vida, condições e motivações.

 

Com detalhes sórdidos e descrições completas dos acontecimentos e cenários, Euclides deu vida e asas ao conflito em Canudos, grandes trechos da história seriam perdidos, caso não houvesse quem os descrevesse. Até mesmo nos dias atuais, Os Sertões é uma referência para estudantes de Jornalismo, História, Geografia e Sociologia.

 

“Holocausto Brasileiro” por Daniela Arbex

 



Como mencionado, a história é cheia de recortes. Mudanças não acontecem como combustões espontâneas, indignações não surgem ao bel-prazer. Chacinas contínuas e silenciosas só terminam e enfim se torna um fato passado através do progresso. Contudo, nunca chegaria aos nossos olhos e ouvidos pedaços da colcha de retalhos que é nossa memória histórica, se alguém não se dispuser a cobri-lás.

 

Daniela Arbex  publicou em 2013 um livro chamado Holocausto Brasileiro, explicitando umas tragédia silenciosa ocorrida no Brasil: a morte de mais de 60 mil pessoas por condições inumanas, presas entre o esgoto e cadáveres, e pasmem, tudo isso dentro de um hospital psiquiátrico, o Hospital Colônia de Barbacena - em Minas Gerais. Com base em reportagens da década de 1960 e 1970, a jornalista recolheu depoimentos de ex-internos, ex-funcionários e inclusive moradores das redondezas, que presenciaram tudo, desde a inauguração da instalação em 1903, até o fechamento de suas alas em 1980.

 

“Abusado - O dono do Morro Dona Marta” por Caco Barcellos 

 



Durante muito tempo, a mídia brasileira fez grandes coberturas de ocupações, conflitos entre policiais e facções criminosas, além de copiosas reportagens acerca dos mandantes do tráfico de drogas em comunidades. como o Morro do Alemão e o Complexo do Bonsucesso - no Rio de Janeiro -, ou Paraisópolis e Cachoeirinha - em São Paulo. Vendo da perspectiva externa, o modus operandi de uma organização criminosa parece pouco complicada, mas é necessário uma visão interna dos fatos para de fato entender as intrincadas relações do crime organizado.

 

Abusado - O dono do Morro Dona Marta é uma obra de 2003, escrita pelo jornalista Caco Barcellos. Em 560 páginas, o autor nos apresenta hierarquias, batalhas internas entre grandes membros de uma facção, além da lógica aplicada às corporações criminosas que obtém o comando do tráfico de drogas em comunidades cariocas. Caco usa como ponto de partida para a narrativa a história de Juliano VP (codinome usado, mas retratando um dos traficantes mais conhecidos no Rio de Janeiro), desde sua infância e adolescência conturbadas, até suas primeiras experiências no tráfico e ascensão na estrutura e repasse de entorpecentes no Morro Santa Marta, localizado em Botafogo.
 

 

“Estação Carandiru” por Draúzio Varella

 



Um dos massacres carcerários mais conhecidos do Brasil foi o ocorrido em 1992 na Casa de Detenção de São Paulo, também conhecida como Carandiru. Após uma rebelião entre detentos no Pavilhão 9, a polícia interviu de forma truculenta e, nas palavras da promotoria responsável por julgar a conduta dos comandantes, “desastrosa e mal-preparada”. No entanto, anos antes o médico oncologista, professor e escritor Drázio Varella já vinha acompanhando, como agente voluntário de saúde, a convivência dos encarcerados, além de monitorar a saúde e instalações designadas.

 

Antes de se tornar médico voluntário, Dráuzio havia sido designado para dar palestras aos encarcerados sobre HIV e AIDS, visto que casos e diagnósticos estavam aumentando vertiginosamente dentro do presídio, devido ao compartilhamento de seringas para injeção de drogas na veia. Em capítulos específicos, o autor conta ao leitor como era estar doente em um lugar “abandonado por Deus” (termo utilizado ao longo da obra).

 

O livro Estação Carandiru destaca as condições inumanas, tanto para quem vivia lá dentro, quanto para aqueles que acessavam somente para trabalhar. Na obra também são contadas histórias dos presos, narrativas precisas trazidas por situações inclusive presenciadas. O livro se inicia em 1989 e termina com relato sobre a chacina de 1992, na qual 111 presos foram mortos (na contagem feita pela polícia), mas os detentos calculam mais de 200 (devido àqueles que saíram feridos e não mais voltaram).

 

Há trechos da história que aos serem esquecidos, tirariam das costas do cidadão o peso de ter vivido aquela época, mas como mencionei, nenhum levante inicia em combustão espontânea, acontecimentos precedentes aos fatos precisam ser contados. Para delinear coerentemente uma data considerada dolorosa, é necessário ler e relatar. Para isso, existe o New Journalism.

 

“A Vida que Ninguém Vê” por Eliane Brum

 



Para finalizar este artigo quero recomendar um livro e uma reflexão. 

 

Até o momento só foram mencionados acontecimentos que incutiram em mudanças grandiosas para áreas específicas do país, mas o Jornalismo Literário é abrangente, ele retrata desde discussões e lutas homéricas, até as narrativas mais simples e habituais, mas que tem significado. Com a intenção de dar vozes ao mendigo, o carregador de malas do aeroporto que nunca voou, entre outras personalidades que existem no cotidiano, mas não são representadas ou vistas, Eliane Brum publicou em 2006 o livro de crônica-reportagem A Vida que Ninguém Vê.

 

A edição com 280 páginas conta com vinte e uma crônicas escritas por Brum, originalmente publicadas no Jornal Zero Hora, mas que se tornaram um compilado de vidas e situações pouco discutidas, invisíveis. Ao terminar de entender realidades que não nos pertencem, mas podem vir a se tornar parte das observações diárias e essa é a intenção do livro: dar voz, personalidade e rosto às vidas que ninguém vê.

 

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